Foto: Marcelo Camargo / EBC
Uma emenda aprovada de última hora no projeto de lei que
amplia o uso de combustíveis sustentáveis em veículos vai encarecer ainda mais
a conta de energia no país, apontam associações e especialistas do setor
elétrico. A medida é tratada como um jabuti —quando uma proposta é colocada
dentro de um PL que não tem a ver com a sua temática original.
Na quarta-feira (4), senadores aprovaram o PL apelidado de
combustíveis do futuro, que cria programas nacionais para descarbonização da
gasolina, do diesel, do combustível de aviação e do gás natural. Uma emenda
apresentada pelo senador Irajá (PSD-TO), porém, estendeu os benefícios dados a
minigeradores de energia solar, a chamada geração distribuída.
Em tese, a emenda estende o prazo para que minigeradores de
energia solar possam concluir as instalações de painéis solares. Para se
enquadrar nessa categoria, os geradores precisam ter capacidade instalada de 75
kW a 3 MW (megawatts) –eles são, em grande parte, empresas que oferecem
assinaturas solares, modelo de negócio hoje alvo do TCU (Tribunal de Contas da
União).
O Marco Legal da Geração Distribuída, instituído em 2022,
determina que esses geradores precisam concluir suas obras em até 12 meses após
o projeto ser aprovado pelas distribuidoras de energia elétrica. A emenda
aprovada nesta quarta, porém, estende esse prazo para 30 meses, o que permite
que aqueles geradores que não conseguiram concluir o prazo anteriormente agora
possam ter direito aos subsídios dados à geração distribuída.
Entre esses benefícios estão descontos totais no pagamento de
encargos e taxas de transmissão e distribuição na conta de energia. Esses
descontos são transferidos a quem continua pagando as distribuidoras locais,
como consumidores residenciais –daí a queixa de que as contas de energia
tenderão a ficar ainda mais caras caso a emenda seja aprovada na Câmara dos
Deputados, onde o texto agora será analisado.
Especialistas estimam que a emenda possa abrir espaço para
que cerca de 10 GW de energia sejam enquadradas na modalidade com subsídios.
"Considerando os pedidos para essa conexão atualmente em estoque junto às
distribuidoras, com potência agregada bastante significativa, o custo dessa
extensão para os consumidores finais deve ficar também significativo nos anos
futuros", diz Angela Gomes, diretora-técnica da PSR Consultoria.
Os custos dessa inserção para as contas de energia ainda
estão sendo calculados pelas grandes associações do setor, que devem
divulgá-los depois que o texto final do PL for divulgado pelo Senado. Os
impactos não serão pequenos, estimam.
Nas discussões no plenário, o relator do projeto, o senador
Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), se posicionou contrário à emenda, apontando
que ela poderia provocar o aumento dos subsídios e consequentemente aumento das
tarifas de energia elétrica de todo o país. Ele apontou que uma consultoria do
setor elétrico estimou no ano passado que a extensão para 24 meses do prazo
para minigeradores solares entrarem em operação causaria um impacto de R$ 100
bilhões entre 2024 e 2050.
A estimativa foi feita a partir de uma uma emenda no PL que
trata sobre eólicas offshore. O texto, do ano passado, previa uma extensão de
24 meses.
"A emenda entrou num projeto que não tratava do assunto
e foi aprovada sem discussão. Agora vamos ao Congresso tentar mostrar aos
senadores o impacto disso na conta de energia e nos negócios", diz Paulo
Pedrosa, presidente da Abrace, que representa os 50 maiores consumidores
industriais do país. "Com essa emenda, muito mais projetos solares vão
passar e, como tudo é baseado em subsídio, vai aumentar em muito o custo para
outros consumidores", acrescenta.
A reportagem apurou que a emenda pegou o Executivo de
surpresa. Agora, na Câmara dos Deputados, o governo Lula (PT) vai trabalhar
para derrubá-la.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia divulgou nota
se declarando "absolutamente contrária" à prorrogação do prazo.
Segundo a entidade, em benefícios de poucos, a conta de luz de milhões de
consumidores de energia elétrica no Brasil vai ser mais uma vez impactada.
"Somos o país da energia barata e abundante, ao mesmo tempo em que temos
uma das contas mais caras do mundo", destaca o texto da nota.
"Creditamos ao Parlamento brasileiro grande parte do crédito por essa
vergonhosa realidade."
Na mesma linha, as 70 associações da indústria brasileira,
que formam o movimento União pela Energia, também se posicionaram, criticando o
jabuti dado como mais uma agressão à competitividade da indústria nacional. O
grupo pede ao Congresso Nacional que não avancem com a medida
A emenda aprovada na quarta aumenta ainda mais o incômodo
entre distribuidoras e geradoras (que não solar) de energia com entidades e
empresas da geração distribuída. As duas primeiras reclamam que as últimas têm
atuado em Brasília para mudar o Marco Legal da Geração Distribuída, proveniente
de um acordo entre elas em 2022.
"Os segmentos de geração distribuída não estão
satisfeito com aquilo que conseguiriam, querem mais e continuam aumentando o
custo para os consumidores de energia elétrica", diz Marcos Madureira,
presidente da associação que representa as distribuidoras. "Essa emenda
veio de forma inadequada e intempestiva numa discussão que não tem nada a ver
com isso", acrescenta.
Por Bahia Notícias