Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Os reajustes elevados dos planos
de saúde e o descredenciamento de serviços médicos têm provocado um aumento na
busca por mudança de operadora sem a obrigatoriedade de cumprir novas
carências, mas os beneficiários enfrentam entraves para fazer a portabilidade
prevista em lei.
Entre 2022 e 2023, o número de
queixas de usuários sobre dificuldades impostas pelas operadoras para fazer
essa mudança teve um salto de 44% (2.362 para 3.404), segundo dados da ANS
(Agência Nacional de Saúde Suplementar.
No Idec (Instituto de Defesa do
Consumidor), a proporção dessas reclamações mais do que triplicaram. Em 2022,
elas representavam 3% do total de queixas contra planos de saúde. Em 2023,
saltaram para 10%, de acordo com números preliminares do instituto. O relatório
completo sai em março.
No mesmo período, a ANS
registrou uma alta de 13,5% na buscas de informações sobre portabilidade de
carência. Passaram de 333.133, em 2022, para 378.220 em 2023. Não há dados
disponíveis sobre a quantidade de portabilidades efetivadas de fato.
Segundo a advogada Marina
Paullelli, do programa de saúde do Idec, as principais razões que levam o
consumidor a pedir a mudança são os altos reajustes das mensalidades e o
descredenciamento de profissionais, de hospitais e outros serviços de saúde.
Nos dois últimos anos, os planos
coletivos por adesão tiveram aumentos acima de 20%. Neste ano, o percentual
deve variar entre 20% e 25%, segundo estimativa da consultoria Arquitetos da
Saúde. A inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo) fechou o acumulado de 2023 em 4,62%.
Esses também foram os principais
motivos que levaram os beneficiários a consultar a ANS sobre a portabilidade:
40% buscam um plano mais barato, 21% procuram uma melhor qualidade na rede
prestadora, e 18% alegam cancelamento de contrato.
Paullelli afirma que os idosos
são o grupo que mais enfrenta dificuldades para fazer a portabilidade sem
carência. "Muitas vezes os planos impõem barreiras a esses consumidores,
condutas discriminatórias, o que é vetado por lei, ou é valor das mensalidades
que não se adequada ao consumidor."
Ela diz que embora a ANS
disponha de um guia explicativo de como fazer a portabilidade, consumidores com
dificuldade de acesso à internet têm uma barreira adicional.
Escritórios de advocacia também
observam aumento na procura por outros grupos relatando entraves com as
operadoras, como pessoas que estão em tratamento, casais que se divorciaram,
filhos que atingiram a maioridade e beneficiários que, após a demissão, perderam
seus planos e agora tentam fazer a portabilidade para um novo.
Após dez anos de trabalho em uma
instituição financeira, a administradora Ylanna Lais, 30, foi dispensada e teve
direito de manter o plano empresarial por dois anos.
No final do ano, ao buscar a
portabilidade de carência para um plano coletivo por adesão, diz que passou a
enfrentar uma série de dificuldades colocadas pela operadora.
"Cada hora eles alegam uma
coisa. No início do ano, disseram que já tinha passado o prazo para fazer a
portabilidade, o que não é verdade. Tenho até o fim do mês. Agora, não consigo
falar nem com a ouvidoria do plano. Se fosse para uma nova contratação, já
estaria tudo resolvido." Ela registrou uma queixa na ANS e estuda
ingressar com ação judicial.
"O consumidor tem direito a
fazer a portabilidade, mas nada disso está sendo respeitado. As operadoras
criam argumentos que não estão na resolução da ANS para recusar", diz o
advogado Rafael Robba, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, especializado
em direito à saúde.
Segundo ele, o processo de
portabilidade, que deveria proporcionar liberdade de escolha e estimular a
competição entre as operadoras, tem sido prejudicado por obstáculos criados
pelas próprias empresas.
No Tribunal de Justiça de São
Paulo, 85% das decisões judiciais sobre esse tema têm sido favoráveis ao
beneficiário, de acordo com um levantamento feito por Robba, que está
terminando um doutorado na USP sobre a saúde suplementar.
Em consulta sobre o tema no site
do TJ, a Folha encontrou mais de 2.000 processos relativos à portabilidade. No
último dia 6, por exemplo, o desembargador José Carlos Ferreira Alves concedeu
tutela de urgência em que determina que um plano de saúde autorize a
portabilidade sem cumprimento do período de carência a uma família com seis
integrantes que tinha contrato com uma operadora que encerrou as atividades
neste mês.
