
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
O fim de parte das desonerações tributárias e a redução das
compensações usadas por empresas para abater tributos poderão impulsionar a
arrecadação federal em cerca de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) nos
próximos anos. A previsão é do secretário de Política Econômica do Ministério
da Fazenda, Guilherme Mello.
Nos cálculos da equipe econômica, o aumento de cerca de 1% do
PIB corresponde ao fim dos efeitos da chamada "tese do século",
enquanto o restante decorre da extinção do Perse (Programa Emergencial de
Retomada do Setor de Eventos) e da reoneração gradual da folha de pagamento.
"Uma vez que o estoque de crédito da tese do século
acabar, o Perse, que deve acabar agora no primeiro semestre, e a [desoneração
da] folha, que tem um phase out [eliminação gradual] previsto, vai ter 1,5% do
PIB a mais, em tese, com tudo mais constante, de receitas nos próximos
anos", disse.
A tese do século foi uma discussão travada no Judiciário na
qual as empresas ganharam o direito de retirar o ICMS, principal imposto
estadual, da base de cálculo das contribuições federais PIS/Cofins.
Em 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a União
deveria devolver os valores pagos indevidamente desde março de 2017, ano em que
a Corte fixou o entendimento sobre o assunto. Isso gerou um passivo para a
União da ordem de R$ 400 bilhões (a valores da época, sem correção).
Bráulio Borges, economista-sênior da LCA 4intelligence,
pesquisador-associado do FGV Ibre e colunista da Folha, ressalta que as
compensações "são recorrentes, mas não são eternas" e que a quitação
integral desse saldo deve ocorrer até 2026.
"As estimativas que a gente obteve com a Receita apontam
que em algum momento em 2025 ou 2026 esse excesso de compensações que está
subtraindo praticamente 1% do PIB da arrecadação bruta da União tende a se
exaurir", disse o especialista, que prestou consultoria técnica para o
governo na elaboração do boletim do resultado estrutural fiscal.
"Isso vai gerar um impacto positivo sobre o resultado
fiscal estrutural nesse horizonte depois que zerar esse excesso de compensações
associado à tese do século", acrescentou.
Quanto ao Perse, a equipe econômica estima que o montante
fixo de R$ 15 bilhões, previsto na lei que reformulou o programa, deve ser
totalmente consumido até meados de 2025.
O processo de reoneração gradual da folha de pagamento
ocorrerá entre 2025 e 2027. A partir de 2028, as empresas de 17 setores da
economia passarão a pagar a contribuição sobre a folha de salários de 20%
–valor cobrado atualmente das demais empresas não beneficiadas pela
desoneração.
Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de
comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também
são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário,
construção civil, entre outros.
Para o secretário de Política Econômica, o fim desses efeitos
vai colaborar no esforço de recuperação do resultado fiscal estrutural do país.
Segundo relatório do governo, houve déficit fiscal estrutural
do setor público (União, governo estaduais e municipais e empresas estatais) de
1,41% do PIB potencial no acumulado dos três primeiros trimestres de 2024, com
ajuste sazonal.
No resultado desagregado, o déficit foi de 1,16% do PIB
potencial do governo central, 0,16% dos governos regionais e 0,09% das
estatais. Nos cálculos do governo, o PIB potencial –capacidade de crescimento
do Brasil empregando os recursos disponíveis sem gerar uma pressão sobre a
inflação– está em torno de 2,4%.
O resultado fiscal estrutural estima a situação das finanças
públicas sem considerar efeitos meramente transitórios, como aumentos pontuais
de arrecadação ou despesas. A nova metodologia utilizada pelo governo
considera, entre outros aspectos, as flutuações do preço internacional do
barril de petróleo e do minério de ferro.
"Espera-se que a estatística para o ano fechado indique
consolidação fiscal de maior magnitude frente à 2023, uma vez que parte
relevante do ajuste nas despesas ficou concentrada no segundo semestre de 2024
e, portanto, ainda não foi captada de forma completa na estatística até o
terceiro trimestre", mostrou trecho do boletim.
Em 2023, o déficit fiscal estrutural foi de 2,14% do PIB
potencial, puxado pela PEC da Transição. O resultado negativo foi ampliado
frente ao dado de 2022, quando houve déficit de 0,6% do PIB potencial.
Conforme a metodologia atualizada, o setor público apresentou
superávit fiscal estrutural apenas em 2021, considerando o período entre 2016 e
2024. Segundo Mello, o governo não tem uma previsão de quando espera voltar a
atingir um resultado positivo.
"Isso vai depender da postura dos entes subnacionais. Do
resultado do governo central, o que a gente vê é uma convergência para déficit
zero, que vai acontecer no resultado observado também deve acontecer no
resultado estrutural até o final do ano", disse.
"Nós trabalharemos para prosseguir num caminho de
melhoria de recuperação fiscal em 2025", acrescentou.
De acordo com o secretário, o déficit primário do governo em
2024 será "muito próximo de zero". "Algo em torno de 0,4%, vai
depender do resultado do PIB", afirmou.
Neste ano, a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda)
traçou como objetivo perseguir o déficit zero, mas a meta conta com uma margem
de tolerância de até 0,25 ponto percentual do PIB (Produto Interno Bruto) para
mais ou menos. Isso significa que um déficit de até R$ 28,8 bilhões ainda é
considerado dentro da meta.
Para Borges, o país ainda está "muito aquém" do
resultado primário necessário para estabilizar a dívida pública, o que requer
medidas adicionais por parte da União.
O economista-chefe e sócio da Warren Brasil, Felipe Salto,
que também colaborou com o estudo do governo, foi outro que destacou a
necessidade de ações mais audaciosas por parte do governo.
"O resultado fiscal estrutural está em torno de 1% a
1,5% do PIB, de déficit, isso significa que para reequilibrar a relação
dívida/PIB, vamos precisar, dependendo da taxa real de juros dos próximos dois
ou três anos, produzir um esforço fiscal de 2,5 a 3 pontos percentuais do
PIB", disse.
"O que é bastante e vai requerer do ponto de vista da
estratégia do governo para política fiscal ações mais audaciosas do que aquelas
que já foram anunciadas em termos de ajuste fiscal de aumento da arrecadação,
revisando as desonerações tributárias e também de contenção da despesa
pública", complementou.
Por Bahia Notícias