
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Desde o início deste mandato, o governo do presidente Lula
(PT) registrou decisões em linha com as suas posições e obteve uma sucessão de
vitórias no STF (Supremo Tribunal Federal) por meio da AGU (Advocacia-Geral da
União).
Das 111 ações constitucionais com origem no STF nas quais a
AGU se manifestou e que foram julgadas pela corte em 2023 e 2024, 99 tiveram
resultados aderentes ao posicionamento da instituição, o que corresponde a 89%
do total.
Nesse tipo de ação, em tese não se discute um interesse
individual como em um processo judicial comum. O Supremo verifica se o objeto
em debate é constitucional ou não em abstrato, ou seja, independentemente do
caso concreto.
Sob outra ótica, a taxa de sucesso judicial da AGU nos
processos em que ela atuou efetivamente como parte defendendo os interesses da
União alcançou 74% em um universo de 5.888 decisões no acumulado do período. Em
2024, a razão foi de 76%. No ano anterior, de 72%.
À Folha o advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmou que
o resultado da atuação no Supremo ao longo de 2024 demonstra o trabalho do
órgão na defesa do patrimônio da União e do Estado democrático de Direito.
"Estamos no caminho certo e nos preparamos para obtenção
de resultados ainda melhores em 2025", disse Messias, que tem entre as
atribuições a representação da União no STF e o assessoramento direto e pessoal
do presidente da República.
Questionada, a AGU não enviou dados relativos ao período de
Jair Bolsonaro (2019-2022).
LULA X BOLSONARO
A opinião de especialistas ouvidos pela Folha é a de que,
para além dos números registrados em cada período, vitórias da gestão petista
contrastam com o padrão observado sob governo de Bolsonaro.
O governo Lula contabiliza êxitos em processos relacionados à
restrição de acesso a armas de fogo, à PEC dos Precatórios, à desoneração da
folha de pagamento e à abertura de crédito extraordinário para combate a
queimadas.
O ex-presidente Bolsonaro, por outro lado, enfrentou derrotas
quando estava no poder, na disputa com os estados em torno do isolamento
social, na tentativa de flexibilização do acesso a armas de fogo e até na
nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal.
Antes de Jorge Messias, que está no cargo de advogado-geral
da União desde o início do governo Lula, em 2023, ocuparam o posto, sob
Bolsonaro, Bruno Bianco, José Levi e André Mendonça, este hoje ministro do STF.
Gabriela Zancaner, professora de direito constitucional da
PUC-SP, considera que a diferença entre os governos Lula e Bolsonaro não deriva
tanto da atuação da AGU, mas da composição da corte e, principalmente, da
própria falta de compatibilidade das políticas evocadas pelo ex-presidente com
as leis do país.
Zancaner vê um tribunal, composto inclusive por uma maioria
de ministros indicados nas gestões petistas, mais alinhado a Lula que a
Bolsonaro.
Mas, segundo ela, "não é uma questão de eu chuto, e você
marca o gol", e sim uma "questão de competência do Supremo e do
caminho que esse governo tem seguido".
"Estávamos um pouco fora da normalidade, com
determinadas atitudes do governo passado, próprias e até pessoais do
ex-presidente, que foram autoritárias e contrárias ao texto
constitucional," afirma a professora. "Lula, parafraseando Bolsonaro,
age muito mais dentro das quatro linhas da Constituição".
O professor de direito constitucional do IDP André Rufino,
coordenador grupo Observatório Constitucional, vinculado à mesma instituição,
afirma que, pelo menos nos últimos dois anos, o Supremo e os órgãos que atuam
perante a corte trabalham em um ambiente de "maior tranquilidade
institucional".
O diálogo era um dos problemas do governo Bolsonaro, de
acordo com o pesquisador, e o foi em especial de 2020 a 2022, durante a
pandemia e antes das eleições presidenciais. "Quando não há essa conversa,
isso traz resultados negativos aos processos, aos julgamentos, a tudo. É um
efeito em cadeia."
Segundo Rufino, a própria atuação da AGU no governo anterior
se dava mais pela via do processo, em uma lógica mais combativa de ganha-perde,
enquanto a gestão atual, afora o engajamento para o retorno da normalidade
democrática, tem visado a uma construção dialógica de soluções —pela via da
conciliação.
Por exemplo, o STF assumiu em outubro do ano passado a
repactuação do acordo de Mariana (MG). Um mês depois, o plenário da corte
homologou um acordo de R$ 170 bilhões envolvendo União, os estados de Minas
Gerais e Espírito Santo, Ministério Público, Defensoria Pública e as empresas
Samarco, Vale e BHP.
ENTENDA O FUNCIONAMENTO DO STF
Por sua vez, Álvaro Palma de Jorge, professor de direito
constitucional da FGV Direito Rio, diz não ver um Supremo mais inclinado ao
governo Lula, ao governo Bolsonaro ou a outro. Aponta também a dificuldade de
se separar as vitórias de cada gestão por as questões serem muitas vezes
circunstanciais.
"Depende do que chega ao Supremo, em que momento chega,
quem é que propôs (…) O tribunal faz o papel institucional com o que se
apresenta, decide, às vezes de modo favorável, às vezes contrário", afirma
ele. "Haverá decisões que podem corresponder a um eventual interesse do
governo e outras que não."
Ele diz que Bolsonaro pode ter tido mais ações contestadas
por desrespeitar a Constituição e adotar medidas erradas na pandemia. No
entanto, ressalta que Lula não enfrentou uma crise como aquela nem outras
situações semelhantes, por isso não seria possível prever o que ele faria
nessas circunstâncias.
"A percepção", afirma Palma de Jorge, "de que
o Supremo tomou mais decisões [contrárias] ao governo Bolsonaro tem muito mais
a ver com o governo Bolsonaro do que propriamente com o Supremo, tem muito mais
a ver com o quanto o governo agiu em questões que são constitucionalmente
sensíveis ou não".
Por Bahia Notícias