
Foto: Evaristo Sá / AFP
A Câmara dos Deputados aprovou
nesta terça-feira (9) um dispositivo que permite ao governo antecipar a
expansão do limite de gastos de 2024 e, na prática, liberar uma despesa extra
calculada em R$ 15,7 bilhões.
O texto foi aprovado por 304
votos a 136. Se o projeto for validado também pelo Senado, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) poderá destravar esse valor de forma imediata
"por ato do Poder Executivo", sem passar novamente pelo Congresso Nacional.
Segundo interlocutores do
Congresso e do governo, a mudança foi articulada com o Executivo. A
interlocutores, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AP), sinalizou que a
medida foi aprovada sem objeção após acordo no plenário.
Interlocutores do governo
reconhecem que a liberação do dinheiro vai ajudar a resolver o impasse em torno
dos R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares que foram vetadas por Lula. O
Congresso cobra a liberação e ameaça com a derrubada do veto, e o governo sabe
que não deve conseguir votos suficientes para barrar isso.
A mudança também ajuda o
Executivo a reverter o bloqueio de R$ 2,9 bilhões sobre despesas de custeio e
investimentos anunciado em março, além de acomodar eventuais pressões
adicionais por aumento de gastos. Os servidores, por exemplo, iniciaram um
movimento grevista para reivindicar reajustes.
O líder do governo na Câmara,
José Guimarães (PT-CE), confirmou à reportagem que a medida busca antecipar a
abertura do crédito.
"Solicitamos ao Congresso
que antecipasse [o crédito] por conta do excesso de arrecadação no primeiro
trimestre de 2024. Somente isso não mexe em nada que está estabelecido no
arcabouço. É apenas para o governo poder, por conta do excesso de arrecadação,
gastar dentro das regras do arcabouço. Não altera em nada a responsabilidade
fiscal e social do governo", disse.
Perguntado se o ministro
Fernando Haddad (Fazenda) estava de acordo com a alteração, o líder afirmou que
o comando veio da Casa Civil. "Foi uma opinião do governo comandada pelo
Rui Costa [ministro-chefe da pasta]", disse.
O artigo em questão altera a lei
do novo arcabouço fiscal e foi inserido de última hora em um projeto de lei
complementar que recria o DPVAT, seguro que indeniza vítimas de acidente de
trânsito.
O relator do texto é o deputado
Carlos Zarattini (PT-SP). Em sua ausência no plenário, a mudança foi lida pelo
deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA), que é vice-líder do governo na Câmara.
Ambos são da mesma sigla do presidente Lula.
Pereira Junior disse à
reportagem que Haddad não participou diretamente das conversas. Questionado
sobre se o ministro estava de acordo, ele disse: "Penso que sim. Porque
não muda o arcabouço. Só o momento de abrir crédito."
O texto atual arcabouço prevê
que o governo pode abrir o crédito suplementar caso a avaliação das receitas
seja favorável no relatório de avaliação do Orçamento do segundo bimestre, a
ser divulgado no dia 22 de maio.
A versão aprovada pelos
parlamentares antecipa esse prazo e diz que o crédito poderá ser aberto após a
primeira avaliação bimestral de receitas e despesas, que já foi divulgada no
último 22 de março.
O tamanho do crédito corresponde
à diferença entre a alta real do limite vigente (1,7%) e o teto máximo
autorizado pelo novo arcabouço fiscal (2,5%).
Segundo técnicos do governo, com
base no relatório de março o Executivo conseguirá usar todo o espaço potencial
de R$ 15,7 bilhões. Se a receita depois frustrar, o governo pode adotar
eventual contingenciamento para cumprir a meta fiscal.
A medida antecipa e dá segurança
ao governo sobre a liberação desse valor num momento em que a equipe de Haddad
tem tido que lidar com uma série de incertezas em torno da arrecadação com as
medidas de ajuste e com os dividendos da Petrobras.
No primeiro relatório, o governo
manteve boa parte das projeções de receitas com mudanças na tributação
aprovadas no ano passado pelo Legislativo.
Do pacote de R$ 167,6 bilhões em
medidas anunciado em 31 de agosto de 2023 para fechar as contas do Orçamento, o
governo manteve R$ 144,33 bilhões.
As reduções foram compensadas
pelo acréscimo de outros R$ 24 bilhões esperados com o limite para o uso de
créditos judiciais pelas empresas para reduzir os tributos a pagar.
Prevista em MP (medida
provisória) editada em dezembro, a iniciativa não contava até então com nenhuma
estimativa de impacto. No entanto, a obtenção desse valor ficou mais incerta a
partir de liminares judiciais concedidas em favor de empresas e que continuam
autorizando o uso dos créditos para abater tributos. A Abrasca (Associação
Brasileira das Companhias Aberta) tem atuado no Legislativo para derrubar o
limite.
O governo ainda incluiu uma
expectativa de arrecadar R$ 6 bilhões com o fim do Perse, programa que zerou
tributos para o setor de eventos e que, segundo a Receita Federal, foi usado
para lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros. A medida, no entanto,
deve ser flexibilizada diante das resistências do Legislativo.
O Executivo também está tendo de
ceder na reoneração de municípios e de empresas de 17 setores. Flexibilizações
nessas medidas estão em negociação com o Congresso.
A Fazenda também tenta garantir
o ingresso no caixa dos dividendos extraordinários da Petrobras. Haddad tentava
assegurar o pagamento de 100%, o que renderia R$ 12,59 bilhões à União, mas o
cenário mais provável é que apenas 50% serão pagos, reduzindo o valor que entra
no caixa do Tesouro à metade.
O argumento do governo em favor
da mudança é que o próprio mercado já havia incorporado em suas projeções a
expectativa de abertura desse crédito, o que mudou foi apenas o momento.
Especialistas, porém, avaliam
que a alteração no arcabouço —a segunda em menos de um ano desde sua aprovação—
arranha a credibilidade da nova regra fiscal.
No ano passado, o governo já
havia alterado a lei do arcabouço para permitir um aporte extra de recursos ao
programa Pé-de-Meia de combate à evasão escolar no ensino médio.
Para o ex-secretário do Tesouro
Jeferson Bittencourt, hoje economista da ASA Investments, a mudança é um golpe
na credibilidade da nova regra fiscal se confirmada em votação no Senado.
"É mais um golpe na
credibilidade da regra que, pretensamente, deveria colocar a dívida pública em
trajetória sustentável", criticou.
Para ele, a alteração é uma
forma de exigir pré-requisitos que já foram sabidamente atendidos para o
aumento de despesa.
Bittencourt destacou ainda que,
ao autorizar o crédito por ato do Poder Executivo, o projeto dispensa os
requisitos para a abertura desse espaço no Orçamento. Ou seja, deixa-se de
exigir que haja espaço na meta fiscal para ampliar a despesa.
"Os mecanismos de incentivo
a ter mais receita e espaço na meta para se ampliar o limite foram
abandonados", alertou. Na sua avaliação, a mudança mostra que é legítimo o
ceticismo sobre o cumprimento de restrições legais para o aumento de despesas,
sinalizando falta de compromisso do Executivo com a previsibilidade das
decisões de política econômica, com a estabilidade das regras e com a
transparência das decisões.
Por Bahia
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