TikTok Crédito: Shutterstock
A Universal Music, maior gravadora do mundo,
surpreendeu na última semana com o anúncio de que iria retirar músicas com seu
selo do TikTok. No catálogo da empresa, estão grandes nomes da música
internacional, como Taylor Swift e The Weeknd, e também do Brasil, como Anitta
e Jão.
Como justificativa, a gravadora alegou não ter
entrado em acordos com a plataforma acerca da compensação dos artistas, do uso
de inteligência artificial na rede social e da segurança online no TikTok. O
Estadão entrou em contato com a Universal Music para um novo posicionamento,
mas não obteve retorno. O espaço segue aberto. Leia mais da carta aberta que
informou a decisão da empresa abaixo.
A rede social respondeu também com uma nota pública
que acusava a gravadora de "colocar sua própria ambição acima dos
interesses de seus artistas e compositores" e disse que a plataforma é
"um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos". A
reportagem contatou o TikTok para um posicionamento, que respondeu com o
comunicado já divulgado. Leia mais dele abaixo.
O anúncio parece ter pouco impacto para quem não
utiliza a plataforma no dia a dia, mas é fato que o TikTok teve uma enorme
expressão na indústria da música nos últimos anos. Pare para pensar: quantas
músicas mais curtas e com refrões rápidos você viu sendo lançadas depois da
popularização da rede social? Quantos artistas já viu fazendo
"dancinhas"? E quantas canções antigas você voltou a ouvir após elas
terem "viralizado" na plataforma?
A Universal Music se manteve firme após o anúncio
da decisão. Na conta de Taylor Swift, a aba que continha as faixas da artista
aparece com um aviso de "música indisponível". Um vídeo com 12
milhões de visualizações em que Anitta ensina a dança de Mil Veces foi
silenciado.
As exclusões começaram a ser feitas na última
quinta, 1º, dia que marcou o fim do contrato da gravadora com o TikTok, e
repercutiram com força na imprensa internacional. O New York Times chegou a
classificar a ausência das faixas "como se Madonna tivesse um clipe
excluído da MTV nos anos 1980".
O anúncio representa um embate para artistas que
envolve a compensação pelas canções e a divulgação das faixas. A mudança pode
ser sentida negativamente até para a rede, que tem a música como ponto
principal. O Estadão conversou com especialistas em direito autoral e
distribuição musical para esclarecer o impacto e o que deve mudar para
cantores, compositores e para a plataforma a partir de agora.
TikTok não é Spotify
Para começar a compreender como se dá a compensação
dos artistas no TikTok é preciso entender que, apesar de conter músicas, a rede
não funciona da mesma forma que plataformas de streaming como Spotify, Deezer e
Apple Music. Daniel Campello, advogado de direito autoral com doutorado sobre
plataformas de música, explica que, conforme a lei de direitos autorais no
Brasil, o pagamento é proporcional à importância da música para o usuário
Segundo ele, a compensação do streaming começou a
ser desenhada com o surgimento do iTunes. "O Steve Jobs participou
pessoalmente na questão da definição de preço no iTunes. Depois, as gravadoras
acabaram impondo que elas fossem sócias de plataformas como Spotify", diz.
O advogado pontua que, apesar de ser um ponto
importante para o TikTok, a música tocada na rede não paga a mesma quantia de
outras plataformas de streaming. "O consumo de música é muito importante
para a plataforma, mas certamente a compensação não vai ser no mesmo patamar
[do que o Spotify, por exemplo], de acordo com as leis de direito autoral do
Brasil e ao redor do mundo", comenta.
O produtor Vitor Cunha, CEO da distribuidora
independente Magroove, aponta que o valor depende de negociações entre cada
plataforma e gravadora. "Os valores podem ser diferentes até entre
similares como Spotify, Deezer e Apple Music. Cada um apresenta um esquema de
remuneração diferente que deve ser levado em conta na hora de disponibilizar um
catálogo", diz.
Ele explica que o TikTok, ao contrário de
plataformas de streaming, atua mais como "um canal de descoberta".
"Se estivéssemos falando de uma plataforma de streaming, como Spotify, [o
anúncio da exclusão] seria sim bem mais problemático [...] [O TikTok] não é um
canal de receita expressivo para o artista e gravadora", avalia.
Artistas dependem do TikTok para divulgar músicas?
Enquanto a Universal Music pautou a decisão na
compensação da plataforma, o TikTok respondeu alegando ser "um meio
gratuito de promoção e descoberta de seus talentos". A afirmação divide
especialistas: enquanto Daniel Campello enxerga um prejuízo para a divulgação
das músicas, Vitor Cunha acredita que o cenário musical esteja mais
"pulverizado".
O advogado dá como exemplo Anitta, que assinou um
contrato com a gravadora recentemente. Em 2022, a cantora fez história ao se
tornar a primeira artista latina a alcançar o Top 1 do Spotify Global. Ela
conseguiu o feito com Envolver, faixa que contou com uma "ajudinha"
de um desafio de dança criado no TikTok.
Para ele, o estilo da cantora, funk, deve ser um
dos mais impactados com a mudança. "Como o lançamento de uma música do
gênero dela vai sobreviver sem o TikTok?", questiona.
Cunha, por outro lado, julga que o papel da rede de
vídeos pode ser cumprido por outras redes sociais. O produtor avalia que a
internet, hoje, tem realmente o mesmo impacto na divulgação de músicas do que
era a MTV nos anos 1980, mas afirma que o mercado musical "está mais
pulverizado".
