Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal afirmam haver indícios
de que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), tenha usado parte
do salário de um funcionário fantasma na Câmara Municipal para pagar, em
esquema de "rachadinha", parcelas de um carro negociado no final de
2016.
A suspeita é narrada na decisão do ministro Raul Araújo, do STJ
(Superior Tribunal de Justiça), que autorizou buscas e apreensões na última
quarta-feira (20) contra o irmão de criação de Castro, Vinícius Sarciá Rocha, e
outras duas pessoas investigadas por envolvimento em esquemas de corrupção.
A reportagem obteve acesso à íntegra do documento.
Em nota, o Governo do Rio disse que as informações são "infundadas,
velhas e requentadas", que não há nenhum fato novo desde o início das
investigações, em 2019, e que causa "estranheza e profunda
indignação" a operação da última quarta, já que o caso se resumiria a uma
delação criminosa de um réu confesso (leia a íntegra da nota ao final desta
reportagem).
Segundo a PF e o MPF, o empresário Marcus Vinícius Azevedo da Silva
havia se movimentado no fim de 2016, após a eleição de Castro para vereador,
para ajudá-lo a "adquirir um carro".
Os investigadores tiveram acesso a mensagens que mostram Marcus Vinicius
negociando com o dono de uma revendedora a compra de um modelo Tracker. O
pagamento, segundo o acordo, demandaria R$ 20 mil de entrada e outras nove
parcelas de R$ 7.500.
Na semana seguinte, Marcus Vinícius enviou mensagens para seu suposto
operador financeiro pedindo a emissão de "9 cheques vencendo a partir de
20 de janeiro". "Compra do carro do Cláudio, ele nos ressarce",
escreveu o empresário.
Em 24 de março de 2017, Marcus Vinicius foi cedido ao gabinete de
Cláudio Castro na Câmara Municipal. Conversas mantidas entre o empresário e o
irmão de criação do atual governador mostram, segundo a PF, "indicativo da
ausência de efetiva prestação de serviços [de Marcus no gabinete] e da
utilização do salário para quitação da dívida originária da aquisição do
veículo".
"Seu contracheque deve estar lá", escreveu Sarciá para Marcus.
"Você quer que eu abra e te mande foto? [...] Posso ver o valor e
depositar só o restante?", completou. "Veja primeiro com Cláudio se o
valor da Câmara não é pro Fred… se não for mesmo, pode abater sim",
respondeu Marcus.
A PF conseguiu indicações de que Marcus Vinícius não trabalhava
efetivamente na Câmara e pedia para Sarciá, irmão de Castro, para fraudar o
registro de presença.
Segundo o ministro Raul Araújo, "tal comportamento, conforme
apontado pela autoridade policial, é indicativo da ausência de efetiva presença
no ambiente de trabalho da Câmara de Vereadores".
Marcus Vinícius Azevedo da Silva fechou acordo de delação premiada com o
Ministério Público Federal em 2020. Ele acertou a colaboração após ser preso na
Operação Catarata, que mirou desvios em projetos sociais tocados pela
Prefeitura do Rio e o governo do estado.
Na delação, o empresário diz que começou a atuar com Cláudio Castro em
2015, quando foi procurado pelo político para ajudá-lo na campanha à Câmara
Municipal em 2016.
Ele afirma que o governador recebeu propina quando era vereador (2017 e
2018) e após se tornar vice-governador de Wilson Witzel, em 2019.
Em sua decisão, o ministro Raul Araújo reproduziu menção do Ministério
Público segundo o qual há indícios de que "a figura do Cláudio Castro
passa de acessória a central no esquema criminoso".
No pedido para as buscas e apreensões do início desta semana, o MPF e a
PF citam pelo menos sete ocasiões com indícios de que Castro tenha recebido
pagamentos ilegais, em dinheiro vivo.
Cinco pagamentos teriam ocorrido durante o mandato de vereador. Eles
somam R$ 146 mil e US$ 20 mil.
