Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil
Uma reunião interna da cúpula da
Abin (Agência Brasileira de Inteligência) convocada pelo atual diretor-geral,
Luiz Fernando Corrêa, na quinta-feira (25), dia da operação que mirava a
agência, entrou na mira da Polícia Federal. A PF convocou três servidores para
depor buscando informações sobre o teor do encontro.
A operação na quinta-feira
trouxe a público mais uma linha de investigação da polícia, além das que já
existiam na primeira fase da apuração, a de que a direção atual da Abin estaria
atrapalhando as investigações.
Embora isso tenha surgido nos
relatos do delegado responsável pelo caso para o ministro Alexandre de Moraes,
do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou a ação, não havia na decisão
do ministro nenhuma diligência a ser cumprida sobre o tema.
Após investigadores tomarem
ciência da reunião, a PF decidiu intimar servidores para depor nesta
sexta-feira (26). Um dos objetivos, de acordo com pessoas familiarizadas com o
inquérito, é apurar se a cúpula da Abin sob Lula tentou interferir nas investigações.
Na quinta-feira, a reunião
começou por volta das 11h, quando Moraes ainda não havia retirado o sigilo da
decisão em que autorizou a operação nas dependências da Abin.
Até então, não era de
conhecimento público que a atual cúpula da Abin também era citada pela PF no
pedido que motivou a operação que investiga a suposta espionagem ilegal da
agência.
De acordo com a PF, há indício
de "conluio" entre a atual gestão e servidores que atuaram no governo
passado e são investigados, o que a agência nega. Os agentes federais chegaram
ao prédio da Abin por volta das 6h e saíram de lá à noite.
Funcionários da agência negaram
qualquer tipo de tentativa de interferência e dizem que a reunião foi convocada
para gestão de crise, o que, dizem, é normal em situações em que o órgão tem a
sua imagem atingida por algo de vulto.
Investigadores da Polícia
Federal relataram no pedido a Moraes haver indícios de que a cúpula da Abin
tentou obstruir antes as investigações.
Eles dizem ainda que os
diretores da agência barraram o acesso a documentos e por isso foi necessário
realizar medidas de busca e apreensão na sede da agência mais de uma vez. Além
disso, apontam que a cúpula do órgão chegou a passar informações erradas à PF,
dificultando a apuração.
Já servidores da Abin negam
esses relatos e dizem que nenhum pedido da PF relativo a essa investigação
ficou sem resposta.
A operação desta quinta-feira
mirou o ex-diretor da agência Alexandre Ramagem, que comandou o órgão na gestão
de Jair Bolsonaro e hoje é deputado federal, e outros policiais que trabalham
no órgão.
Para a PF, houve "conluio
de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin", que teria
causado prejuízos à investigação e também à própria agência.
O órgão cita o número dois da
agência, Alessandro Moretti, e diz que, em reunião com investigados, ele
afirmou que a apuração sobre o caso tinha "fundo político e iria
passar". Moretti é delegado da PF.
Para pessoas envolvidas no caso,
houve falta de vontade por parte da cúpula da Abin de elucidar a investigação.
A Abin também nega esses pontos.
Integrantes da agência ressaltam que no dia da citada reunião de Moretti, no
final de março, os servidores não estavam sendo investigados ainda. E que o
"fundo político" citado se referia à rixa de bastidor entre a cúpula
das duas corporações, Abin e PF, não a investigações.
A primeira vez que a PF realizou
operação nas dependências da Abin ocorreu em outubro, também autorizada por
Moraes, para apurar uso irregular de seu sistema de geolocalização.
Já a tomada de depoimentos desta
sexta-feira acontece quando o comando da agência corre risco de exoneração.
Aliados do presidente Lula apostam na saída de Moretti e têm dúvidas sobre a
permanência do diretor-geral.
A operação da PF na quinta-feira
ocorre numa investigação sobre o suposto uso político da Abin contra
adversários políticos do ex-presidente Bolsonaro.
O principal alvo da operação é
Ramagem, pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. A PF chegou a pedir a
suspensão do mandato do parlamentar, mas a medida não teve a concordância da
PGR e foi negada por Moraes.
As suspeitas que vieram à tona
na operação causaram reação política em Brasília, com a presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, falando em "um dos maiores escândalos da história" e
a "ponta de um novelo que envolveu dezenas de milhares de pessoas".
Por outro lado, o caso deve
causar ainda mais tensão na relação de parte do Congresso com o Supremo, já que
foi a segunda operação em pouco mais de uma semana com buscas dentro da sede do
Legislativo.
Bolsonaristas tentam articular
medidas para rever os poderes do STF na volta do recesso, em fevereiro, e dizem
que há perseguição política.
O deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) escreveu em rede social: "Mais um capítulo da ditadura
do Judiciário. Cabe ao Senado brecar esta perseguição e preservar as
liberdades".
A PF mira o uso pela Abin do
software espião FirstMile, de fabricação israelense, e apura se a agência
produziu relatórios sobre ministros do STF e opositores de Bolsonaro. Em outra
frente, a investigação encontrou indícios de que a Abin atuou para fornecer
informações sobre investigações em andamento para Jair Renan e Flávio
Bolsonaro, filhos do ex-presidente.
O deputado Ramagem negou
qualquer utilização ou relação com softwares de espionagem da Abin.
"Nenhum plano de operação, em três anos de Abin, assinado por mim,
colocava a utilização do FirstMile [como um pedido]", disse o deputado, em
entrevista à GloboNews nesta quinta-feira.
A operação, batizada de
Vigilância Aproximada, investiga uma "organização criminosa que se
instalou na Abin com o intuito de monitorar ilegalmente autoridades públicas e
outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis
sem a devida autorização judicial".
O programa espião investigado
pela PF tem capacidade de obter informações de georreferenciamento de
celulares. Segundo pessoas com conhecimento da ferramenta, não permite acesso a
conteúdos de ligação ou de trocas de mensagem.
De acordo com a PF, a "Abin
Paralela" criada na gestão Ramagem tentou atrelar Moraes e o também
ministro do STF Gilmar Mendes à facção criminosa PCC. Para a corporação, as
informações sobre a tentativa de ligar os ministros ao PCC foram encontradas em
documentos apreendidos na Abin.