Mês de
dezembro acumula quase metade dos casos de Burnout registrados na Bahia no
último ano Crédito: Shutterstock
Sensação
contínua de cansaço, insatisfação profissional e ansiedade relacionada ao
trabalho são sinais de alerta para a síndrome de Burnout, condição ligada ao
esgotamento físico e emocional por acúmulo de demandas laborais. Em 2023, a
Bahia registrou 52 casos do tipo, sendo que 25 foram computados somente em
dezembro, de acordos com dados do DataSUS, plataforma do Ministério da Saúde.
Para o psiquiatra Antonio Freire, o último mês do ano favorece o aumento do
quadro por ser um período mais corrido.
“No final do
ano, muitas empresas intensificam as atividades para cumprir metas e prazos,
resultando em sobrecarga de trabalho e aumento do estresse entre os
funcionários. As festividades de fim de ano podem gerar expectativas sociais e
pessoais adicionais, contribuindo para o esgotamento emocional”, aponta o
especialista.
Sendo o
Burnout uma condição que se caracteriza sobretudo pela alta carga emocional, as
tarefas de fim de ano acabam influenciando as dimensões principais da síndrome.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a primeira dessas dimensões é a
exaustão emocional, que consiste na sensação de cansaço extremo, falta de
energia e esgotamento físico e mental, mesmo após períodos de descanso.
A segunda
dimensão é a despersonalização ou cinismo, que é quando há desenvolvimento de
atitudes negativas, cínicas ou indiferentes em relação ao trabalho, colegas ou
clientes, muitas vezes acompanhado de distanciamento emocional. Por fim, a
última dimensão é redução da satisfação pessoal, que vem acompanhada do
sentimento de incompetência, baixa autoestima e insatisfação com as próprias
realizações profissionais.
O psiquiatra
Antonio Freire lembra que é no final do ano que surgem as reflexões sobre
conquistas e objetivos não alcançados, que são inclusive incentivadas pelas
redes sociais. No Instagram, por exemplo, são poucas as pessoas que ainda não
se depararam com a trend “Como eu poderia ser triste em 2024 se eu...”, que tem
estimulado internautas a postarem os grandes feitos realizados durante o ano. O
especialista esclarece que, ao refletir sobre o que não foi feito, as pessoas
podem ser levadas a sentimentos de frustração e desânimo, exacerbando sintomas
de Burnout.
Outro fator
para o maior número de casos em dezembro é o cansaço acumulado que bate na
porta no último mês do ano. Aliado a isso, a redução da disponibilidade de
serviços de saúde acaba dificultando o acesso a apoio profissional e agravando
sintomas existentes. “É importante que indivíduos e organizações estejam
atentos a esses fatores e adotem medidas preventivas para minimizar o risco de
Burnout, especialmente no período de fim de ano”, alerta o psiquiatra.
É
realmente possível prevenir?
O primeiro
passo para prevenir a síndrome de Burnout é entender o problema para ficar
atento aos sinais. Como é uma condição ligada intrinsicamente ao trabalho, já
que surge como uma resposta prolongada e inadequada ao estresse crônico no
ambiente laboral, é preciso ficar atento e identificar os possíveis problemas
na rotina profissional que possa desencadear o quadro.
A
recomendação do psiquiatra Antonio Freire é de que sejam adotadas estratégias
pessoais e organizacionais que reduzam os fatores de risco e promovam o
bem-estar. Ele ressalta que a prevenção envolve tanto mudanças no estilo de
vida quanto melhorias no ambiente de trabalho.
“Separe o
tempo de trabalho do tempo de vida pessoal, evite levar tarefas para casa ou
trabalhar fora do horário estabelecido. Priorize uma rotina de sono adequada.
Pratique atividades físicas regularmente para aliviar o estresse. Mantenha uma
dieta equilibrada. Experimente meditação, yoga ou exercícios de respiração.
Estabeleça prioridades e metas realistas. Dialogue com gestores sobre
sobrecarga de trabalho ou prazos irrealistas. Incentive uma cultura de apoio e
respeito entre os colegas de trabalho”, aconselha.
