Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Depois de
mais de 20 anos de luta pela emancipação, Boa Esperança do Norte (MT) foi
desmembrado das cidades de Nova Ubiratã e Sorriso e se tornará o mais jovem
município do país.
A criação
da cidade foi autorizada após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em
sessão virtual realizada em 6 de outubro. Com isso, tornou-se o 5.569º
município brasileiro e será o caçula das eleições de 2024, quando pela primeira
vez vai eleger prefeito e vereadores.
Com cerca
de 7.000 habitantes, Boa Esperança do Norte tem o agronegócio como principal
pilar de sua economia e há ao menos duas décadas vinha lutando por sua
emancipação. O então distrito fica a 132 km da zona urbana de Sorriso e a 73 km
de Nova Ubiratã.
Na eleição
do ano passado, as duas cidades deram ampla maioria ao ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), cuja votação chegou a 74% no segundo turno em Sorriso e a 60%
em Nova Ubiratã.
Boa
Esperança do Norte chegou a ser emancipada em março de 2000 após a aprovação de
uma lei pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Contudo, naquele mesmo ano,
o Tribunal de Justiça declarou a lei inconstitucional após um mandado de
segurança impetrado pelo município de Nova Ubiratã.
A decisão
foi revertida na última semana, quando o STF julgou uma ADPF (Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pelo MDB e validou por 8 votos a
3 a lei que criou o município.
O relator
da ação, ministro Luís Roberto Barroso, votou contra a emancipação do município
e destacou jurisprudência que aponta para a inexistência de Lei Complementar
Federal que trate do assunto, o que impediria a criação, fusão, incorporação ou
desmembramento de novos municípios.
Mas
prevaleceu no julgamento a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes, para
quem a lei estadual que criou o município em 2000 preencheu todos os requisitos
exigidos pela legislação vigente na época.
Natural do
estado de Mato Grosso, onde sua família atua na política local, Gilmar já teve
posição semelhante ao relatar ações que resultaram na criação de novos
municípios no estado, casos de Ipiranga do Norte e Itanhangá.
Em seu
voto, o ministro argumentou que Tribunal de Justiça de Mato Grosso não poderia
declarar a inconstitucionalidade da criação da cidade por meio de mandado de
segurança e disse que Boa Esperança do Norte reúne condições sociais e
econômicas para se tornar um município.
"A
pretensão de instalação do município de Boa Esperança do Norte não aparenta ser
irrefletida ou motivada pelo mero intuito de aumento da máquina pública para a
criação de novos cargos e a captação de recursos públicos em âmbito
local", afirmou.
O
entendimento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre
de Moraes, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin e Rosa Weber,
que deixou a corte em 30 de setembro.
O pleito de
emancipação foi apoiado pelo município de Sorriso, que deve contribuir com
cerca de 20% do território da nova cidade. Os demais 80% são uma área de 360
mil hectares que pertenciam à cidade de Nova Ubiratã.
Prefeito de
Sorriso, Ari Lafin (PSDB) celebrou a emancipação: "A partir de agora,
Sorriso passa a deixar de nutrir uma relação de mãe e filha com Boa Esperança,
e passa a vivenciar uma relação de cidades irmãs, que seguem se apoiando
mutuamente e crescendo em bloco, junto aos outros municípios da região".
O prefeito
de Nova Ubiratã, Edegar José Bernardi, conhecido como Neninho da Nevada (PRTB),
não fez comentários públicos sobre a emancipação do distrito.
Até então,
a cidade mais jovem do Brasil era Pescaria Brava (SC), que teve a sua
emancipação confirmada em 2012. O município foi criado por uma lei estadual de
2003, que resultou em uma batalha judicial que perdurou por quase uma década. A
cidade elegeu seu primeiro prefeito em 2012.
A
Constituição Federal aprovada em 1988 previa que a criação, a incorporação, a
fusão e o desmembramento de municípios serão feitos por lei estadual.
Cada estado
tinha uma lei própria que definia os critérios para criar novas cidades, o que
levou a um aumento acelerado no número de prefeituras. Uma em cada cinco
cidades brasileiras foi criada após a Constituição de 1988.
Em 1996,
foi aprovada uma emenda à Constituição que condicionou a criação de novas
cidades à aprovação de uma lei federal, que definiria critérios para verificar
a viabilidade do município.
Desde
então, o Congresso aprovou várias normas para regulamentar a questão, mas que
acabaram vetadas pelo Poder Executivo.
O último
veto se deu em 2014, na gestão Dilma Rousseff. Em 2015, a proposta foi
ressuscitada, mas não chegou a ser aprovada pelo Congresso.
Em 2008,
uma nova emenda constitucional convalidou os atos de criação, fusão,
incorporação e desmembramento de municípios cuja lei tivesse sido publicada até
31 de dezembro de 2006, desde que atendidos os demais requisitos estabelecidos
na legislação estadual na época de sua criação.
Desde
então, a emenda regularizou a situação de 63 municípios brasileiros que podiam
ter sua emancipação anulada por terem sido criados em desacordo com a
Constituição.
Entre as
regras previstas estavam a necessidade de a população do novo município e do
que foi desmembrado ser de, pelo menos, 6.000 habitantes no Norte e
Centro-Oeste; 12 mil no Nordeste; e 20 mil no Sul e Sudeste.
Em 2019, o
governo Bolsonaro apresentou um pacote para controlar as despesas públicas que
previa que municípios pequenos sem autonomia financeira podiam ser fundidos a
cidades vizinhas a partir de 2025.
Pela
proposta, cidades com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que
10% da receita total teriam que fundir a estrutura administrativa (prefeitura e
Câmara) com municípios vizinhos.
Na época, a
CNM (Confederação Nacional dos Municípios) estimou que a medida afetaria 1.220
cidades. O pacote, contudo, irritou deputados e senadores e acabou não
prosperando.