A parte em dólar teria sido repassada, segundo a denúncia, durante uma
viagem de Cláudio Castro aos Estados Unidos, em janeiro de 2018.
Na ocasião, Castro enviou mensagem para Marcus Vinícius informando estar
no "Animal Kingdom", parque de diversões localizado na Flórida.
"Só para me programar aqui vê pra mim se vai rolar aquela parada com o
árabe aqui", prosseguiu.
Segundo a PF, o codinome árabe seria uma referência a Flávio Chadud,
empresário também investigado.
Em outro momento, já como vice-governador, Cláudio Castro visitou a sede
da empresa de Chadud, em um shopping do Rio de Janeiro. As conversas trocadas
entre Chadud e interlocutores, segundo a PF, levantam indícios de que o
objetivo da visita era "receber parte do acerto de recursos
liberados".
Segundo a PF, as imagens das câmeras de segurança do shopping mostram
Cláudio Castro chegando ao local às 9h15 de 29 de julho de 2019 com uma
"maleta aparentemente vazia".
Ao sair do local, mais de uma hora depois, "as imagens registram
nítida diferença de volume na maleta, a alicerçar a conclusão pelo provável
recebimento de vantagem indevida por parte de Cláudio Castro [...], informação
que encontra eco nas declarações prestadas pelo colaborador Bruno Selem
[operador de Chadud]", destaca Raul Araújo na decisão.
A decisão que autorizou as buscas e apreensões na última quarta-feira
(20) contra Vinícius Sarciá e outras duas pessoas ocorre no âmbito de
investigações da PF sobre um suposto esquema de corrupção nos projetos de
assistência social Novo Olhar, Rio Cidadão, Agente Social e Qualimóvel, dos
anos 2017 a 2020.
Há suspeita de que os envolvidos teriam cometido peculato, corrupção e
lavagem de dinheiro, além de integrarem organização criminosa.
O governador é alvo de inquérito cuja abertura foi autorizada pelo STJ
em abril deste ano. Os crimes teriam sido praticados na época em que Castro era
vereador e, depois, vice-governador.
Apesar de ser investigado, Castro não foi alvo de buscas nesta fase da
operação. Contudo, o STJ autorizou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e
temático do governador.
A defesa de Marcus Vinícius disse que não pode comentar o caso. A defesa
de Flávio Chadud disse que as acusações "são fantasiosas" e que o
"delator sequer cumpriu os termos do acordo de delação premiada, além de
não ter apresentado uma única prova sequer".
LEIA NA ÍNTEGRA A NOTA DO GOVERNO DO RIO
As informações não passam de acusações infundadas, velhas e requentadas,
muitas delas já exaustivamente publicadas pela própria mídia. Em dezembro de
2016, data na qual teria ocorrido o suposto fato, Cláudio Castro nem tinha
mandato político. Ele tomou posse como vereador apenas em 2017.
Mais uma vez comprova-se que não há nenhum fato novo desde o início das
investigações, que é de 2019. Todos os questionamentos vêm sendo esclarecidos
pela defesa do governador no decorrer desse tempo.
Por isso causa estranheza e profunda indignação a operação deflagrada na
quarta-feira (20/12). As medidas cautelares, executadas quatro anos depois da
abertura da investigação, reforçam o que o governador Cláudio Castro vem
dizendo há anos, ou seja, que não há nada contra ele, nenhuma prova, e que tudo
se resume a uma delação criminosa, de um réu confesso, que vem sendo contestada
judicialmente.
Fica claro, infelizmente, que estamos diante de uma "fishing
expedition" [tentativa de busca aleatória de provas], porque não há
razoabilidade e nem sentido nas buscas e apreensões, tanto tempo depois de
iniciadas as investigações.
Quanto à quebra do sigilo fiscal e telemático, o governador recebe com
tranquilidade a decisão e afirma que todo homem público deve sempre estar à
disposição do crivo das instituições.