"A promoção acontece pelo TikTok, mas também
no Instagram, Youtube, Facebook, Twitter", diz. "A plataforma é um
canal importante, mas certamente não tão hegemônico quanto a MTV dos anos
1980."
O anúncio dividiu artistas até da própria
gravadora. O cantor Yungblud, que se apresentou no Brasil em 2023 durante o
Lollapalooza, foi duro e avaliou a mudança como "idiota". "É a
mesma m*** de sempre: duas companhias enormes decidindo o que acontece com a
arte das pessoas. [...] Tudo pode ser tirado ao apertar um botão. No final das
contas, é um grande lembrete para mim e outros artistas de que as coisas que
você cria não devem ficar ‘em dívida’ com grandes empresas de tecnologia",
declarou em um vídeo no TikTok.
Já o produtor Metro Boomin apontou um impacto que a
rede possui na composição de novos lançamentos. "Adoro a criatividade e o
apreço que as crianças demonstram pela música no TikTok, mas não gosto da
bajulação forçada de artistas e gravadoras que resulta nesses discos sem vida e
sem alma", escreveu em uma publicação no X, antigo Twitter.
Outras gravadoras tomarão a mesma decisão?
Cunha diz que não há como prever o comportamento de
outras gravadoras após a decisão da Universal Music. Ele, porém, acredita que a
mudança "certamente abre uma discussão na indústria e pode acender um
alerta para outras redes sociais".
Já Campello julga que a exclusão ficará restrita à
Universal, mas também avalia que ela abrirá discussões para o mercado musical.
O advogado frisa que a música "é subavaliada em relação ao seu valor no
mundo", porém afirma que o modelo de negócio mudou com o surgimento da
internet.
"O papel do direito autoral é remunerar os
criadores, os artistas, dar a eles uma condição de vida", pontua.
"Agora, quando há uma fronteira disruptiva que muda completamente o modelo
de negócio, acho que as partes precisam ser mais compreensivas."
Ele cita como exemplo o surgimento do Spotify e as
negociações das gravadoras com serviços de streaming. "Imagina só se o
mercado da música tivesse decidido, lá atrás, que as gravadoras não seriam
sócias do Spotify e não existisse Spotify. A gente não teria a indústria da
música", diz.
Segundo Campello, o mercado musical é formado
"80%, 90% pelo streaming", que alterou completamente a matriz de
preço. "Se antes você pagava US$ 20 para ter um disco, hoje você paga US$
2 para ter [acesso a] milhões de músicas", comenta.
O que diz a Universal Music
Em carta aberta publicada no último dia 30, a
Universal Music escreveu que o principal objetivo da gravadora é "ajudar
nossos artistas e compositores a atingirem seu maior potencial criativo e
comercial" por meio de parcerias. Dentre os parceiros da empresa, está o
TikTok, que, segundo a nota, teve o sucesso construído "em grande parte
com base na música criada pelos nossos artistas e compositores".
"Seus executivos seniores afirmam publicamente
com orgulho que ‘a música está no centro da experiência do TikTok’ e nossa
análise confirma que a maior parte do conteúdo do TikTok contém música, mais do
que qualquer outra grande plataforma social", prosseguiu.
Para renovar o contrato com a rede social, a
gravadora disse ter exigido uma "compensação adequada aos artistas",
"proteção de artistas contra os efeitos nocivos da IA" e
"segurança online para usuários do TikTok". As conversas entre as
empresas, porém, não chegaram a acordos julgados como satisfatórios para a
Universal Music.
"Com relação à questão da remuneração de
artistas e compositores, o TikTok propôs pagar aos nossos artistas e
compositores uma taxa que é uma fração da taxa que as principais plataformas
sociais em situação semelhante pagam", afirmou. Conforme a nota, a rede de
vídeos representa apenas 1% da receita total da gravadora.
Na sequência, a Universal acusou a plataforma de
tentar "construir um negócio baseado na música, sem pagar um valor justo
pela música", além de não fazer esforços para barrar o crescimento de
conteúdo gerado por inteligência artificial. A empresa ainda criticou o
posicionamento da rede em relação a discursos de ódio, intolerância e assédio.
"À medida que as nossas negociações
continuavam, o TikTok tentou nos intimidar para que aceitássemos um acordo de
valor inferior ao anterior, muito inferior ao valor justo de mercado e que não
refletia o seu crescimento exponencial", afirmou. A gravadora acusou a
plataforma de tentar intimidá-la retirando músicas de "artistas em
desenvolvimento" após as tentativas de acordo.
A Universal reconheceu o impacto da decisão para
artistas e fãs, mas disse priorizar a responsabilidade de lutar por um acordo
que priorize a compensação dos cantores e compositores. "Honramos nossas
responsabilidades com a maior seriedade. A intimidação e as ameaças nunca nos
farão fugir dessas responsabilidades", finalizou.
O que diz o TikTok
No mesmo dia, o TikTok divulgou também uma nota
pública em que avaliava como "triste e frustrante que a Universal Music
Group tenha colocado sua própria ambição acima dos interesses de seus artistas
e compositores". A plataforma ainda acusou a gravadora de criar uma
"falsa narrativa".
"O fato é que eles optaram por deixar de ter o
poderoso apoio de uma plataforma com mais de um bilhão de usuários que serve
como um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos",
escreveu.
Por fim, a rede alegou que "tem firmado
acordos que colocam os artistas em primeiro lugar com todas as outras
gravadoras e distribuidoras". "Claramente, as ações em benefício
próprio da Universal não são do melhor interesse dos artistas, compositores e
fãs", disse.