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Marcello Casal Jr / Agência Brasil
"Apostas
não são um tipo de lazer; podem fazer mal à saúde e viciar. Os danos associados
às apostas são amplos, afetando não apenas a saúde e o bem-estar de uma pessoa,
mas também suas finanças, relações pessoais, famílias e comunidades, com
consequências para a vida toda e aumentando a desigualdade."
"Governos
e legisladores precisam tratar as apostas como questão de saúde pública, como
já se faz com outros produtos que viciam e fazem mal, como álcool e
tabaco."
A lista
de conclusões e recomendações é longa. Em artigo de 45 páginas publicado nesta
semana, a revista científica Nature mostra um quadro de risco crescente à saúde
pública mundial provocado pelo advento de bets, apostas esportivas e cassinos
digitais.
Segundo a
publicação, que montou um time de especialistas para investigar o problema,
"negligenciado e pouco estudado", cerca de 46,2% dos adultos do
planeta e 17,9% dos adolescentes fizeram alguma aposta no ano passado. A
extrapolação dos dados leva a um universo de 450 milhões de pessoas apostando e
80 milhões apresentando algum tipo de distúrbio relacionado à prática.
A análise
de metadados da investigação, uma iniciativa da própria revista, mostra que,
entre apostadores de cassinos online, 15,8 % dos adultos e 26,4% dos
adolescentes apresentaram alguma modalidade de distúrbio relacionada à
compulsão ao jogo; no caso das apostas esportivas, foram 8,9% dos adultos e
16,3% dos adolescentes.
A
"paisagem epidemiológica", como descrito pela publicação, muda
constantemente. Apostas atingem cada vez mais mulheres e crianças pela simples
razão de que aplicativos e sites de apostas são desenhados para viciá-las; e,
no caso dos menores, ficam evidentes as falhas na fiscalização do acesso.
"O
setor de apostas promove seus produtos e protege seus interesses com práticas
desenhadas para influenciar não apenas o comportamento do consumidor, mas a
narrativa e o processo político em torno da regulação", escreve a revista
em editorial. Como no caso da indústria do cigarro, que por décadas combateu
legislações restritivas ao consumo e à publicidade de seus produtos, o
argumento principal é o de que o direito individual não deveria ser tolhido por
uma política abrangente.
"Nada
disso é novidade, mas em um mundo digitalizado, interconectado e sem fronteiras
como o atual, tal estratégia é uma ameaça crescente à saúde pública."
O
relatório da Nature é minucioso ao demonstrar que a indústria de apostas não
tem um produto comparável a qualquer outro negócio. Não há, por exemplo, limite
físico, que interrompa o consumo, como comida, álcool e cigarro. A oferta
online é 24 horas por dia, sendo o único limite a quantidade de dinheiro que o
apostador consegue empenhar.
Outro
aspecto destacado pela revista é a falta de um preço definido, pois uma sessão
de aposta tem uma estrutura opaca de custo e probabilidades. "Esta
incerteza separa o jogo de qualquer outro tipo de produto", explica o
relatório, que lembra ainda dos designs imersivos de certos aplicativos, em que
o apostador é levado a perder a noção do tempo e da quantidade de dinheiro que
está empenhando.
A Nature
também comenta sobre a assimetria de transparência que existe na relação de
consumo. Enquanto sites absorvem todo tipo de informação, ajustam algoritmos e
marketing, os usuários não têm noção de nada, nem do básico, como o preço.
Além da
análise, o painel montado pela revista faz diversas recomendações, que
contrastam com a realidade de muitos países, incluindo o Brasil, em relação a
apostas.
São elas:
1.
Apostas são um problema de saúde pública, e governos devem priorizar seu
controle a despeito de motivações fiscais;
2. A
regulação em todos países, seja o jogo permitido ou não neles, deve reduzir a
população exposta ao problema, com proibição ou restrição de marketing,
publicidade e patrocínios; oferecer apoio a vítimas do vício; desnaturalizar a
prática da aposta, com campanhas de conscientização;
3. Países
que permitem o jogo precisam de um regulador independente e empoderado, que
garanta proteção à saúde pública, a crianças e adolescentes, consumidores e
implemente limites financeiros aos apostadores;
4.
Reguladores e legisladores precisam estar protegidos da influência da indústria
de aposta e de estudos ou tratamentos patrocinados por ela;
5.
Entidades intergovernamentais e da ONU devem desenvolver estratégias para
combater os efeitos danosas das apostas em nível internacional;
6.
Envolvimento da sociedade civil, acadêmicos e vítimas de distúrbios
relacionados a apostas em uma aliança internacional contra o problema;
7.
Análise em assembleia de uma resolução da Organização Mundial da Saúde que dê a
dimensão devida à questão de saúde provocada pelas apostas.
Por Bahia
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