Foto: MST/RJ
A Abin (Agência Brasileira de
Inteligência) produziu em 2005, durante o primeiro governo Lula (PT), relatório
sobre as atividades do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no
qual apontava frustração do grupo com a gestão petista.
Para os oficiais de
inteligência, o movimento social "alimentava a expectativa" de ter o
governo como aliado para mobilizar a reforma agrária nos debates com a Justiça
e o Congresso Nacional.
O documento afirma que, na
leitura do MST, o governo "optou por não ir para o enfrentamento, manteve
restrições legais que limitam as ações de movimentos sociais, descaracterizou o
PNRA [Plano Nacional de Reforma Agrária]".
"Mostrou quem era seus
aliados e preferiu investir no agronegócio seguindo a reflexão de que 'é
preciso tratar bem e por primeiro os inimigos, para que não se revoltem; os
amigos saberão esperar", diz ainda o relatório.
A análise da agência consta em
relatório de 32 páginas, marcado como secreto -sob as regras da época,
significava 30 anos de sigilo.
Os papéis foram divulgados após
pedido baseado na Lei de Acesso à Informação, mas a Abin decidiu tarjar alguns
trechos, inclusive aqueles que mostrariam qual setor da agência elaborou a
análise e para quais órgãos ela foi enviada.
O começo do relatório promete
traçar a trajetória e os objetivos do MST e diz que os trabalhos até então
disponíveis pouco haviam avançado "no lado considerado mais obscuro"
do movimento. "Possivelmente por simpatias e conveniências com as práticas
do Movimento, ou por falta de material que permitisse dar a verdadeira visão
dos objetivos táticos e estratégicos dele."
Apesar de sinalizar abordagem
negativa sobre o MST, o documento não se refere às atividades do grupo como
criminosas e pouco usa o termo "invasão".
A insatisfação do grupo com o
governo Lula também já era pública quando o relatório foi difundido.
Durante a edição de 2005 do
Grito dos Excluídos, por exemplo, o economista João Pedro Stedile, um dos
fundadores do MST, disse que "o governo [Lula] acabou", criticou
alianças do Planalto com Renan Calheiros (MDB) e José Sarney (MDB) e declarou
que o movimento se sentia constrangido com a gestão petista.
Para os agentes da Abin, o MST
ainda temia uma guinada autoritária do governo contra o movimento social.
"O MST não acreditava que o
governo do presidente Luís (sic.) Inácio Lula da Silva tinha sepultado a ideia
de ameaçar o movimento com repressão e violência e julgava que acreditar nisso
seria 'ingenuidade imperdoável'", afirma o documento.
"Na ótica do MST, o
governo, na medida em que as ocupações se avolumassem, acionaria o aparelho do
Estado por meio do Judiciário, da PF, da Abin, e utilizaria a Lei para manter a
ordem pública", diz ainda o mesmo relatório de inteligência.
O MST estabeleceu relação de
"dubiedade" com o governo, diz a Abin, pois mesmo decepcionado, o
movimento manteve diálogo com o Planalto, não considerou romper com Lula e viu
possibilidade de avanço da reforma agrária, ainda que em formato distante
daquele idealizado pelo grupo.
"Em síntese, o MST deixa
claro que a questão não é de romper com o governo, pois um movimento social não
pode se comportar como um partido político que necessita fazer oposição para se
afirmar. O movimento, adianta o MST, precisa de vitórias e estas podem vir com
maior ou menor entendimento com o governo, menos as custas de cooptação",
afirmam os agentes de inteligência.
No mesmo relatório, a Abin tenta
analisar as razões da fundação do MST, em 1984, e posicionar o movimento no
espectro político.
"Mesmo que publicamente não
assuma ou admita, tem e acredita no socialismo científico, inspirado nas
teorias de Marx e Engels, desenvolvidas por Lênin e outros revolucionários
proletários, como referência filosófica para superar o capitalismo."
Os agentes também descrevem as
diferenças de atuação do MST em cada governo. Para a Abin, o grupo sentiu-se
vulnerável sob Fernando Collor e inimigo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Reportagem do site The Intercept
Brasil mostrou que agentes de inteligência do governo FHC monitoraram as
atividades do MST. Neste caso, os relatórios foram elaborados pela SAE
(Subsecretaria de Assuntos Estratégicos), que seria substituída pela Abin anos
mais tarde.
Na gestão tucana, segundo a
Abin, o movimento ampliou a "formação permanente" dos militantes e
incorporou a teoria da "resistência de massa", afirma o relatório.
"O MST entendia que o
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tratava os movimentos sociais
como inimigo de classe e adotava a estratégia dentro da concepção de guerra da
'baixa intensidade', visando destruí-los politicamente; empregava como tática o
uso intensivo da mídia para desmoralizá-los; aplicava a repressão da polícia,
por intermédio de órgãos de inteligência; e inviabilizava os assentamentos por
meio da asfixia de recursos econômicos; criava entulhos autoritários para
criminalizar a reforma agrária, e desmobilizava a luta e desgastava os
dirigentes do MST", diz a Abin.
O relatório da Abin não permite
concluir se a agência obteve informações sobre o MST em fontes abertas, como
documentos e estudos acadêmicos, ou infiltrando oficiais de inteligência.
O documento é de setembro de
2005, mas não revela a data exata em que foi elaborado. No começo daquele mês,
o comando da Abin passou para as mãos de Márcio Paulo Buzanelli, militar que
havia atuado no SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão criado pela
ditadura militar e antecessor da Abin.
Chefe anterior da Abin, o
policial federal Paulo Lima e Silva havia dito que o MST não era
"problema" da agência. "O problema é a questão agrária",
declarou à Folha de S.Paulo em 2004.
Em 2009, em sabatina no Senado
para assumir o comando da agência, o oficial de inteligência Wilson Trezza
disse que a Abin monitorava movimentos sociais quando havia "ameaça ao
patrimônio público". No mesmo ano, a Folha revelou que o governo pagava a
uma empresa de comunicação de fachada que espionava movimentos como o
MST.