Foto: Defesa Civil Betim
Ediléia Aparecida de Oliveira,
45, tinha o rio Paraopeba como fonte do sustento de sua família. Pescadora,
filha de pescadores e, agora, com cinco filhos pescadores, viu a tradição da
família ficar em risco com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG),
há cinco anos, em 25 de janeiro de 2019.
A pescadora mora em Abaeté, na
região central de Minas Gerais, um dos 26 municípios sob influência do
Paraopeba considerados oficialmente como impactados pelo colapso da represa da
mineradora.
Ediléia continua subindo em seu
bote para seguir no ofício, mas enche os olhos ao contar o que presencia no
meio do rio. "O peixe, mesmo vivo, está fedendo", diz.
A família de Ediléia --o marido
também é pescador-- retirava R$ 3.000 mensais com a pesca antes do rompimento
da barragem. "Hoje não chega a R$ 600", relata.
Uma portaria do governo do
estado publicada em 28 de fevereiro de 2019, em vigor até hoje, recomenda que a
água do rio Paraopeba não seja utilizada seja qual for o fim --uso humano,
animal, pesca, irrigação ou banho.
A Vale, por sua vez, afirma que
mais de 6,7 milhões de resultados indicam que a qualidade das águas do
Paraopeba hoje é semelhante à verificada antes do rompimento, "sobretudo
em períodos secos".
A empresa diz ainda, em nota,
que o plano fechado para recuperação da bacia do Paraopeba prevê aporte
"em valor estimado em R$ 5 bilhões", custeado pela mineradora, e com
acompanhamento de órgãos competentes e auditorias ambientais.
Segundo a pescadora, com os
problemas que os peixes aparentam ter, os compradores do produto na região para
revenda, os chamados "peixeiros", desapareceram. "Se querem, é
por um preço muito baixo", afirma.
Levantamento feito pelo
Instituto Guaicuy, uma das assessorias técnicas responsáveis pelo
acompanhamento dos impactos do rompimento da barragem de Brumadinho no meio
ambiente, identificou metais pesados como arsênio, cádmio, chumbo e mercúrio em
peixes em pontos ainda mais a jusante, em Felixlândia (MG), também na região
central do estado, a 223 km de Brumadinho.
O instituto é responsável pelo
acompanhamento das condições ambientais pós-tragédia na região mais distante de
Brumadinho, no baixo Paraopeba, onde o curso d'água se encontra com a represa
de Três Marias.
Além de Abaeté e Felixlândia,
também estão nesta região municípios como Curvelo e Pompéu.
Segundo o levantamento, que
tomou por base amostras de 1.605 peixes, até 56% dos exemplares, dependendo da
região, apresentaram resultado positivo para metais pesados em índices
superiores aos admitidos para ingestão humana.
Entre os peixes analisados
estavam espécies comumente utilizadas para consumo humano como traíra e piau. O
levantamento foi concluído pelo Instituto Guaicuy em 2022, mas até hoje
moradores, pescadores e peixeiros não têm certeza de como proceder.
"O que a gente mais ouve da
população é 'posso pescar?', 'posso comer peixe'?, 'posso nadar no rio?'",
diz o diretor do instituto Guaicuy, Marcus Vinícius Polignano, que participou
de encontro com atingidos nesta quarta (24) em Belo Horizonte, no qual esteve
também a pescadora Ediléia.
"Falta informação para a
população", acrescenta o diretor.
Polignano afirma que outros
levantamentos poderiam ter sido feitos pelo instituto nos últimos anos, mas
houve corte de recursos para as assessorias técnicas que trabalham diretamente
com os atingidos.
A Semad (Secretaria do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais), responsável pelo Igam
(Instituto Mineiro das Águas), afirma que segue em vigor a recomendação
publicada em 28 de fevereiro de 2019 de não utilização da água bruta do Paraopeba
para qualquer fim, como medida preventiva.
A recomendação vale para todo o
curso do rio entre Brumadinho e a hidrelétrica de Retiro Baixo, ao norte de
Pompéu, próximo à barragem de Três Marias, município que está 60 km a oeste da
cidade de Abaeté, da pescadora Ediléia. Os dois municípios fazem divisa.
A pasta diz ainda que realiza
monitoramento emergencial mensal em 14 pontos da bacia do Paraopeba.