Foto: Reprodução / Facebook
Jair Bolsonaro (PL) pode ser
preso se fizer apologia ou incitação ao crime durante manifestação convocada
por ele na avenida Paulista, em São Paulo, neste domingo (25), afirmam
especialistas.
Os profissionais, entretanto,
divergem sobre se a mera convocação do ato já poderia ensejar uma prisão
preventiva, uma vez que o ex-presidente é investigado por suposta participação
em crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado democrático
de Direito e poderia violar a paz pública durante o evento.
Para Claudio Langroiva,
professor de processo penal da PUC-SP, a mera convocação do ato feita por
Bolsonaro é "arriscada" e pode motivar a prisão preventiva. Segundo
ele, isso acontece porque o ex-presidente é, no momento, investigado pela possÃvel
participação em crimes graves contra a democracia.
Para o especialista, Bolsonaro é
consciente de que existe um risco de violação da paz pública ao convocar a
manifestação. Langroiva também afirma que a nova convocação se relaciona com
contexto anterior, em que manifestações similares teriam resultado nos ataques
do 8 de janeiro.
"No caso especÃfico dele,
como está sendo investigado num inquérito policial de crimes gravÃssimos contra
o Estado democrático de Direito e tentativa de golpe, essas atitudes se tornam
relevantes para o inquérito, podendo incidir numa prisão preventiva nos termos
do artigo 312 [do Código de Processo Penal]", afirma Langroiva.
Dias atrás, quando chamou
apoiadores para o ato, Bolsonaro pediu a eles que não levem faixas e cartazes Ã
avenida Paulista em uma estratégia para evitar a ampliação do acirramento com o
STF e o ministro Alexandre de Moraes, que deve ser o principal alvo do ato e
que preside inquéritos que podem levar Bolsonaro a novas condenações.
O STF foi alvo preferencial de
Bolsonaro ao longo de seu mandato. Ele usou termos como
"politicalha", "acabou, porra", ligação com PT, ativismo e
militância, em ataques que se intensificaram a partir de 2020, com a pandemia
da Covid-19.
Em atos anteriores, além de
atacar STF e Congresso, os apoiadores bolsonaristas também levaram faixas e
cartazes de apoio à implantação de um golpe no paÃs, além de enaltecer a
ditadura militar (1964-1985).
De acordo com Gustavo Sampaio,
professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense), a
simples convocação do ato por Bolsonaro não pode ensejar a prisão preventiva,
uma vez que o polÃtico tem direito à livre manifestação mesmo sendo investigado
em crimes de ataque à democracia.
Segundo ele, entretanto,
Bolsonaro poderia ser preso em flagrante se, na manifestação, promovesse
incitação ao crime, previsto no artigo 286 do Código Penal, ou apologia de
crime ou criminoso, previsto no artigo seguinte do mesmo código.
O especialista cita como
exemplos declarações de tom golpista já proferidos pelo ex-presidente, como
ataques a ministros do STF e ao processo penal.
"Se começar a dizer esse
tipo de coisa, a situação poderá ser interpretada como uma ameaça ao processo
penal. Ele também poderia, logo depois, sofrer contra si uma prisão
preventiva", afirma Sampaio.
Segundo o parágrafo único do
artigo 286, "incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade
entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as
instituições civis ou a sociedade".
A pena para a incitação ao crime
é de detenção de três a seis meses ou multa. A penalidade é a mesma no caso de
apologia de crime ou criminoso.
Na convocação para o ato de
domingo, Bolsonaro pediu em vÃdeo que apoiadores comparecessem ao evento sem
portar "faixa ou cartaz contra quem quer que seja". Ele afirmou que
pretende, no evento, se defender "de todas as acusações que têm sido
imputadas à minha pessoa nos últimos meses".
Nesta quarta (21), em entrevista
a um blogueiro, Bolsonaro afirmou: "Não podemos continuar vivendo aqui
naquele impasse. 'Ah, o Bolsonaro vai ser preso amanhã. Pode ser preso a
qualquer momento'. Qual crime eu cometi?".
Carregando post do Twitter
Para Langroiva, mesmo com a
precaução para se proteger juridicamente por meio da orientação dada aos
apoiadores, o evento traz risco, uma vez que pode reunir dezenas de pessoas
prontas para acatar palavras de ordem do polÃtico.
O especialista, porém, acredita
que uma prisão em flagrante seria improvável mesmo em caso de incitação ou
apologia ao crime, pois a prisão no local poderia colocar a paz pública ainda
mais em risco.
Apesar de ser uma hipótese
nesses casos, o menor potencial ofensivo da incitação ou apologia ao crime
tornaria a prisão improvável, afirma Diego Nunes, professor de história do
direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
A prisão pela mera convocação
poderia ser aventada, mas também é pouco provável, afirma o especialista.
Entretanto, se novos elementos concretos indicarem que a manifestação possa, de
fato, trazer perigo à ordem pública, um pedido de prisão preventiva do polÃtico
seria mais provável.
MaurÃcio Zanoide, professor de
processo penal da USP, afirma que a simples convocação de ato que não tenha
nenhuma conotação criminal não enseja prisão, uma vez que a manifestação de
pensamento é garantida pela Constituição. "O que não significa dizer que,
no bojo das manifestações, o crime possa ser cometido", afirma.
"A promoção de atos de
violência, de comportamentos de insubordinação e de não cumprimento da
legislação vigente estimula a ruptura das instituições. Isso não cabe em um
contexto de manifestação polÃtica", diz.
Sobre a participação de outros
polÃticos no evento, em caso de ocorrência de crime, Gustavo Sampaio afirma que
o fato de eles estarem ao lado de Bolsonaro não quer dizer que compactuem com
tudo o que for dito. Mas, se externarem um posicionamento de concordância Ã
incitação ou apologia ao crime, podem também ser responsabilizados.
Confirmaram a participação na
manifestação o governador de São Paulo, TarcÃsio de Freitas (Republicanos), e
os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcos Pontes (PL-SP). O prefeito de São
Paulo, Ricardo Nunes, disse que deve ir ao ato. Outros aliados do ex-presidente,
como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), desistiram ou silenciaram
sobre ir ao evento.
A Folha questionou Fabio
Wajngarten, advogado de Bolsonaro, se o ex-presidente tomaria alguma precaução
durante a manifestação e se avalia a possibilidade de o ato ensejar desordem
pública, mas o advogado não respondeu às perguntas.
No mesmo dia, Bolsonaro divulgou
um vÃdeo nas redes sociais dizendo que o evento é "sério, disciplinado,
pacÃfico" e solicitando que apoiadores não marquem eventos paralelos em
outras cidades. "Não marquem, repito, e não compareçam em nenhum movimento
fora da capital de São Paulo."