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Ter sido alvo de discriminação ao buscar um emprego marcou
para sempre a trajetória de Carmem Brito, 59. Ela conta que, com o orçamento
doméstico apertado, tentou trabalhar como garçonete, mas foi rejeitada por ser
negra e estar acima do peso.
Incentivada pelo pastor de sua igreja, começou a cozinhar
para eventos religiosos. Rapidamente, expandiu para casamentos e festas,
criando o Brito Buffet com o marido. Após interromper o serviço na pandemia,
quando a família vendeu pratos pelo iFood, ela investiu em propaganda e hoje
emprega cerca de 30 pessoas em Goiânia.
"O que passei me fez a mulher de negócios que sou hoje.
A outra empresa continua atuando no mercado, mas o meu buffet hoje é tão bom ou
melhor que o outro. Foi difícil, mas mudou tudo na minha vida", conta.
Além de causar sofrimento pessoal, a discriminação racial tem
um preço econômico. Se os trabalhadores negros tivessem salários e empregos
semelhantes aos dos brancos, eles ganhariam aproximadamente R$ 103 bilhões a
mais, sendo que R$ 14 bilhões podem ser atribuídos à discriminação no mercado
de trabalho.
As diferenças restantes dos salários dos brasileiros estão
associadas a outros fatores, como educação, tipo de emprego e local de moradia.
A estimativa é de um estudo inédito do Neri (Núcleo de
Estudos Raciais), do Insper, a partir da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios - Contínua), considerando vagas, informais e outras modalidades
de trabalho, como os que atuam por conta própria, para pessoas de 25 a 65 anos.
O trabalho foi formulado pelos pesquisadores Alysson
Portella, Michael França e Rodrigo Carvalho. Para os cálculos, eles
consideraram não apenas empregados, mas também as pessoas fora da força de
trabalho.
Na comparação entre o segundo trimestre de 2023 e o mesmo
período de 2024, o salário médio de trabalhadores negros é 42% menor que o de
brancos (R$ 2.858 ante R$ 4.956). Entre as mulheres, essa diferença é de 40%
(R$ 2.278 ante R$ 3.813).
Só a discriminação racial tira R$ 328,11 dos homens negros
(em relação a brancos) e R$ 295,86 entre mulheres.
Para estimar quanto dessa diferença de ganho pode ser
atribuída apenas à discriminação racial, comparações foram feitas entre pessoas
com as mesmas características (idade, tipo de ocupação, grau de instrução),
sendo a raça o fator que distingue esses trabalhadores.
A taxa de desemprego é maior para os homens negros que para
homens brancos (4,77% ante 3,5%), e para as mulheres negras é maior que para as
mulheres brancas (7,95% ante 5,35%) no mesmo período.
Os economistas do Insper apontam que, além de maiores
salários, trabalhadores brancos tiveram reajustes reais superiores aos
conquistados pelos trabalhadores negros.
As mulheres negras tiveram aumento interanual real de 5,46%,
e os homens negros, de 4,46%. Por outro lado, as mulheres brancas tiveram um
aumento real médio de 6,54%, e os homens brancos, de 7,44%.
Nesse sentido, olhar para o topo e a base da pirâmide é
revelador: homens brancos representam 56% do 1% mais rico, seguido por mulheres
brancas (28%), homens negros (11%) e mulheres negras (5%).
Em contrapartida, na base, as mulheres negras são 50% do 1%
mais pobre, seguidas por homens negros (26%), mulheres brancas (14%) e homens
brancos (10%).
Os pesquisadores avaliam que a estimativa da massa salarial
perdida por discriminação racial pode orientar políticas públicas contra o
racismo, destacando o impacto econômico da desigualdade.
Segundo Portella, nos fatores que independem da
discriminação, a desigualdade poderia ser reduzida com investimentos em
educação, reduzindo diferenças regionais.
"Nas questões que dizem respeito à discriminação, seria
importante estabelecer ações afirmativas. No setor público, com cotas em
concursos; no setor privado, com incentivos. Nos Estados Unidos, empresas que
são fornecedoras do governo federal precisam ter um percentual mínimo de
trabalhadores negros."
O Brasil poderia exigir isso de tomadores de financiamento do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por exemplo, diz
ele.
Para França, é fácil compreender por que há mais mulheres
negras na base da distribuição de renda e mais homens brancos no topo.
"Nossa estrutura socioeconômica ainda oferece diversas
vantagens a certos grupos. No caso do homem branco pobre, embora ele enfrente a
desvantagem da classe social, não carrega o fardo dos vieses raciais e de
gênero ao longo de sua vida."
Com o passar de várias gerações, esse sistema de vantagens e
desvantagens perpetua a presença expressiva de homens brancos no topo, diz.
"Para avançar, mulheres, negros e até mesmo homens
brancos de classes menos favorecidas precisam despender muito mais esforço do
que um homem branco da elite."
Por Bahia Notícias