Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
Uma ala do centrão encara com
desconfiança a promessa do governo Lula (PT) de devolver os R$ 5,6 bilhões
cortados em emendas parlamentares.
Aliados dos presidentes da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm dito
que, sem uma solução, o veto do presidente será derrubado.
Para tentar evitar uma derrota,
o governo deflagrou uma operação para dar uma justificativa à cúpula do
Congresso sobre a tesourada na verba de interesse de deputados e senadores,
anunciada na segunda-feira (22). Nessas conversas de bastidores, auxiliares de
Lula procuram preparar o terreno para eventual frustração no plano de recompor
integralmente os R$ 5,6 bilhões em emendas.
Integrantes do governo têm
buscado traçar a líderes parlamentares um cenário de dificuldade orçamentária
que precisa ser considerado.
Deputados e senadores estão
céticos em relação à disposição do Planalto de recuperar o valor cortado. Na
avaliação deles, há chances de o ministro Fernando Haddad (Fazenda) fazer ainda
mais cortes no Orçamento em pleno ano eleitoral.
Os ministros Rui Costa (Casa
Civil) e Haddad se mobilizaram para ligar para os presidentes das duas Casas
para justificar o veto de Lula. De Lira, ouviram que é prerrogativa do governo
vetar propostas, assim como é do Congresso derrubar o veto.
O próprio Lula entrou em campo.
Na terça, ele prometeu durante uma entrevista explicar os vetos. Ele declarou
estar satisfeito com a relação do Executivo com os congressistas e criticou
Bolsonaro, dizendo que ele "não tinha governança nesse país".
"Na questão das emendas, o
ex-presidente não tinha governança nesse país. Eu vou repetir: ele não tinha
governança, quem governava era o Congresso Nacional. Ele não tinha sequer
capacidade de discutir Orçamento. Porque ele não queria ou porque não fazia
parte da lógica deles. O que ele queria é que deputados fizessem o que eles
quisessem", afirmou em entrevista à rádio Metrópole, da Bahia.
Segundo o presidente, o seu
governo estabeleceu uma "relação democrática" com o Congresso, com
ministros conversando diariamente com lideranças da Câmara e do Senado. "E
as coisas estão indo. Se não 100% do que a gente queria, mas está indo um
percentual razoável, 60%, 70% daquilo que a gente quer."
Lula afirmou ainda que negocia
com os congressistas "sempre" e que dialogar com a Câmara "é
sempre um prazer, é sempre difícil". "Eu negocio com o Congresso
sempre. Ontem [segunda-feira] eu tive que vetar o Orçamento, R$ 5,6 bilhões [em
emendas]. E tenho o maior prazer de juntar lideranças e conversar com elas e
explicar porque foram vetados."
Cabe ao senador Rodrigo Pacheco
convocar a sessão do Congresso que tem poder de analisar e eventualmente
derrubar o veto do presidente da República. Outro ato de Lula que corre risco é
o veto ao dispositivo aprovado pelo Congresso que estabelecia um cronograma
para liberação do recurso das emendas para as obras e municípios escolhidos
pelos parlamentares.
Integrantes do governo admitem a
dificuldade de se encontrar uma saída para devolver os R$ 5,6 bilhões. Eles
citam como possibilidade a edição de um projeto de crédito suplementar, mas
dizem que é preciso considerar a situação das contas públicas e que a solução
dependerá das conversas com o Parlamento nos próximos dias. A hipótese de se
negociar um valor abaixo do que foi vetado também está na mesa.
No encontro de Lula com
representantes do Congresso nesta semana, não houve críticas ao valor recorde
de emendas parlamentares neste ano, que ultrapassa R$ 47 bilhões mesmo após os
vetos.
Porém aliados de Lula e
auxiliares do presidente dizem que o apetite dos parlamentares por mais poder
no Orçamento agrava a situação do governo, que tem curta margem para ampliar
gastos.
O dinheiro das emendas tem sido
usado com critérios políticos, e não técnicos. Ou seja, a verba do governo
federal é enviada a redutos de deputados e senadores, sem que ocorra
necessariamente uma avaliação sobre a sua necessidade. Na prática, programas federais
têm sido esvaziados.
Haddad já enfrenta dificuldades
em parte de sua agenda no Congresso. No fim de dezembro, ele editou uma MP
(Medida Provisória) que reonera a folha de pagamentos de setores da economia.
Isso gerou fortes críticas entre
deputados e senadores, que acusaram o ministro de insistir numa política que já
tinha sido rejeitada em votação pelo Parlamento.
Integrantes do governo admitem
que, sem essa medida, o Orçamento fica ainda mais apertado e os cortes
aplicados por Lula teriam que ser ainda maiores. Por isso, o ministro da
Fazenda tem resistido a desistir da MP, pois seria forçado a mais tesouradas em
março.
Nesta semana, Haddad se reuniu
com um grupo de líderes partidários da Câmara e tratou de medidas legislativas
que foram propostas pela Fazenda, sendo uma delas a MP da reoneração.
Segundo relatos, o ministro
tentou "sentir a temperatura" entre os deputados de como a medida foi
recebida. Uma das propostas que está na mesa é a de dar mais prazo para os
setores se adequarem à medida. Apesar de Haddad não ter entrado em detalhes,
líderes avaliaram que isso seria uma alternativa para diminuir as resistências
de parlamentares com a MP.
Em ano eleitoral, o Congresso
Nacional chegou a aprovar um valor recorde de R$ 53 bilhões para emendas. Mesmo
com o veto de Lula, o saldo será cerca de R$ 47,5 bilhões, o que ainda
representará um patamar sem precedentes para atender a parlamentares.
O corte se deu nas emendas de
comissão. Líderes admitem que as emendas de comissão vão funcionar como as
extintas emendas de relator, que eram a principal moeda de troca nas
negociações do governo Bolsonaro e do Legislativo. O mecanismo das emendas de
relator foi derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no fim de 2022.
O veto decidido na segunda-feira
se soma a outros atritos que a gestão do petista teve com o Congresso nos
últimos meses, como quando contrariou os parlamentares ao tentar reonerar a
folha de pagamento ou ao vetar lei aprovada sobre o marco temporal das terras
indígenas.
Lula foi eleito em 2022 com
minoria no Legislativo e teve um primeiro ano de mandato marcado por
dificuldades na articulação política com o centrão. Em setembro, nomeou dois
ministros indicados pelo centrão, na tentativa de melhorar a relação com os
parlamentares, mas a iniciativa teve efeitos reduzidos.