Foto: Jose Cruz/Agência Brasil
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm mantido os
trabalhos em períodos de recesso, em uma tendência cada vez mais consolidada
que lhes permite manter o controle sobre processos e diminuir o poder
concentrado no presidente da corte.
O plantão no recesso compete à presidência e tem sido
dividido. O presidente, Luís Roberto Barroso, atuou de 20 a 31 de dezembro de
2024 e voltará a despachar entre 20 e 31 deste mês. O vice, Edson Fachin,
assumiu no dia 1º e continua até domingo, 19 de janeiro. Mas eles não são os
únicos na ativa.
A maioria manteve atividades neste período. No total,
contando os plantonistas, ao menos 8 dos 11 magistrados seguiram trabalhando:
além de Barroso e Fachin, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Dias Toffoli,
Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Os dois últimos se dedicam a processos específicos. Dino atua
nas ações relacionadas às emendas parlamentares e aos incêndios na Amazônia e
no Pantanal, enquanto Zanin decide nos casos das investigações sobre venda de
decisões judiciais.
Medidas importantes foram tomadas. Moraes soltou e depois
mandou prender o ex-deputado Daniel Silveira e, nos últimos dias, encarregou-se
da análise do pedido de Jair Bolsonaro (PL) para ir à posse de Donald Trump nos
EUA. Rejeitou a solicitação do ex-presidente nesta quinta-feira (16).
Dino acionou a Polícia Federal para apurar irregularidades na
liberação de emendas, e Mendonça barrou atos que permitiriam a bets atuar no
país por meio de licença do Rio de Janeiro.
Em nota, o STF diz que há anos os ministros têm trabalhado no
recesso e, mais recentemente, ferramentas tecnológicas têm permitido a eles
despachar de onde estiverem. Também afirma que os magistrados não recebem um
adicional pela manutenção das atividades.
Advogados e professores de direito ouvidos pela reportagem
classificam essa tendência de ministros do Supremo dispensarem a folga como
algo que veio para ficar e que pode impactar as dinâmicas de poder na corte.
Georges Abboud, advogado e professor do IDP, diz que isso
ocorre pelo menos 2021, quando Luiz Fux presidia a corte. E, embora seja cedo
para considerá-la cristalizada, a tendência tem se consolidado ano a ano, com
adesões crescentes, até de ministros recém-nomeados, diz.
Segundo ele, um dos motivos para esse fenômeno pode derivar
de conflito de decisões, em que um ministro concede uma liminar e o presidente
cassa a medida em seguida. Manter os gabinetes ativos seria uma salvaguarda
para os próprios relatores analisarem os pedidos.
Em 2018, um dia antes do recesso, o ministro Marco Aurélio
suspendeu a possibilidade de prender condenados em segunda instância antes do
trânsito em julgado e mandou soltar todas as pessoas nessas circunstâncias, uma
decisão poderia beneficiar Lula à época.
O magistrado submeteu a decisão ao plenário da corte,
declarando-se habilitado para relatar o processo e votar, mas apenas no ano
seguinte, na abertura do primeiro semestre judiciário de 2019. Toffoli, então
presidente, suspendeu os efeitos da medida.
Em 2020, o mesmo Toffoli, no exercício da presidência, fixou
prazo para a implementação da figura do juiz das garantias. Dias depois, Fux,
então vice e relator dos processos sobre o assunto, revogou a liminar e
suspendeu a criação do juiz das garantias por tempo indeterminado.
"Há um esvaziamento do poder da presidência", mas
essa não é "uma dinâmica perniciosa para a corte", continua Abboud.
Pelo contrário, diz ele, porque ela impede uma "guerra de liminares"
e permite que o pedido seja examinado exatamente por quem o faria fora do
recesso.
Doutor em direito constitucional pela USP, o advogado e
professor Wagner Gundim diz que a questão tem a ver com consolidação de poder.
"Você vai perceber, inclusive, que o poder circula nesses grandes
nichos", diz ele, apontando Gilmar Mendes e Moraes como polos nesse
sentido.
Para evitar que colegas despachem em casos dos quais são
relatores, ministros renunciam à folga. "Não é nem por satisfação pessoal.
É mais por uma questão de distribuição de poder", afirma o advogado.
"Eles fazem isso para tentar manter o poder nas próprias mãos."
Sob outra ótica, o professor de direito constitucional da
PUC-SP Marcelo Figueiredo diz que o STF acumulou muitas competências ao longo
dos anos, resultando em um aumento do volume processual. Seguir trabalhando
serviria, portanto, para limar o acervo.
"O recesso é para advogados e pessoas da Justiça
descansarem e tomarem fôlego para voltarem a trabalhar com mais energia. Mas
não há como fazer isso, porque mesmo com toda assessoria que os ministros têm,
o volume de processos ainda é muito grande," diz.
Além disso, afirma o professor, como não há prazos no Supremo
para o ministro liberar o voto (a não ser quando há um pedido de vista ou uma
situação mais específica), "quanto mais cedo ele diminuir o volume de
processos que tem para julgar, melhor".
Por Bahia Notícias