Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
O governo Lula apresentou nesta segunda-feira (4), no Palácio do
Planalto, as linhas gerais de um projeto de lei que regulamenta o trabalho de
motoristas de aplicativos.
A proposta prevê contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social), auxílio-maternidade e pagamento mínimo por hora de trabalho no valor
de R$ 32,09 (que corresponde a um salário mínimo, hoje em R$ 1.412).
A proposta de regulamentação da atividade de motorista de aplicativo,
antecipada pela Folha de S.Paulo, precisa de aval do Congresso Nacional para
começar a valer.
A ideia do governo, inicialmente, era também criar uma regulamentação
para quem trabalha com aplicativos de entrega de produtos. No entanto, o
Executivo não conseguiu chegar a um acordo com as empresas do segmento.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse que o modelo de
negócios das empresas de entrega de mercadorias é "altamente
explorador" e, por isso, uma regulamentação da atividade não caberia nos
seus modelos de negócio.
"iFood e demais empresas diziam que o padrão dessa negociação não
cabia no modelo de negócios delas", disse. Não cabe, acrescentou Marinho,
"porque é modelo altamente explorador".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também aproveitou para
criticar indiretamente as empresas de entrega de mercadorias, afirmando que é
preciso fazê-las sentar à mesa de negociação.
"É preciso lembrar, [senador] Jaques Wagner, que o dono do iFood é
da Bahia e, portanto, como todo bom baiano, a gente tem que convencê-lo a
entender que é prudente ele sentar na mesa de negociação para a gente fazer um
bom e grande acordo", afirmou o presidente.
"Vamos encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar",
disse. Procurado, o iFood não respondeu até a publicação deste texto.
Marinho espera que o avanço do projeto para os motoristas de aplicativo
faça com que trabalhadores e empresas de entrega de mercadorias voltem a
negociar.
"Ainda restam aplicativos das entregas, dos motoboys,
motociclistas, que ainda não chegamos lá e talvez seja categoria ainda mais
sofrida", disse.
A proposta reconhece os motoristas de aplicativos como autônomos e cria
a categoria de trabalhador autônomo por plataforma.
Em relação à contribuição ao INSS, as empresas irão contribuir com 20%
sobre a remuneração mínima do profissional, que irá corresponder a 25% da renda
bruta. O trabalhador terá desconto de 7,5% sobre a renda bruta como
contribuição à Previdência.
A contribuição dará direito a benefícios previdenciários como
auxílio-maternidade, previsto no projeto e aposentadoria, entre outros.
O governo calcula que a regulamentação poderá ter um impacto de R$ 280
milhões na arrecadação.
Além de fixar um mínimo, a proposta também estabelece uma remuneração da
hora de trabalho no valor de R$ 32,09. Esse valor corresponde ao período da
chamada "hora em rota" ou hora trabalhada, que começa a contar a
partir do momento em que o profissional aceita o pedido de corrida até deixar o
passageiro.
Saiu derrotada, portanto, a possibilidade de pagamento pela "hora
logada", que começa quando o trabalhador dá entrada no aplicativo.
O texto do projeto de lei também prevê que a jornada de trabalho em uma
mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias. Os trabalhadores
devem realizar pelo menos 8 horas diárias para ter acesso ao piso nacional da
categoria.
Caso aprovada pelo Congresso Nacional, os trabalhadores também receberão
um valor de R$ 24,07 para cada hora efetivamente trabalhada. Esse montante será
destinado para cobrir os custos com a atividade profissional, como celular,
combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros.
Esse valor, no entanto, será pago em caráter indenizatório e não compõe
a remuneração do trabalhador.
O texto elaborado pelo governo também prevê o pagamento de um
auxílio-maternidade. As mulheres que trabalham com aplicativo, portanto, terão
acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados
do INSS.
A proposta de legislação do Brasil vai ao encontro das regulamentações
que estão sendo feitas em alguns países do mundo, em busca da proteção desses
trabalhadores e da arrecadação de impostos.
Chile, Espanha e Uruguai, por exemplo, fizeram reformas para incluir os
motoristas de aplicativos na legislação trabalhista.
Marinho criticou a visão de que o governo recuou ao desistir de
enquadrar os trabalhadores de aplicativos na CLT (Consolidação das Leis
Trabalhistas). Afirmou que o presidente Lula havia feito um compromisso durante
a campanha eleitoral de 2022 de regulamentar essas atividades, mas que "em
nenhum momento dissemos que vai ser pela CLT ou não".
"Ocorre que é preciso construir um momento, observando o que está
acontecendo na economia e nas relações de trabalho e observar que era preciso
também um processo para essa regulamentação, um diálogo com as empresas,
trabalhadores e empresários", afirmou o ministro;
Marinho ainda acrescentou que o projeto de lei cria uma "categoria
diferenciada, autônomos com direito".
"[O que havia] era uma liberdade falsa, porque os trabalhadores
estavam sendo escravizados por longas jornadas e baixos salários", afirmou
O Brasil tinha em 2022 cerca de 780 mil pessoas que têm como trabalho
principal o transporte por meio de aplicativos, segundo o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística).
Lula, por sua vez, respondeu aos gritos dos militantes, que pediram
durante o evento uma linha de crédito para a compra e manutenção dos
automóveis.
"Eu acho que daqui a pouco a gente vai ter que pensar como a gente
vai fazer, [se é] discutir com os bancos, como é que a gente vai fazer para
[... ] ter uma linha de financiamento para vocês trocarem o carro, porque o
passageiro também não gosta de carro velho", afirmou o presidente, sem dar
detalhes.
TRABALHO AOS DOMINGOS
Lula também comentou a polêmica envolvendo o trabalho aos domingos para
as atividades de comércio. Disse que o seu governo não é contra a
possibilidade, mas defendeu um "tratamento diferenciado" para que
esses trabalhadores não precisem passar todos os sábados e domingos longe de
seus familiares.
O presidente também afirmou que já comprou "várias brigas"
para que os comerciários "não fossem transformados em escravos outra vez.
"Não sou contra o trabalhador do comércio trabalhar de domingo, até
porque sei que muita gente, muito deputado que está aqui, muito senador da
República, muita gente só pode ir fazer compra no fim de semana, ou depois das
19h, 20h. Tem gente que não pode ir de dia", afirmou.
Lula então citou o caso de um de seus filhos, que ele contou que ficava
ocupado com games a maior parte do dia e saia para fazer suas compras à noite.