Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 17 de março de 2022

No  último  domingo, completou-se exatos 30 anos da morte de Irmã Dulce. Uma semana antes, porém, se espalhava a  notícia  de  que  o  grande  legado  da  primeira santa nascida no Brasil estaria passando pela maior crise financeira de sua história. Com um déficit que pode chegar a R$ 44 milhões, as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid)  se  voltaram  à  sociedade  para  pedir  contribuições. A instituição, mesmo  com  números  impressionantes  de  assistência  em  saúde  e  educação,  além  de  reconhecimento internacional, está pedindo socorro.

A  Osid  surgiu  de  um  galinheiro  onde  Irmã Dulce  acolhia  doentes,  ao  lado  do  Convento Santo Antônio. Em 1949, a freira pediu à madre superiora autorização para abrigar 70 enfermos no local. Dez anos depois, em 26 de maio, as Obras Sociais Irmã Dulce  era  fundada.  Agora,  a  instituição conta  com  seis  hospitais,  dois  centros  de  pesquisa  e  mais  dois  centros  de  ensino  em saúde, fora os projetos em educação.

Dentre   os   mais   de   2   mil   pacientes   atendidos  diariamente  na  Osid  está  Máximo Moreira, de 75 anos. Ele, que prefere chamar a santa baiana de “mãe Dulce”, faz parte  do  grupo Centro  Dia, com  atividades voltadas exclusivamente para idosos, complementares ao acompanhamento médico. “É uma maneira que a Osid achou de recolocar os velhos em atividades. Nós temos passeios, atividades, festas”, conta Máximo, orgulhoso.

Os   encontros   do   grupo   voltaram   há   pouco  mais  de  uma  semana,  depois  de  dois anos parados com a pandemia. Ainda  assim, as visitas  de  Máximo  à instituição  não  pararam.  É  também  na  Osid que ele fazia fisioterapia para se recuperar de uma queda e, agora, mantém-se no pilates. Tudo de graça. “Não pago nenhum centavo para nada. As Obras Sociais são muito importantes para os baianos”, completa.

Para  manter  cada  atividade  dessa  em  funcionamento,  a  Osid  conta  com  o  financiamento do Sistema Único de Saúde (Sus). A queixa, no entanto, é que o repasse é insuficiente. De acordo com Sérgio Lopes,  assessor  corporativo  da  unidade,  o  contrato  com  o  estado  não  prevê  reajuste inflacionário. Ou seja, mesmo com o  preço  dos  insumos  subindo  vertiginosamente, a instituição continua receben-do o mesmo valor há cinco anos.

A  situação  ficou  ainda  pior  nos  últimos   dois   anos,   conta   Sérgio.   Segundo   ele,  mesmo  sem  reajuste  no  orçamento,  quando   necessário,   o   Governo   Federal   enviava novos aportes para a instituição. “Só que isso não tem sido feito nos últimos dois anos. A gente está com essa inflação, mais a Covid”, explica.

Para efeitos de comparação, o assessor  trouxe  como  exemplo  as  luvas  de procedimento  usadas  nos  hospitais.  Em  2019,  o  gasto  anual  com  luvas  era  de  R$  690 mil. Com a crise de desabastecimento  provocada  pela  pandemia,  este  valor  saltou  para  cerca  de  R$  3,4  milhões  no  ano passado.

Ajuda dos baianos

O  total  das  despesas da Osid  gira em torno de  R$ 19  milhões, enquanto o valor pago pelo governo chega a R$ 13 milhões. A quantia que falta é coberta por doações, que salvam o orçamento da instituição.

Lopes se queixa, porém, que usar as doações  para  pagar  despesas  essenciais  dificulta a expansão de novos projetos. Para retirar a Osid do atoleiro financeiro, todas as esferas públicas foram convocadas.

Na  última  quarta-feira,  o  presidente  Jair  Bolsonaro  visitou  o  Hospital  Santo Antônio,  coração  das  Obras  Sociais  Irmã  Dulce. Ele esteve na unidade acompanha-do  pelo  seu  pré-candidato  ao  governo  da  Bahia, João  Roma  (Republicanos)  e  prometeu avaliar a situação do hospital.

Paralelo  a  isso,  o  apelo  por  doações  continua.  Mesmo  reconhecendo  o  tanto  que  a  sociedade  já  colabora  com  a  Osid,  Sérgio  Lopes  reforça  o  pedido  para  que continuem doando. “Estamos no limite. A sociedade  sempre  nos  ajudou,  mas  acho que  esse  é  um  momento  crucial.  A  gente  precisa de forma especial da ajuda de todos”, pede.

O receio de Sérgio vai além de não conseguir expandir projetos, mas que, com o agravamento   da   crise,   serviços   tenham   que  deixar  de  ser  oferecidos  pela  instituição.  “Ao  longo  de  todo  esse  tempo,  eu  trabalho  aqui  há  16  anos,  posso  afirmar que eu não tenho referência de uma crise financeira tão intensa como essa”, relata.

Desde pacientes como Máximo Moreira, que cuida de condições decorrentes da própria  idade,  até  pessoas  em  tratamentos  mais  severos,  como  o  taxista  Pedro Fernandes, de 51 anos, que há 4 anos lida com um câncer, podem ser afetadas pela crise nas Obras Sociais Irmã Dulce.

Para eles, falar da instituição é também falar da Santa Dulce dos Pobres. “Por meio dela,  o  que  vem  acontecendo  aqui  é  uma  coisa extraordinária”, considera Pedro.