Ao pedir a portabilidade para
uma nova operadora, a família teve recusa. Um dos integrantes está em
tratamento médico devido a uma fratura. O desembargador se embasou em resolução
da ANS que autoriza a portabilidade especial de carências na hipótese de cancelamento
de registro do plano de origem.
Em nota, a ANS disse que as
reclamações que estão em análise têm como base os relatos dos beneficiários e
não possuem análise de mérito sobre eventual infração da operadora de planos de
saúde ou das administradoras de benefícios. "A identificação de possíveis
condutas infrativas só é feita após a análise individual das demandas."
Também orienta o usuário que
estiver enfrentando problemas para realizar a portabilidade para que procure,
inicialmente, a operadora pretendida para que ela resolva o problema.
"A ANS disponibiliza o
telefone das ouvidorias dos planos em seu portal na internet. Caso a questão
não seja resolvida, registre reclamação junto à ANS nos canais de
atendimento."
Para Marcos Novais,
superintendente executivo da Abramge (Associação Brasileira de Planos de
Saúde), o volume de queixas está associado a um maior número de pessoas com
planos de saúde que têm utilizado mais a opção da portabilidade.
"A gente vai trabalhar para
aperfeiçoar o mecanismo para que ele continue sendo a opção dos beneficiários
na busca do melhor produto e que traga mais valor."
Em nota, a Fenasaúde (Federação
Nacional de Saúde Suplementar) informa que as operadoras associadas seguem
estritamente as normas estabelecidas pela ANS para a execução da portabilidade.
"Esse processo é feito
sempre com transparência, devendo ser considerados fatores como compatibilidade
de preços e de modalidade de plano, assim como o cumprimento de prazos mínimos
de permanência."
VEJA COMO FAZER A PORTABILIDADE
DE CARÊNCIAS:
Quem tem direito à
portabilidade?
Todos os beneficiários de planos
de saúde contratados a partir de 01/01/1999 ou adaptados à Lei dos Planos de
Saúde (lei n° 9.656/98).
Ela vale para qualquer
modalidade de plano?
Sim. É válida a todas
modalidades de contratação (planos individuais, coletivos empresariais e
coletivos por adesão)
Quais outros requisitos são
necessários?
O plano de destino deve ter
faixa de preço compatível com o plano atual
O contrato deve estar ativo, ou
seja, o plano atual não pode estar cancelado
O beneficiário deve estar em dia
com o pagamento das mensalidades
O beneficiário deve ter cumprido
o prazo mínimo de permanência no plano:
1ª portabilidade: dois anos no
plano de origem ou três anos se tiver cumprido CPT (Cobertura Parcial
Temporária) para uma doença ou lesão preexistente.
2ª portabilidade: se já tiver
feito portabilidade antes, o prazo de permanência exigido é de pelo menos um
ano; ou de dois anos caso tenha feito portabilidade para o plano atual com
coberturas não previstas no plano anterior.
Como saber se meu plano é
compatível para a portabilidade?
Consulte o Guia ANS de Planos de
Saúde, no portal da ANS, para identificar o seu plano de origem e verificar
quais são os planos de saúde compatíveis com o seu para fins de portabilidade
de carências
Ele deve estar em faixa de preço
igual ou menor que a do seu plano atual (as faixas de preço são definidas pela
ANS). O guia faz, automaticamente, a comparação entre os planos de acordo com o
valor da mensalidade.
Quais documentos são necessários
para pedir a portabilidade?
Comprovante de pagamento das
três últimas mensalidades ou declaração da operadora do plano de origem ou do
contratante informando que o beneficiário está em dia com as mensalidades;
Comprovante de prazo de
permanência: proposta de adesão assinada ou contrato assinado ou declaração da
operadora do plano de origem ou do contratante do plano atual;
Relatório de compatibilidade
entre os planos de origem e destino ou nº de protocolo, ambos emitidos pelo
Guia ANS de Planos de Saúde;
Se o plano de destino for
coletivo, comprovante de que está apto para ingressar no plano. No caso de
empresário individual, comprovante de atuação para contratação de plano
empresarial.
Quanto tempo o novo plano tem
para analisar o pedido?
A operadora do plano de destino
tem até dez dias. Se não responder no prazo, a proposta de portabilidade de
carências será considerada aceita.
Após o aceite da portabilidade,
o que eu devo fazer?
Entre em contato com a operadora
do plano de origem para informar que exerceu a portabilidade de carências e
solicite o cancelamento do plano em até cinco dias do início do novo plano.
Caso descumpra esse prazo, poderá ser exigido o cumprimento de carências no
novo plano pela operadora de destino.