Foto: Gustavo Moreno / SCO / STF
O julgamento de uma ação antiga em tramitação no STF (Supremo Tribunal
Federal) há mais de 20 anos, que contesta a implementação do fator
previdenciário, pode colocar em risco a revisão da vida toda do INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social), pautada para o dia 28 deste mês.
Aprovada pelo Supremo em dezembro de 2022, por 6 votos a 5, a revisão da
vida toda é um processo judicial no qual o aposentado pede a correção do
benefício para incluir no cálculo da renda previdenciária salários antigos, de
antes de julho de 1994.
A tese é contestada pela AGU (Advocacia-Geral da União), que pede a
anulação da decisão e a devolução do caso ao STJ (Superior Tribunal de
Justiça).
O processo estava na pauta do Supremo de 1º de fevereiro, quando teve
início o novo ano do Judiciário, mas não chegou a ser julgado. A previsão
inicial era de que ele iria ao plenário nesta quarta-feira (7), o que não
ocorrerá.
Os ministros analisam os embargos de declaração, que é um pedido para
esclarecer pontos da decisão.
O julgamento foi remarcado para 28 de fevereiro, com a inclusão na pauta
da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 2.111, que pede a derrubada do
fator previdenciário, aprovado pela lei 9.876, de 1999, contesta a regra de
transição na reforma previdenciária do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
e pode derrubar a revisão da vida toda.
O fator previdenciário foi criado para limitar os pedidos de
aposentadoria, mas, na prática, diminuiu o valor do benefício.
O índice leva em consideração a idade do segurado ao se aposentar, o
tempo de contribuição ao INSS, a expectativa de vida dos brasileiros calculada
pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a sobrevida do
cidadão.
A fórmula, classificada de "esdrúxula" pela CNTM (Confederação
Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos) na ação que a contesta, vigorou nas
aposentadorias por tempo de contribuição --reduzindo o benefício-- até 2019,
quando foi aprovada a reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro (PL).
Ainda é possível utilizá-la em alguns casos específicos, mas de forma
limitada.
"A fórmula aprovada, além de reduzir significativamente os valores
dos benefícios, dada a sua complexidade, dificulta e até impede o seu
entendimento pelos trabalhadores", diz parte do processo.
A preocupação dos advogados que defendem a revisão da vida toda é com o
voto do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da corte, na ação que
discute o fator previdenciário.
Para Barroso, se for declarada a inconstitucionalidade do artigo 3º da
lei 9.876, que trata sobre o cálculo do benefício para quem ingressou no INSS
antes e depois da lei de 1999, não é possível o segurado escolher entre a
melhor regra, tese aprovada na revisão da vida toda.
"O processo 1.012 [revisão da vida toda] está atrelado ao 2.111 e
há uma preocupação importante ao que vai acontecer no STF nessa tese", diz
a advogada Adriane Bramante, do conselho consultivo do IBDP (Instituto
Brasileiro de Direito Previdenciário).
"Para o segurado, o que se discute é muito complexo", afirma a
especialista. "Se o STF não der a revisão, o segurado não vai entender a
questão técnica."
A advogada Gisele Lemos Kravchychyn, presidente do IBDP e defensora do
aposentado que levou a ação de revisão da vida toda à Justiça, contesta os
argumentos usados pela AGU, contrapondo-os a questões técnicas previstas em
regras da própria corte.
Segundo Gisele, não houve nenhuma omissão no julgamento do caso, como
diz a AGU em defesa que foi aceita pelo ministro Cristiano Zanin, e o processo
não deve ser discutido novamente no STJ, pois já havia sido avaliado pelo
plenário físico do STF em dezembro de 2022.
Outra questão apontada por Gisele é que Zanin, substituto do ministro
Ricardo Lewandowiski, não poderia votar pedindo a anulação do julgamento, como
fez, já que o ex-ministro do Supremo apresentou seu voto antes de se aposentar
e não contestou este ponto.
"O voto dele só seria permitido na questão da anulação e da reserva
de plenário caso a 'cadeira' que ele ocupa não tivesse votado. Ele não pode
adentrar na matéria que o ministro que se aposentou já tenha votado",
explica ela, lembrando norma do próprio STF.
Para o advogado João Badari, que representa o Ieprev (Instituto de
Estudos Previdenciários), os ministros irão respeitar o princípio da segurança
jurídica e, por isso, devem ser favoráveis à revisão, sem a devolução do
processo ao STJ. "O colegiado já garantiu a revisão da vida toda",
diz.
ENTENDA A REVISÃO DA VIDA TODA DO INSS
A revisão da vida toda é um processo judicial no qual os aposentados do INSS
pedem para incluir no cálculo da aposentadoria salários antigos, antes do Plano
Real, pagos em outras moedas.
Tem direito à correção o segurado que se aposentou nos últimos dez anos,
desde que seja com as regras anteriores à reforma da Previdência, instituída
pela emenda 103, em 13 de novembro de 2019. É preciso, ainda, que o benefício
tenha sido concedido com base nas regras da lei 9.876, de 1999.
O motivo pelo qual se discute o direito à revisão da vida toda é que a
reforma da Previdência de 1999 alterou o cálculo da média salarial dos
segurados do INSS, garantindo aos novos contribuintes regras mais vantajosas do
que para os que já estavam pagando o INSS.
Pela lei, quem era segurado do INSS filiado até 26 de novembro de 1999
tem a média salarial calculada com as 80% das maiores contribuições feitas a
partir de julho de 1994, quando o Plano Real passou a valer.
Mas quem passou a contribuir com o INSS a partir de 27 de novembro de
1999 e atingiu as condições de se aposentar até 12 de novembro de 2019 tem a
média calculada sobre os 80% maiores salários de toda sua vida laboral.
A reforma de 2019 mudou isso. Quem atinge as condições de se aposentar a
partir do dia 13 de novembro de 2019 tem a média salarial calculada com todas
as contribuições feitas a partir de julho de 1994.
A revisão é limitada. Em geral, ela compensa para quem tinha altos
salários antes do início do Plano Real, mas pode haver outros perfis
beneficiados, como segurados com salários baixos, mas que só têm pagamentos ao
INSS antes de 1994.
Em 2022, a tese vencedora foi a de que "o segurado que implementou
as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei 9.876, de
26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas
pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe
seja mais favorável."
COMO ESTÁ O PLACAR NO STF?
O STF havia dado início ao julgamento dos embargos de declaração na ação de
revisão da vida toda, no plenário virtual, em meados de 2023. Com a
aposentadoria de Lewandowski, Zanin assumiu cadeira na corte e pediu vista do
processo, para analisar melhor o caso.
Ao devolvê-lo, foi contra a revisão. O caso voltou a ser julgado no
plenário virtual, com votos diferentes entre Alexandre de Moraes, relator da
ação, Rosa Weber, que se aposentou e deixou sua posição nesta ação, e Zanin.
Edson Fachin e Cármen Lúcia seguiram o voto de Rosa. Barroso e Dias
Toffoli acompanharam Zanin. Com as divergências, Moraes pediu vista, levando o
caso ao plenário físico, e o processo foi pautado para 1º de fevereiro. No dia,
não foi julgado.