Foto:
Marcelo Camargo / Agência Brasil
O
Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) abriu 80 novos processos relacionados a
intolerância religiosa em 2024. Os números, registrados pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), evidenciam a relevância da data comemorada nesta terça-feira
(21), no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Até o dia 30 de
novembro, conforme a última atualização dos processos no judiciário, o número
chegou a 3.257 novos processos deste tipo em todo o Brasil.
Segundo o
Código Penal brasileiro, se configura crime o ato de “Praticar, induzir ou
incitar a discriminação, ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional” (Art. 20 Lei nº 7.716/1989). No entanto, 36 anos
após a sanção desta lei - mesmo quando em 2023 o crime de intolerância
religiosa se equiparou ao de racismo com penas mais graves -, a Bahia registrou
350 casos de intolerância religiosa, segundo dados da Secretaria Estadual de
Promoção da Igualdade Racial (Sepromi).
Nesse
cenário, a promotora de Justiça Lívia Vaz falou ao Bahia Notícias sobre os
avanços desde a primeira legislação contra a discriminação e intolerância
racial. Ela defende que, atualmente, apesar dos crimes de racismo e
intolerância racial estarem atrelados a injúria e subsequentemente ao Direito
Penal, ainda seriam necessárias evoluções na legislação para que as vítimas
sejam melhor asseguradas.
“Embora a
criminalização também seja uma conquista simbólica dos movimentos negros, é
importante compreender que o Direito Penal não é a seara do direito mais
adequada para proteger e promover os direitos das pessoas negras, comunidades
religiosas de matriz africana e outros grupos historicamente vulnerabilizados”,
afirma. “No campo do direito, além da responsabilização criminal, é importante
consolidarmos respostas jurídicas de responsabilização das instituições
públicas e privadas, além de recomposição de danos morais decorrentes da
prática de racismo”, defende.
Ao falar
sobre as dificuldades do poder público em combater as práticas de preconceito
religioso, a jurista completa:
“Ainda
temos um longo caminho pela frente, para efetiva conscientização racial no
Brasil, em todas as esferas, individual, social e institucional. A legislação é
importante, mas, mais do que isso, o letramento racial é peça chave na
transformação da nossa realidade. De pouco adianta uma lei antirracista no
papel, se o sistema de justiça não a aplica”. Em sua fala, a Lívia cita o caso
Simone Diniz, em 1997, que a então jovem paulista mobilizou a Justiça
brasileira, após a vítima recorrer num caso de racismo na Comissão
Interamericana.
A
promotora ressalta ainda que apesar de estar diretamente atrelada às religiões
de matriz africana, como candomblé, umbanda e vodum, a intolerância religiosa
também atingem outros segmentos:
“A
intolerância religiosa não se limita apenas a religiões de matriz africana,
embora estas sejam o maior foco desse tipo de violência. Todos os segmentos
religiosos podem sofrer atos de intolerância religiosa, que merecem igualmente
atenção dos poderes públicos e atuação eficiente dos órgãos do sistema de
justiça. Já tivemos casos notáveis de antissemitismo e também de discriminação
contra religiões sabadistas, notadamente no ambiente universitário”,
conta.
Atualmente,
o Ministério Público da Bahia (MP-BA) possui uma promotoria especializada no
Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, a primeira do Brasil. Lívia
detalha que a atuação do grupo parte, essencialmente, do diálogo com movimentos
sociais e a realização de audiências públicas sobre a temática em casos de
maior repercussão, como o da cantora Claudia Leitte.
“A
Promotoria atua na Comarca de Salvador e agrega atribuições cíveis e criminais,
tendo recentemente somado a estas frentes de ação também a defesa das cotas
raciais e das comunidades tradicionais. Trata-se de uma promotoria que atua em
articulação e diálogo com os movimentos sociais, o poder público e outras
instituições do sistema de Justiça”, define.
Ao BN, a
promotora conclui, por sua vez, que apesar dos esforços anuais para o combate
destes crimes, as ações de combate devem ser pautadas a longo prazo. “Quando
dizemos ‘racismo é crime’, eu costumo dizer que devemos colocar reticências
após essa frase e não ponto final. Além de ser crime, o racismo é linguagem,
sistema de opressão e um fator determinante de desigualdades, merecendo ações
mais estruturais, jurídicas e extrajurídicas, para mudança”, delimita
Por Bahia Notícias