Altas
temperaturas, ventos fortes, baixa umidade do ar e alta densidade populacional
em um bioma com plantações florestais. Tudo isso contribuiu para que o fogo se
espalhasse rapidamente pela região de Valparaíso, no centro do Chile.
Maior tragédia do país desde o terremoto que
matou mais de 500 pessoas em 2010, os incêndios que atingiram especialmente
Valparaíso e Viña del Mar começaram ao meio-dia de sexta-feira (2), em quatro
pontos distintos. Até a tarde desta terça (6), haviam deixado mais de 130
mortos. O número de focos ativos era de 176, em uma área de 287 km2, o que
representa 18% do município de São Paulo. Um terço do território em chamas está
dentro da região (equivalente a estado) de Valparaíso.
Uma conjunção de fatores permitiu a rápida
propagação das chamas, segundo Jaime Hernández, professor da Faculdade de
Ciências Florestais na Universidade do Chile e coordenador do MapBiomas Chile.
Um deles é a chamada combinação 30-30-30:
menos de 30% de umidade relativa do ar, temperatura acima dos 30ºC e mais de 30
km/h de velocidade do vento. "Esses fatores estavam presentes no incêndio
de Valparaíso. Além disso, são terrenos com muitas encostas que causam zonas de
convecção dos ventos", afirma Hernández. "Mas a chave foi o
surgimento de focos simultâneos de incêndio. Isso indica que foram intencionais
e, especula-se, iniciados de forma coordenada."
De acordo com o especialista, a condição
30-30-30 não é tão comum, mas ocorre algumas vezes no verão. Quando essa
combinação surge, todos os serviços públicos ficam em alerta máximo, afirma.
Hernández ressalta que os locais afetados
ficam em áreas de expansão urbana mais recente, com alta densidade
populacional. "Os serviços necessários, que o Estado deve fornecer, não
foram desenvolvidos na mesma velocidade, ou seja, são áreas com déficit de
infraestrutura para esse tipo de emergência."
Outro ponto levantado por ele é que a região
tem grandes áreas de plantações florestais próximas aos centros urbanos,
principalmente de pinheiros e, em menor proporção, de eucalipto. "Em
geral, devido à grande quantidade de biomassa, as plantações florestais geram
incêndios de maior magnitude e avançam mais rapidamente, mas isso depende das
condições locais", diz Hernández.
Valparaíso e seu entorno ficam no bioma
chamado de Matorral, originalmente formado por vegetação arbustiva e pequenas
árvores. Com clima temperado mediterrâneo, geralmente tem invernos chuvosos e
verões secos.
Por estar no entorno de Santiago, Valparaíso
e Viña del Mar, áreas de ocupação urbana consolidada, o Matorral é um dos
biomas menos conservados e mais vulneráveis a adversidades climáticas no Chile,
país com grande diversidade de formações, de florestas subpolares no extremo
sul aos desertos no norte.
Também existe a pressão da atividade
agrícola. Parte do bioma é ocupada pela pecuária e pelo cultivo de uva para a
produção de vinho -há, inclusive, rótulos de vinícolas que levam Matorral no
nome.
Além das perdas humanas, o fogo teve impacto
na fauna nativa, especialmente mamíferos e pequenos répteis. Um dos locais de
preservação desses animais é a Reserva Nacional Lago Peñuelas, vizinha à rota
68, principal estrada que liga Santiago a Valparaíso. A unidade florestal, com
92 km2 (equivalente a quase 60 parques Ibirapuera), foi bastante afetada pelas
chamas.
Incêndios florestais são relativamente
comuns durante o verão na região, especialmente nas áreas de encostas, de
desmate relativamente recente. A dimensão destas queimadas, porém, foi muito
maior. Antes, o incêndio mais grave havia ocorrido em 2014, deixando 15 mortos
e mais de 2.900 casas destruídas.