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Apesar de o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ter
apontado o temor de uma eventual prisão ou apreensão de seu passaporte ao
anunciar a decisão de se licenciar do cargo e ficar nos Estados Unidos, sua
situação jurídica até o momento e a representação do PT contra ele não traziam
elementos que indicassem que esse fosse um risco iminente.
O deputado não foi indiciado pela Polícia Federal, tampouco
foi alvo das denúncias recentes envolvendo as investigações sobre a trama
golpista.
Além disso, o pedido apresentado por congressistas petistas
contra o deputado, solicitando a abertura de investigação e apreensão de seu
passaporte, trazia poucos elementos que pudessem enquadrá-lo nos crimes
citados, como de atentado à soberania nacional e coação no curso do processo,
dizem especialistas consultados pela reportagem.
Na tarde desta terça-feira (18), depois de Eduardo ter
anunciado que se afastaria do cargo, o procurador-geral da República, Paulo
Gonet, defendeu o arquivamento da representação do PT e afirmou que a conduta
do deputado apontada na petição não configurava os ilícitos penais citados.
Ele afirma que as ações apontadas se "inserem no âmbito
do exercício da atividade parlamentar e estão desacompanhadas de ações
concretas que possam indicar a intenção delituosa do noticiado".
O pedido do PT foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes,
do STF (Supremo Tribunal Federal).
A solicitação do partido citava o fato de Eduardo articular
iniciativas contra Moraes nos EUA. Os parlamentares petistas argumentavam que
seu atos poderiam configurar crime contra a soberania nacional, coação no curso
do processo e o ato de embaraçar investigações sobre organização criminosa.
"Se Alexandre Moraes quer apreender o meu passaporte ou
mesmo me prender para que eu não possa mais denunciar os seus crimes nos
Estados Unidos, então é justamente aqui que eu vou ficar e trabalhar mais do
que nunca", disse Eduardo no vídeo desta terça-feira em que anunciou sua
decisão de se licenciar do cargo de deputado, horas antes da decisão do
ministro.
"Aqui [nos EUA], poderei focar em buscar as justas
punições que Alexandre de Moraes e a sua Gestapo da Polícia Federal
merecem", afirmou.
Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina) e organizador do livro "Crimes
Contra o Estado Democrático de Direito", avalia que, com base no que se
sabe até o momento e no que constava na representação do PT, não há elementos
que configurariam o crime contra a soberania nacional, o que exigiria atos de
guerra ou invasão.
Ele tampouco considera que há base para enquadramento em
coação no curso do processo ou em embaraçar as investigações, que para tanto,
seria necessário que outros fatos fossem revelados. No caso de coação, por
exemplo, aponta que seria preciso uso de violência ou grave ameaça.
Com isso, o entendimento de Nunes é o de que a conduta de
Eduardo nos EUA tem impactos na dimensão política, mas não jurídica.
A criminalista Maíra Salomi, vice-presidente da comissão de
direito penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), afirma ser
difícil enquadrar o caso como atentado à soberania, por não enxergar indícios
de atos típicos de guerra, como incitar outro país a mover tropas para o
Brasil.
Com base no que consta na petição do PT, a advogada também
não vislumbrava indícios claros de crimes na conduta do deputado. Após a
divulgação do vídeo, porém, ela afirma ver a possibilidade de enquadramento em
relação a obstrução de Justiça e coação no curso do processo, mas por entender
que Eduardo subiu o tom contra Moraes.
"Quando se ameaça punir o ministro, temos essa
possibilidade de enquadramento", afirma.
Salomi ressalta, no entanto, que Eduardo não foi nem
indiciado, nem denunciado nos inquéritos em tramitação no STF sobre a suposta
trama golpista de 2022 e avalia que seria necessário apurar para verificar se
ele estaria atuando para embaraçar a investigação.
Rossana Leques, advogada criminalista e mestre em direito
penal pela USP, concorda com a posição da PGR e avalia que o pedido do PT não
trazia elementos que apontassem para indícios concretos dos crimes listados.
Dentre os crimes apontados, ela considera que o mais distante
é o de atentado à soberania, e que o de coação no curso do processo ou de
embaraço das investigações seriam mais factíveis, se houvesse mais detalhes.
Ela destaca, por outro lado, que para ficar configurado
embaraço às investigações seria preciso algo bastante concreto, que de fato
colocasse em risco seu andamento.
Mauricio Stegemann Dieter, professor do departamento de
direito penal da USP, diz que a decisão de Eduardo pode impactar outras
investigações contra o deputado.
"Chama atenção o fato dele [Eduardo] não retornar ao
território nacional. Isso o coloca no holofote e deve aumentar o escrutínio. É
uma decisão política com reflexos jurídicos", diz.
Por Bahia Notícias