Foto: Reprodução / Metrópoles
A evasão escolar não é uma novidade no Brasil. Por ano, cerca de 500 mil
jovens brasileiros acima de 16 anos acabam não completando os estudos e ficam
pelo meio do caminho, de acordo com dados do estudo “Combate à Evasão no Ensino
Médio: desafios e oportunidades”, publicado em abril de 2023 pelo Sistema
Firjan Sesi, em parceria com Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD).
Como as dificuldades financeiras tendem a ser o principal motivo -
apesar de não ser o único - que gera a evasão escolar, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) sancionou, na terça-feira (16), o projeto de lei que cria uma bolsa permanência para
alunos de baixa renda que estão cursando o Ensino Médio. O problema
é que, na visão de especialistas procurados pelo Bahia Notícias, o Pé de Meia -
como é chamado o programa - apesar de ser uma boa ideia, não garante que a
evasão escolar seja solucionada no Brasil.
O economista, doutor em Relações Internacionais e presidente do Conselho
Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Igor Lucena, destacou que a
iniciativa não vai causar grandes impactos negativos aos cofres da União, uma
vez que o orçamento do Ministério da Educação (MEC) compreende cerca de 25% dos
valores disponíveis pela máquina pública. No entanto, ele tem dúvidas se o Pé
de Meia tem condições de, efetivamente, ajudar na diminuição da desistência de
estudantes brasileiros em permanecerem nas escolas.
“Acho que gerar uma poupança para os estudantes, de certa maneira,
melhora o estímulo para ele continuar nos estudos, tendo em vista que um dos
maiores problemas do nosso país na área de educação é a evasão escolar. Por
outro lado, ela não resolve um outro problema que é a qualidade de educação.
Quando a gente faz uma análise sobre gastos educacionais, cada vez mais, o
Brasil gasta mais com educação, seja em aumentos de salários de professores ou
novas escolas, mas a gente não faz uma análise sobre como é o resultado desse
gasto. E a gente está caindo dentro das operações do Pisa [Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes]. É algo positivo [o Pé de Meia], mas
o grande questionamento é se isso de fato vai tornar em realidade a melhora da
evasão escolar. Eu acho que esse é um dos principais pontos que tem que ser
analisado”, revelou o especialista.
No Brasil, apenas 60,3% dos estudantes completam o ciclo escolar até os
24 anos, ainda de acordo com o estudo “Combate à Evasão no Ensino Médio:
desafios e oportunidades”. Entre os mais pobres, o número dos que concluem o
ensino médio é de 46% contra 94% dos estudantes mais ricos. De acordo com o
Doutor em Educação e Professor da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade
Federal da Bahia (Ufba), Herbert Gomes, 15% dos estudantes baianos em algumas
séries, principalmente no terceiro ano do ensino médio, acabam desistindo de
completar os estudos. “É uma questão histórica que precisa ser enfrentada e ela
é marcada por diversos fatores, como fatores econômicos e acesso à educação.
Então é preciso investir em ações para que esses jovens permaneçam nessas escolas
públicas, principalmente relacionados às questões de vulnerabilidade
socioeconômica e de outros recortes sociais que ampliam essas desigualdades”,
destacou o pesquisador.
De acordo com o governo, o decreto também irá definir o valor da bolsa
permanência, as formas de pagamento, critérios de operacionalização e o uso da
poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar. O MEC já repassou R$
6,1 bilhões para o pagamento do incentivo financeiro e deve repassar, ainda,
mais R$ 1 bilhão para custear o programa em 2024. Pelo texto, serão
beneficiados estudantes de baixa renda regularmente matriculados no ensino
médio nas redes públicas, em todas as modalidades, e pertencentes a famílias
inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico) cuja renda per capita mensal seja igual ou inferior a R$ 218. Para a
modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), os estudantes elegíveis estão na
faixa entre 19 e 24 anos.
Hebert Gomes acredita que toda ação oriunda de uma política pública para
assegurar uma qualidade na educação, regida pelo acesso, permanência e
aprendizagem, é muito bem-vinda e pode trazer resultados positivos, mas destaca
que o Pé de Meia é apenas a ‘ponta do iceberg’, já que não traz,
necessariamente, soluções para todos os problemas que estão por detrás da
evasão escolar.
“É preciso estar atento para garantir o acesso e a frequência, e, logo,
a permanência, depende de uma escola com estrutura adequada, com metodologias e
práticas de ensino contextualizadas, e que possua um valor para as juventudes.
Isso é possível com políticas que se complementam a partir da valorização dos
docentes, melhorias de infraestrutura e recursos. Depende de uma escola com
estrutura adequada, com metodologias e práticas de ensino contextualizadas e
que possua um valor para as juventudes e outros recursos que impactam
diretamente sobre os aspectos didáticos da escola”, informou o doutor em
Educação.
O QUE GERA A EVASÃO ESCOLAR?
Não são apenas questões econômicas que impulsionam esse fenômeno. O
desencantamento pelo ensino, questões logísticas e a ‘uberização’ são alguns
fatores que contribuem para esse processo, de acordo com o doutor em Ciências
Sociais e professor de sociologia da Universidade Federal do Recôncavo Baiano
(UFRB), José Raimundo Santos.
“Estar na escola não encanta mais. As pessoas olham para frente, para as
redes e vêem pessoas com baixa escolaridade tendo sucesso nas redes sociais,
sucesso, muitas vezes, maior do que sujeitos que têm escolaridade completa,
ensino médio, ou até mesmo nível superior. Vê as histórias do nível superior
dirigindo Uber e etc. Isso é um contraponto muito forte. [...] Outra questão é
a distância das escolas. Em algumas cidades do interior, têm vezes que os
alunos não vão assistir à aula porque o ônibus não tem gasolina. Você tem uma
questão de logística também que impede que o aluno chegue à escola. Então eu
acho que vale a pena investigar esse campo também”, declarou o especialista.
Um relatório anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), divulgado no ano passado, aponta o Brasil como o segundo
país, de um total de 37 analisados, com a maior proporção de jovens com idade
entre 18 e 24 anos que não estudam e não trabalham, ficando atrás apenas da
África do Sul. Nessa faixa etária, 36% dos jovens brasileiros não estão tendo
acesso à formação formal e estão sem trabalho.
Na visão do doutor em Ciências Sociais, esse fenômeno evidencia uma
falha do Estado e da sociedade. “Nossa sociedade é muito desigual, na forma de
acolher os indivíduos nas suas profissões, acolher os indivíduos no mercado de
trabalho. E ainda existe uma baixa remuneração, então isso contribui também
para que muita gente opte por ficar no trabalho individual, no trabalho meio
que empreendedor. Então isso também é forte”, declarou José Raimundo.