Com a taxa Selic adentrando em 2023 no patamar de 13,75% e a aposta do mercado de que ela prossiga nos dois dígitos durante boa parte do ano, o investimento em renda fixa, assim como em 2022, deve voltar a se destacar nas carteiras dos investidores.
Títulos públicos, bancários e emitidos por grandes empresas do tipo pós-fixado, que acompanham o rendimento entregue pela taxa básica de juros, e os indexados à inflação, que oferecem uma taxa prefixada mais a variação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), estão entre os mais recomendados por especialistas de mercado frente ao cenário de incerteza econômica e política esperado à frente.
Já em relação à Bolsa de Valores e os investimentos no exterior, a avaliação é a de que se tratam de alternativas que não devem ser completamente descartadas dentro de um portfólio de investimento bem diversificado, embora necessitem de uma atenção maior na hora de fazer a seleção dos melhores cavalos para atravessar um ano que promete ser de volatilidade acentuada nos mercados globais.
"2022 está sendo um ano forte para a renda fixa, e a expectativa para o ano que vem é que essa tendência continue. Considerando as projeções do mercado para 2023, não tem como não falar que não será de novo marcado como um cenário bom para a renda fixa", diz Renato Ramos, sócio e diretor de renda fixa da gestora Empírica Investimentos.
"Em 2023 devemos ter um cenário parecido com esse, com a renda fixa novamente como destaque, ainda que talvez em um volume menor", afirma Erick Scott Hood, executivo responsável pela área de produtos e portfólios do Inter.
Ramos, da Empírica, lembra que a mudança de governo e as definições em andamento acerca da política fiscal a partir de 2023 devem manter um grau de incerteza elevado nos mercados, com novos aumentos nas expectativas de inflação não podendo ser descartadas.
A pressão inflacionária persistente, por sua vez, deve dificultar o trabalho do BC (Banco Central) de iniciar a redução dos juros, afirma Ramos. No relatório Focus, os economistas consultados pelo BC preveem a taxa Selic em 12,50% no final de dezembro de 2023.
As sinalizações de expansão dos gastos públicos pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não apenas dificultaram uma queda da Selic, como colocou no radar de parte dos investidores a possibilidade de novos aumentos de juros serem necessários para controlar a trajetória da dívida.
"As taxas esperadas pelo mercado são o ponto de partida para os rendimentos dos títulos de renda fixa. Sendo assim, esperamos mais um ano de protagonismo da classe [de renda fixa], com retornos elevados", os analistas da XP Investimentos, que projetam a taxa Selic estável em 13,75% até o final de 2023.
O diretor da Empírica acrescenta que, no cenário global, os países desenvolvidos seguirão em sua batalha para domar os preços em níveis historicamente elevados, com uma possível contaminação ao Brasil por meio de uma espécie de inflação importada.
Segundo Ramos, nesse cenário, os títulos pós-fixados, que têm por característica a alta liquidez e uma volatilidade menor que que a média, representam a melhor alternativa para o dinheiro que o investidor quer manter tendo como foco o curto prazo, para fazer frente às contas do dia a dia ou eventuais emergências.
Já se a intenção é manter os recursos aplicados por um pouco mais de tempo, o diretor da Empírica recomenda os títulos indexados à inflação, que oferecem um retorno real na casa dos 6% ao ano e uma proteção frente ao risco de aumento dos preços por causa das incertezas econômicas e fiscais nos próximos anos.
Na mesma linha, Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, afirmou que, frente às incertezas no atual cenário de transição, recomenda a alocação em renda fixa distribuída principalmente entre pós fixados atrelados ao CDI e indexados à inflação.
"As taxas dos títulos NTN-Bs [indeados à inflação] acima de 6% estão em patamar bastante elevado, já refletindo o cenário de maior risco, além de oferecer proteção contra uma inflação mais persistente", diz a especialista, acrescentando que títulos de crédito privado de empresas sólidas e com isenção de IR (Imposto de Renda) também são boas opções para compor a carteira.
Hood afirma que, em uma primeira alocação na renda fixa, os investidores de perfil mais conservador costumam buscar opções como os títulos públicos do Tesouro Direto e os CDBs de grandes instituições financeiras cobertos pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito).
Para aqueles de perfil já um pouco mais arrojado, títulos de crédito privado podem trazer um retorno adicional em torno de 0,50 ponto percentual na comparação com os prêmios dos títulos no Tesouro, a depender das características específicas de cada operação, diz o executivo do Inter. "O investidor nunca pode entrar em uma emissão de crédito privado para ganhar menos do que no Tesouro."
Bolsa exige cautela, mas não deve ser esquecida, defendem especialistas Em relação ao investimento em ações, a avaliação majoritária dos especialistas é que a Bolsa deve seguir ainda sob intensa volatilidade, em um cenário de juros altos que seguirá pressionando o valor justo das ações. Em 2022, o índice Ibovespa acumulou alta de 4,69%.
Destinar uma parte menor da carteira às ações é importante para se obter uma boa diversificação dos investimentos, até para o investidor não correr o risco de perder algum movimento inesperado de forte e rápida recuperação dos mercados, afirma Hood. "Sempre defendemos a diversificação, mas claro que dando mais espaço para a classe de ativo que deve ter uma performance melhor, que agora é a renda fixa."
O banco tem uma projeção de 118 mil para o Ibovespa em dezembro de 2023, o que implica um potencial de valorização de 6% em relação ao fechamento de 2022.
O Inter avalia que, para o ano que vem, as expectativas positivas seguem voltadas para setores mais defensivos e que devem ser menos afetados pelo ambiente de juros altos, como energia elétrica e saneamento (utilities), bancos e seguradoras.
Um pouco mais otimistas, a equipe de analistas da XP projeta o Ibovespa aos 125 mil pontos ao final do próximo ano, o que corresponde a uma alta de 14%.
Entre as preferências na Bolsa, os analistas da XP citam as exportadoras de commodities, em especial o setor de petróleo e gás.
"Seguimos otimistas com os preços de petróleo e gás. Acreditamos que estamos em um 'bull market' [mercado de alta prolongada] de alguns anos, em sua essência causado por anos de subinvestimento no setor", apontam os analistas da XP, que indicam as ações da PetroRio na carteira recomendada de ações para dezembro.
Apesar do cenário global desafiador, analistas defendem alocação em ativos no exterior Os especialistas assinalam ainda que, apesar de 2023 se desenhar como um ano de desafios no cenário internacional, com a alta de juros pelos bancos centrais trazendo a reboque o risco de uma recessão, o investimento em dólar ou em ativos no exterior deve fazer parte do planejamento dos investidores.
Hood, do Inter, afirma que, independentemente do quadro nos mercados globais, a indicação passada aos clientes é a de que sempre tenham algum pedaço do portfólio entre 5% e 10% destinado ao exterior, seja via alocação direta em dólar ou por meio de fundos de investimento em ações globais. "Defendemos a diversificação da carteira não apenas no mercado local, como também geograficamente, até como forma de proteção", afirma.
Os analistas da XP dizem ainda que identificar o momento exato para entrar e sair do mercado de ações é quase impossível, e que, estando fora, o investidor corre o risco de perder parte relevante da rentabilidade.
"Aqueles que acreditam na recuperação do mercado ganham por continuar investidos, já que períodos de queda consolidam alguns dos principais dias para a recuperação. Quem não ganha dinheiro é quem não está investido ou tenta acertar o tempo do mercado, com chances de errar tanto o ponto de entrada quanto o de saída."