Foto: Divulgação / Ari Versiane / PAC
Vinte e nove organizações
sociais ou de proteção ao meio ambiente divulgaram nesta quarta-feira (31) uma
proposta de novas regras para autorizações de construção de parques de geração
de energia eólica e solar no país.
O objetivo é debater mecanismos
de proteção contra os riscos e os impactos que esses projetos impõem aos
territórios e aos seus habitantes. Em dezembro, reportagem da Folha de S.Paulo
mostrou que a corrida pela energia limpa tem intensificado conflitos socioambientais,
principalmente no Nordeste.
"Embora carreguem o rótulo
de energia limpa, a forma como as grandes usinas eólicas e solares e suas
linhas de transmissão vêm sendo instaladas no Nordeste brasileiro está longe de
ser inofensiva", diz o documento, intitulado "Salvaguardas Ambientais
para Energia Renovável".
As preocupações vão desde o
impacto sobre comunidades tradicionais e pequenos agricultores a questões
ambientais, como ameaça a espécies nativas e à flora —em 2022, a plataforma
MapBiomas detectou pela primeira vez desmatamento por usinas eólicas e solares
no Nordeste.
"O Brasil tem condições de
dar uma imensa contribuição para a descarbonização mundial", diz o texto.
"Mas isso não pode ser feito às custas de povos e de populações
historicamente exploradas, marginalizadas e vulnerabilizadas."
Uma das propostas é a definição
de zonas de exclusão para os empreendimentos, definidos a partir do diálogo com
os habitantes e das premissas ambientais de cada território, incluindo os
princípios da precaução e prevenção.
"O uso da terra para
produção de alimentos e água, conservação ambiental e manutenção dos
territórios, culturas e modos de vida de povos indígenas e comunidades
tradicionais não podem ser impossibilitados em detrimento da produção comercial
e em larga escala da energia."
Nesse sentido, o grupo propõe
que nesses territórios, a geração seja pautada em modelos solares
descentralizados, comunitários e autogestionados, com menor impacto sobre o
modo de vida e produção do que os grandes parques geradores, que ocupam vastas
áreas.
O documento propõe também regras
para os contratos entre empreendedores e proprietários de terra, considerados
pelas entidades abusivos, pelos longos prazos, restrições para uso da terra e
pelos valores pagos aos proprietários.
Nesse sentido, propõe apoio
jurídico às comunidades, maior remuneração e mitigação de danos também a
vizinhos, que muitas vezes sofrem os impactos mas não recebem compensação
financeira.
As entidades questionam ainda o
processo de licenciamento dos projetos, na maior parte dos casos feito por
órgãos ambientais estaduais. Segundo eles, o modelo é ineficaz, gera confusão
regulatória e falta de transparência processual e tem pouca participação
social.
"O licenciamento ambiental
deveria ser um importante instrumento para mitigar e compensar impactos e
danos. Mas, na prática, o
processo existente tem sido insuficiente para responder ao avanço das centrais
de geração de energia eólica e
solar no Nordeste", afirma o texto.
Em 2022, segundo o MapBiomas,
energias renováveis foram responsáveis pelo desmatamento de 4.291 hectares.
"O dado é especialmente preocupante pela expansão se dar em dois biomas
altamente ameaçados e pouco protegidos, o cerrado e a caatinga", dizem as
entidades.
Elas pedem ainda que a Aneel
(Agência Nacional de Energia Elétrica) considere aspectos socioambientais na
análise da outorga dos empreendimentos, que hoje considera principalmente
restrições do setor elétrico brasileiros.
Em entrevista à Folha em
dezembro, a presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Empresas de
Energia Eólica), Elbia Gannoun, reconheceu problemas na implatação de projetos
iniciais, mas disse que o setor vem atuando para resolvê-los e evitar sua repetição
no futuro.
A associação prevê lançar este
ano um guia de boas práticas para tentar melhorar o desenvolvimento dos
projetos e sua relação com as comunidades, sugerindo inclusive modelos de
contratos de arrendamento.
Já a Absolar, que representa
geradores solares, disse em nota que "ampla maioria destes empreendimentos
é construída em locais com menor densidade demográfica e em terrenos já
antropizados e de baixa produtividade, que normalmente não seriam aproveitados
para outras atividades".
A implantação dos projetos,
continuou, "atende a rigorosos requisitos legais, regulatórios e
ambientais, inclusive quanto ao seu licenciamento, mitigação e compensação de
eventuais impactos ao entorno" e é acompanhada de interações com comunidades
locais.
Um dos países com grande
potencial para liderar a transição energética, o Brasil dobrou sua capacidade
de produção de energia eólica e aumentou em seis vezes a capacidade de geração
solar nos últimos cinco anos.
E o ritmo deve se manter intenso
nos próximos anos: apenas em 2023, a Aneel (Agência Nacional de Energia
Elétrica) já concedeu outorga a 1.614 novos parques solares e 317 eólicos. Com
boa incidência de luz e sol, a região Nordeste e o norte de Minas Gerais
concentram a maior parte dos projetos.
"O Brasil precisa decidir
se a transição energética justa é de interesse nacional ou não", dizem as
entidades signatárias do documento lançado nesta quinta.
"Caso seja, precisa tratar
também seus territórios geradores de energia como prioritários, para que os
impactos na geração e na transmissão de energia sejam mitigados, danos sejam
evitados e a reparação esteja à altura."