Diagnóstico
Outra
orientação de prevenção é a busca de ajuda psicológica para aprender a lidar
com o estresse. Essa recomendação também é a etapa fundamental do diagnóstico,
que deve ser feito sempre por um profissional de saúde, com base em uma
avaliação clínica detalhada.
“Não há um
exame laboratorial específico para diagnosticar o Burnout, mas o processo
inclui a identificação de sintomas, análise do histórico do paciente e exclusão
de outras condições que possam estar causando os sintomas. Alguns questionários
e instrumentos de avaliação podem ser utilizados para auxiliar no diagnóstico”,
pontua Antonio Freire.
No caso do
produtor Valdenio Silva, 33 anos, o diagnóstico só ocorreu após um mês de
diversas entradas na emergência. Ele conta que tudo começou com quadros de
pressão alta, enjoos, visão turva e pensamentos depressivos. “A primeira vez
que eu passei mal foi em abril. Eu senti enjoo, estava sem vontade de sair de
casa e de viver. Sentia um cansaço que parecia eterno e qualquer barulho me
incomodava. Para mim, aquilo era uma dificuldade porque eu trabalhava com som
alto, festas e shows”, relata.
Valdenio foi
à uma unidade de pronto atendimento, onde foi medicado, e voltou para casa sem
os sintomas. No entanto, quando estava a caminho do trabalho, sentiu
formigamento nas mãos e enfrentou uma crise de ansiedade que, a partir daquele
episódio, se tornou corriqueira quando se tratava de assuntos laborais. Ele foi
tantas vezes na emergência que perdeu a conta até o dia em que uma médica
resolveu encaminhá-lo para atendimento com um psicólogo e um psiquiatra.
“Ela me
disse que meu problema não era físico e que eu estava com quadro depressivo. Eu
me sinto uma pessoa muito forte e não quis acreditar que essa era a minha
situação. Então, marquei uma consulta clínica e lá ela me requisitou diversos
tipos de exames e me perguntou sobre minha vida profissional. Foi quando eu
disse que eu tinha uma empresa de eventos que ainda estava no começo e que
trabalhava como CLT de segunda a sábado. Contei que nos finais de semana eu me
dedicava a meu negócio”, detalha Valdenio.
Ao descrever
as rotinas de horários irregulares de sono, excesso de demandas, falta de tempo
para descanso e agitação constante, Valdenio ouviu da médica a suspeita de
Burnout. Ela disse que ele estava com quadro de esgotamento mental e físico,
que se refletia na baixa de vitaminas no organismo. Depois do diagnóstico, ele
passou a tomar suplementos vitamínicos e saiu do emprego de segunda a sábado.
“Eu parei de
fazer atividades noturnas, saí do trabalho que me cobrava muito e fazia com que
eu me cobrasse também, e passei uns dias fora descansando. Cortei bebida
alcoólica e passei a deixar de tomar café à noite, porque me dava ansiedade.
Mudei bastante minha alimentação e adequei meu horário de sono. Minha a vida
voltou a ser corrida, mas hoje eu prezo muito o meu descanso. Se eu perder uma
noite hoje, amanhã tiro o dia para descansar. Além disso, voltei a fazer
atividades físicas. Não estou 100% tratado, mas me sinto bem”, completa.
Tratamento
O tratamento
da síndrome de Burnout é multidimensional e adaptada às necessidades
individuais do paciente. Nem sempre a condição causa uma baixa vitamínica no
organismo, como foi o caso de Valdenio, o que muda a solução para cada quadro.
Segundo o psiquiatra Antonio Freire, na maioria dos casos é necessário aplicar
uma combinação de intervenções.
“O
tratamento combina intervenções psicológicas, médicas e mudanças no estilo de
vida, além de estratégias para melhorar o ambiente de trabalho. O tratamento
deve ser iniciado assim que os sintomas forem identificados, para evitar
complicações como depressão e ansiedade”, frisa.
Na visão do
especialista, essa junção de métodos faz com que seja possível superar o
Burnout e prevenir recaídas. Para tanto, também é imprescindível procurar ajuda
profissional para orientação e suporte ao longo do processo.
Por
Correio24horas