Foto: Rawpick / Freepick
Transparência, segurança,
confiabilidade, proteção da privacidade, dos dados pessoais e do direito
autoral. Tudo isso deve ser abordado juntamente com o respeito à ética, aos
direitos humanos e aos valores democráticos, no PL 2.338/2023 que trata da regulamentação
da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. Especialistas procurados pelo Bahia
Notícias se mostraram favoráveis à regulamentação, sobretudo por conta da
necessidade de trazer segurança e responsabilidade ao uso da ferramenta no
Brasil.
De autoria do presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e relatado pelo senador Eduardo
Gomes (PL-TO), o Projeto de Lei reacende um debate que começou em 2019, e
ganhou força com a abertura de uma Comissão Temporária sobre Inteligência
Artificial no Brasil (CTIA), na Casa, em meados do ano passado. A
discussão também se estende pela Europa e Estados Unidos. Por aqui, uma
das principais preocupações é para que não haja conflitos com a Lei Geral de
Proteção de Dados (LGPD) e para que exista também uma conformidade com a Lei
das Eleições, tema já abordado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A advogada especialista em
Direito Digital e Privacidade de Proteção de Dados, Cristina Rios, pontua que
ter uma lei específica para a Inteligência Artificial no Brasil é importante
para a transparência e a responsabilidade no desenvolvimento e aplicação dos
algoritmos. “Eu vejo com bons olhos a iniciativa de regulamentar a Inteligência
Artificial no Brasil. Que, se for bem elaborada, pode trazer benefícios
substanciais ao garantir o uso ético e responsável da tecnologia, ao mesmo
tempo em que ela vai proteger os direitos individuais”, destacou a advogada.
No entanto, na opinião de
Cristina, a regulamentação deve oferecer diretrizes éticas que assegurem a
equidade e que andem lado a lado com a LGPD. “A compatibilização do projeto de
lei com a Lei Geral de Proteção de Dados é uma preocupação central, considerando
que ambas as legislações tratam de aspectos relacionados à privacidade e ao uso
de dados pessoais. A LGPD estabelece princípios, direitos e deveres para o
tratamento de informações pessoais, enquanto o projeto de lei sobre a IA busca
regulamentar o uso dessa tecnologia, que muitas vezes envolve o processamento
de dados pessoais. Uma das preocupações que devemos ter é garantir que as
disposições da lei estejam alinhadas e não entrem em conflito com os princípios
estabelecidos pela LGPD. Ambas as legislações devem coexistir de maneira a
assegurar a proteção de dados e a privacidade dos indivíduos”, pontuou a
especialista.
De maneira resumida, a IA é um
campo da Ciência da Computação que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento de
máquinas e programas computacionais capazes de reproduzir o comportamento
humano na tomada de decisões e na realização de tarefas, desde as mais simples
até as mais complexas, a exemplo do famoso ChatGPT. Em geral, ferramentas como
essa possuem uma vastidão de dados - sobre os mais diversos assuntos - que são
analisados e trabalhados de maneira digital, a fim de extrair conhecimento útil
à humanidade a partir de um conjunto de informações.
A presidente da Comissão
Especial em Inteligência Artificial da Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tatiane Nogueira, afirmou
que a regulamentação é importante e não é um debate exclusivo do Brasil.
“Estamos indo para uma corrida pela liderança em IA no mundo. Aquele país que
tiver uma regulamentação apropriada com relação ao desenvolvimento da IA, vai
sair na frente. A gente precisa ter aspectos de responsabilização, então se eu
faço um sistema que usa IA para extrair conhecimento dos dados, eu posso ter,
por exemplo Fake News. Se os dados são ruins, a extração vai ser ruim. A gente
brinca que não existe resultado bom com dados ruins. Por isso a regulamentação
é importante para responsabilizar aqueles que desenvolvem IA sem cuidado que
deveriam ter”, afirmou a doutora em Inteligência Artificial.
A especialista destaca que a
regulamentação ainda está em fase de desenvolvimento e que, por isso, ainda
existem algumas questões que precisam ser bem avaliadas, uma vez que ela
interfere no setor jurídico e tecnológico que, teoricamente, são distintos. “Por
exemplo, se você faz um Projeto de Lei só com o aspecto jurídico, você perde um
pouco do aspecto tecnológico. Se você faz uma regulamentação só com aspecto
tecnológico, você perde um pouco do aspecto jurídico. Então, por isso que nesse
processo a gente tem muitas comunidades, comissões e associações envolvidas
para que a gente possa evitar danos futuros ocasionados pela regulamentação”,
pontuou a presidente da Comissão Especial em IA da SBC.
