
Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil
O relator da regulamentação da
reforma tributária, Reginaldo Lopes (PT-MG), decidiu, nos instantes finais da
votação, incluir as carnes na lista de produtos da cesta básica nacional, que
terão alíquota zero. A medida foi aprovada pelo plenário por 447 votos a 3,
mais duas abstenções.
"Estamos acolhendo no
relatório da reforma todas as proteínas: carnes, peixe, queijos e, lógico, o
sal. Porque o sal é um ingrediente da culinária brasileira", anunciou
Lopes no plenário da Câmara dos Deputados por volta das 21h.
A decisão se deu após dias de
impasse em torno do tema e evitou um risco de derrota para o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que atuou diretamente para tentar barrar a
isenção. Antes do desfecho, o relator divulgou, ao longo desta quarta-feira (10),
três versões diferentes do parecer sem incluir as carnes na cesta básica, e o
texto-base foi aprovado sem a mudança.
O tratamento tributário das
carnes foi um dos temas mais polêmicos durante a discussão do projeto na
Câmara, e um destaque apresentado pelo PL, partido do ex-presidente Jair
Bolsonaro e da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tinha
chances de ser aprovado.
Momentos antes da votação,
alguns líderes subiram à mesa para conversar com Lira. De acordo com relatos de
um aliado do alagoano, os parlamentares alertaram que, se o tema fosse a voto,
o presidente da Câmara seria derrotado. Instantes depois, o relator deu o sinal
verde para a inclusão das carnes na cesta básica.
"[O acordo] Foi fechado
ali, dentro do plenário, os líderes [estavam] embaixo, depois subiram vários
ali na reta final, antes da votação do destaque", narrou o presidente da
Câmara, após a votação. Segundo ele, tratava-se de "uma votação que
poderia dar qualquer coisa". "Qualquer lado poderia alcançar os 257
[votos necessários] ou não se fizesse uma composição", disse Lira.
A FPA (Frente Parlamentar da
Agropecuária), uma das bancadas mais poderosas do Congresso, foi uma das
principais defensoras da inclusão da proteína animal. Nos últimos dias,
representantes da frente se reuniram diversas vezes com o presidente da Câmara
na tentativa de resolver o impasse.
Em confraternização promovida
pelo PSD na noite de terça (9), Lira teve uma discussão acalorada com o
presidente da entidade, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), sobre a questão. Nesta
quarta, o presidente da Câmara manteve novos encontros com membros da FPA, mas
ainda sem convergência sobre o tema.
Após o relator fazer o anúncio,
Lupion afirmou que foi feita uma decisão "política do plenário".
"A maioria dos líderes fez conta e viu que o resultado seria favorável à
inclusão das proteínas. É o voto, a máxima da Câmara que a maioria tem voto e a
minoria, regimento", disse. "Aplaudimos a decisão do relator, uma
decisão política que evita uma disputa de plenário muito ruim."
Lupion afirmou ainda que a
bancada ruralista "negociou longamente" com líderes, membros do grupo
de trabalho e, principalmente, com Lira. "É importante ressaltar que o
presidente Arthur Lira tomou um papel de articulador nesse tema e nunca deixou
de nos ouvir. Às vezes bem, às vezes mal, muitas vezes sem concordar com nossos
pleitos."
Ao final da votação, Lira deixou
claro que a isenção das proteínas animais terá impacto na alíquota padrão dos
novos tributos —a Fazenda estima o efeito em 0,53 ponto percentual, em uma
alíquota estimada em 26,5%.
Segundo o presidente da Câmara,
o que deu mais conforto à decisão foi a inclusão de uma trava para que essa
alíquota não ultrapasse os 26,5%. Isso significa que, se na implementação da
reforma a cobrança for maior, o Executivo terá de enviar um projeto de lei
complementar revisando os benefícios ou descontos na alíquota para determinados
bens e serviços.
"A inclusão da proteína na
cesta básica vai dar um impacto grande na alíquota [...]. Mas o que deu mais
conforto foi essa trava dos 26,5%, que foi colocada no texto. Se bater perto,
vai ter que ter alteração, vai ter que se rever. E aí, com o tempo, [avaliar
se] foram todas as proteínas, quais ficam, quais saem, mexe em outra situação,
em outra vertente", disse Lira.
O presidente,
porém, sinalizou que não mudou sua visão sobre a questão. "Eu acho que a
posição é errada na alíquota e ela é certa com relação ao que eles pensam de
itens de cesta básica. Quem manda nas discussões da Casa, nas votações, são os
parlamentares. O acordo foi feito, segue para o Senado e a gente vai
acompanhando", afirmou.
O tema das carnes também se tornou novo foco
de divergência entre Lira e o Planalto.
De um lado, Lula defendia a inclusão de
carne na cesta básica, enquanto Lira era contrário. Em entrevista ao UOL no fim
de junho, o petista entrou na discussão da reforma ao defender a isenção de
impostos para o frango.
Há uma avaliação da ala política do governo
de que essa medida teria forte apelo popular, porque o volume de proteína
animal consumida no Brasil é relevante. Além disso, uma das promessas de
campanha do petista era que os brasileiros voltariam a comer carne, como a
picanha.
O próprio Ministério da Fazenda, porém,
calculou que contemplar as carnes na cesta básica teria um impacto de 0,53
ponto percentual na alíquota padrão do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a
ser paga por todos os contribuintes.
Na metodologia do Banco Mundial, esse efeito
poderia ser até maior, de 0,57 ponto percentual. O impacto era um dos motivos
citados por Lira para justificar a posição contrária à inclusão. Na semana
passada, o presidente da Câmara disse que isso acarretaria um "preço
pesado para todos os brasileiros".
Nas discussões mais recentes, ele argumentou
a interlocutores que contemplar as carnes seria uma "insanidade" e
que a fatura seria paga por todos os contribuintes.
Após a votação, Lira afirmou que "cada
lado agora vai ter sua narrativa". "Na realidade, o presidente Lula
apoiava, a emenda foi feita pela oposição. Houve o acordo e votou-se o texto.
Não tem outra coisa mais do que isso. Eu não vou estar comentando versão de um
lado nem versão de outro. Muito mais importante do que essa polarização que a
gente insiste em fazer é a reforma que a gente entregou hoje para o país",
disse.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) disse
que a isenção das carnes era um "sonho do presidente Lula" e que ele
"o tempo todo colocou que era muito importante que houvesse proteína na
cesta básica das pessoas mais vulneráveis".
Líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ)
afirmou que a inclusão do relator se deu após pressão e trabalho da oposição,
numa crítica ao governo federal. "As promessas que foram feitas e não
foram cumpridas, possivelmente poderão ser cumpridas agora. Parabéns à bancada
do PL", disse.
Além do agronegócio, também houve pressão de
outros setores, como o de supermercados, e de parlamentares, da direita à
esquerda, que defendem uma cesta básica mais ampla.
A reportagem testemunhou o momento em que o
deputado Orlando Silva (PC do B-SP) abordou o líder do PT na Câmara, Odair
Cunha (PT-MG), no salão verde da Casa, na tarde de quarta, questionando o que
seria feito para contemplar as carnes. Cunha respondeu rapidamente que era um
assunto "complicado", antes de entrar no plenário de votações.
Em outro momento, ainda antes da votação, o
deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA) disse a Ricardo Salles (PL-SP), que
votaria a favor do destaque do PL para incluir as carnes na cesta básica.
Por Bahia Notícias