Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
O presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), é apontado por congressistas como responsável por recentes
decisões do governo Lula (PT) que, se por um lado, atenderam a demandas do
centrão na Câmara, por outro, abriram um flanco de insatisfação no Senado.
São atribuídas ao chefe do
centrão o recuo do governo no veto ao calendário de pagamento das emendas
parlamentares e a articulação para barrar o nome do senador Renan Calheiros
(MDB-AL), aliado de Lula, mas rival declarado de Lira, na relatoria da CPI da
Braskem.
A nova relação Lula-Lira foi
acertada entre ambos em reunião no Palácio da Alvorada, no último dia 9,
ocasião em que o presidente da Câmara obteve canal direto de contato com Lula e
a sinalização de uma relação diária com o Planalto mais azeitada, inclusive com
a escolha do interlocutor.
Em vez de Alexandre Padilha
(PT), o responsável formal pela articulação política do governo, mas que caiu
em desgraça com Lira, foi escalado o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT).
A aproximação ocorreu após um
duro discurso de Lira na retomada dos trabalhos legislativos, recheado de
recados ao Palácio do Planalto, que em suas palavras deveria cumprir acordos
firmados e aceitar que a gerência do Orçamento não é exclusividade do Executivo.
Na última quinta-feira (22), por
exemplo, Lula recebeu Lira e vários outros deputados federais para um amistoso
encontro no Palácio da Alvorada, com mesa de frios vinho e uísque. No dia
seguinte, Lira afirmou que o presidente da República vai apoiar o candidato que
ele definir para sucedê-lo no comando da Câmara, em fevereiro de 2025.
Integrantes do Senado afirmam
que o tratamento não tem sido o mesmo por lá, apesar de o presidente da Casa,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ter caminhado ao lado de Lula desde a eleição. Lira,
por outro lado, era o principal sustentáculo legislativo de Jair Bolsonaro (PL)
e apoiou o ex-presidente em sua tentativa de reeleição.
A ação do governo Lula para
barrar Renan na relatoria da CPI, e por suposta exigência do principal
adversário político do senador, pode ter efeito na base governista do Senado,
afirmam congressistas.
Renan foi o grande articulador
da CPI e tinha o apoio de Pacheco para relatar os trabalhos. Ele conseguiu
colocar a comissão de pé mesmo com a articulação interna contrária do líder do
governo, Jaques Wagner (PT-BA), e do líder da bancada do PSD. Otto Alencar
(BA).
Renan abandonou o colegiado,
porém, após o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), aliado de Lula, ter
indicado para a função o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
"Com encaminhamentos que
ensaiam domesticar a CPI, não emprestarei meu nome para simulacros
investigatórios", disse Renan, afirmando ainda ter sido vetado "por
mãos ocultas, mas visíveis" —em referência que foi entendida como sendo a Lira,
contra quem trava uma turbulenta rivalidade em Alagoas.
Havia temor do grupo do
presidente da Câmara de que na relatoria da CPI Renan agisse para desgastar
politicamente o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), aliado de Lira.
A CPI foi criada em meio ao risco de colapso da mina de sal-gema da Braskem em
Maceió.
Omar Aziz justificou a escolha
afirmando buscar "isenção" que não haveria em Renan por ele ser
alagoano.
À reportagem o presidente da CPI
negou que tenha havido pedido de líderes do governo ou de Lula para que Renan
fosse vetado. "Só conversei com o presidente Lula ontem [quinta-feira],
por telefone, e esse assunto nem foi mencionado", disse Aziz.
A reportagem não conseguiu falar
com Renan. Lira não se manifestou.
Além da questão relativa ao
senador de Alagoas e às emendas parlamentares —o governo havia vetado a
proposta aprovada pelo Congresso de pagamento das emendas de 2024 até junho,
mas agora anuncia que vai recuar—, um outro episódio recente é atribuído ao centrão
da Câmara.
Trata-se da exoneração no dia 16
do assessor especial da secretaria executiva da Fazenda, José Manssur,
responsável pela elaboração das regras que regulamentaram o setor de apostas
esportivas no Brasil, conhecidas como "bets". O centrão teria interesse
nesse cargo.
Lula foi eleito tendo uma base
de esquerda minoritária tanto na Câmara como no Senado, por isso foi obrigado a
fechar acordos com partidos de centro e de direita.
No Senado o caminho se mostrou
menos difícil, justamente pelo apoio de Pacheco e de Renan, além do suporte do
senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que caminha para voltar a comandar a
Casa em 2025.
Mesmo assim, a oposição
bolsonarista é expressiva —há sete ex-ministros de Bolsonaro, além de seu
ex-vice, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e de seu filho Flávio Bolsonaro
(PL-RJ), reunindo quase sempre pouco mais de 30 das 81 cadeiras.
Na Câmara, Lula decidiu ainda na
transição apoiar a reeleição de Lira, mesmo o presidente da Casa tendo chefiado
a tropa legislativa que tentou dar um segundo mandato a Bolsonaro.
A avaliação, na época, era a de
que o PT não tinha força para fazer o presidente da Casa, situação que
persiste. A esquerda controla apenas cerca de um quarto das 513 cadeiras. A
oposição, outro quarto. Metade das vagas é controlada pelo centrão e outros
partidos de centro e de direita, em especial PSD, MDB e União Brasil.
Devido a isso, a relação em 2023
de Lula com a cúpula da Câmara sempre foi mais tensa do que a relação com a
cúpula do Senado, o que ameaça desandar agora, dizem congressistas.
Além do caso relativo a Renan,
pegou mal no Senado a comparação feita por Lula da ação de Israel em Gaza à de
Adolf Hitler com os judeus.
Alcolumbre é judeu e um dos
principais aliados de Pacheco, que cobrou publicamente uma retratação por parte
de Lula. O próprio líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), disse que Lula
passou do ponto.
O petista não só não se retratou
como reafirmou nesta sexta-feira (23) entender que Israel promove um genocídio
em Gaza e que suas palavras anteriores foram deturpadas pelo primeiro-ministro
de Israel, Binyamin Netanyahu.
Lula também sofre desgaste no
Senado em relação ao projeto de reoneração da folha de pagamento de 17 setores
da economia.
Desde o fim do ano passado,
parlamentares defendem que Pacheco devolva a medida provisória da reoneração
sob o argumento de que o Congresso já deliberou sobre o tema ao derrubar o veto
do presidente Lula e manter o benefício.
De acordo com parlamentares,
esse é um assunto já pacificado no Senado e Lula só amplia a insatisfação ao
protelar uma definição sobre o assunto.
Na última quarta-feira (21), o
governo decidiu enviar um projeto de lei com urgência constitucional após
reunião entre Pacheco, Padilha e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).