IA NAS
ELEIÇÕES
Na última sexta-feira (19), o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que espera aprovar a regulamentação da IA até
o meio do ano, ou seja, antes das eleições que começam em outubro.
Especialistas brasileiros e estrangeiros temem que a tecnologia seja usada, em
diferentes países, para forjar gravações e imagens que possam enganar o
eleitorado. O tema, inclusive, foi um dos focos do encontro anual do Fórum
Econômico Mundial encerrado também no dia 19. Na semana passada, o TSE realizou audiências públicas para discutir
regras que valerão para as eleições municipais de outubro. Na
opinião de Cristina, a implementação de uma legislação específica para o uso da
IA no âmbito das eleições, com foco em evitar a desinformação, é fundamental
para preservar a integridade do processo democrático.
“Ao combater a desinformação, a legislação
vai incentivar uma participação mais informada dos eleitores e isso é
importante para que as escolhas sejam feitas nas urnas, elas reflitam
verdadeiramente a vontade da população, além da redução de manipulação e
influência indevida. Também deve haver uma proteção da reputação dos
candidatos, já que haveria garantias de que informações falsas não seriam
usadas para prejudicar candidatos. Também será possível fomentar a
transparência, pois regras claras sobre a divulgação de informações e fontes
podem aumentar a transparência durante o período eleitoral. E, por fim, eu acho
que isso também ajuda a fortalecer a confiança na democracia, pois ao reduzir a
desinformação, a legislação vai contribuir para o fortalecimento da confiança
dos cidadãos no sistema democrático. No entanto, é importante mais uma vez
encontrar o equilíbrio entre a regulamentação e a liberdade de expressão”,
declarou a advogada.
Doutor em Ciências Sociais, especialista em
Direito Eleitoral e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal
da Bahia (Ufba), Jaime Barreiros vê com bons olhos a regulamentação,
principalmente na área eleitoral. Ele pontua que o Direito Eleitoral busca
preservar a legitimidade da democracia e cita que a própria Lei das Eleições
(n° 9.504/07) autoriza a Justiça Eleitoral a fazer essa regulamentação.
“A legitimidade passa pela possibilidade do
eleitor formar suas convicções com liberdade. Então a partir do momento em que
a inteligência artificial e as novas tecnologias podem ser utilizadas de forma
a enganar um eleitor, levar à desinformação, fazer com que o eleitor não tenha
condições de discernir sobre o que é verdade ou que é mentira, algum tipo de
providência tem que ser tomada. Então, nesse sentido, é a própria lei 9.504,
que é uma lei federal, autoriza a Justiça Eleitoral a fazer essa regulamentação”,
afirma Jaime Barreiros.
RISCO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO?
No entanto, o especialista pondera que
apesar da regulamentação dar um parâmetro do que pode ou não ser feito, a
própria evolução tecnológica torna imprevisível saber até que ponto exatamente
a tecnologia pode atuar, uma vez que a regulamentação é aberta. “No que está se
propondo, pode existir um espaço aí para interpretações indesejadas. Então isso
pode ser ruim a partir, por exemplo, do momento em que a resolução diz que
qualquer uso de Inteligência Artificial poderá ser objeto, eventualmente, de
uma ação da Justiça Eleitoral, e poderá ser proibido ou combatido. Existe uma
margem de interpretação que pode ser perigosa”, afirmou o professor da Ufba.
Jaime Barreiros ainda destacou acreditar que
a existência de uma regulamentação prévia e objetiva não viola a liberdade de
expressão, do contrário vem para garantir que ela exista. Na opinião dele, a
verdadeira ameaça à liberdade de expressão é justamente quando não há lei
alguma que aborde esse tema de maneira ao invés de transferir essa
responsabilidade para a decisão de um juiz, por exemplo.
“A partir do momento em que você tem uma
regulamentação prévia dizendo, exatamente, qual é o limite do uso dessa
tecnologia, eu vejo como uma vantagem. É melhor que a gente já tenha uma
previsibilidade do que tenha um poder amplo para decidir sobre qualquer coisa,
sem que exista um parâmetro. Então a regulamentação não viola, ao meu ver, a
liberdade de expressão. Até porque o parâmetro que está se buscando, não é para
controlar conteúdo, por exemplo. O que está se buscando é justamente que essa
ferramenta não seja utilizada de uma forma a desinformar, a manipular o
processo de formação das opiniões do cidadão”, destacou o especialista em
Direito Eleitoral, pontuando que, se não houvesse nenhuma regulamentação,
abriria-se o precedente para que “um juiz eleitoral ou alguma autoridade
pudesse tomar uma decisão que possa ameaçar a liberdade”.