Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Um eventual estouro da meta de déficit zero em 2024 pode tirar até R$
16,2 bilhões do espaço fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em
2026, ano de disputa presidencial. O petista deve tentar a reeleição.
O redutor de despesa está previsto no novo arcabouço fiscal. A medida
serve de punição para caso de descumprimento da meta estabelecida em lei.
A estimativa foi obtida pela Folha de S.Paulo com base em cálculos
internos do Executivo que embasam as discussões no governo sobre o impacto de
mudar ou não o alvo para as contas públicas.
O risco de ter de frear as despesas em ano de eleições gerais está por
trás do debate dentro do governo em torno da flexibilização da meta perseguida
para as contas públicas em 2024.
Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) insiste no déficit zero,
estimativas do mercado financeiro indicam que esse objetivo será descumprido.
No Boletim Focus, a previsão é de um rombo de 0,8% do PIB (Produto Interno
Bruto), mais que o déficit de 0,25% do PIB permitido pela banda de tolerância.
Sem uma mudança na meta, a concretização desse cenário vai disparar
gatilhos de contenção de gastos em 2025 e 2026. As punições mais duras, que
progressivamente limitarão o espaço fiscal, podem ocorrer no ano eleitoral.
No ano passado, Haddad conseguiu obter o sinal verde de Lula para manter
a meta sob a promessa de contingenciar até R$ 23 bilhões. O valor ficaria
abaixo do calculado por analistas --que já chegaram a apontar a necessidade de
um bloqueio de R$ 53 bilhões.
A criação de uma trava no bloqueio de despesas foi a maneira encontrada
para blindar o andamento dos investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) no primeiro semestre deste ano.
Um dispositivo foi incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de
2024 para tentar garantir a aplicação desse limite em um cenário de frustração
de receitas. Não há, porém, segurança jurídica dentro do governo para
implementar o contingenciamento menor.
Interlocutores do governo ouvidos pela Folha afirmam que o Executivo
fará uma consulta formal ao TCU (Tribunal de Contas da União) para dar respaldo
legal ao decreto de contingenciamento, que terá de ser editado no fim de março.
Uma reunião para preparar a defesa jurídica da consulta ocorreu na semana
passada.
O governo quer enviar logo a consulta para não correr o risco de uma
demora maior no julgamento pela corte de contas acabar deixando para a última
hora a decisão sobre a mudança da meta. Para alterá-la, o governo precisa
enviar um projeto ao Congresso.
Se o governo mantiver a meta e não fizer o contingenciamento, também
haverá risco de punição pelas regras do novo arcabouço. Se o resultado da
consulta for negativo, membros do governo afirmam que não há outro caminho a
seguir a não ser propor um novo alvo fiscal.
Há certo consenso entre os defensores de alteração que a nova meta alvo
seja um déficit de 0,5% do PIB. Na avaliação de técnicos do governo, um déficit
de 0,25% poderia ser insuficiente, e um alvo de déficit de 0,75%, como querem
lideranças do PT, folgado demais.
Técnicos do governo estão divididos sobre a possibilidade de vitória do
TCU. Um grupo avalia que a versão aprovada da LDO sustenta um contingenciamento
menor, mas outra ala considera que os ministros do TCU serão mais duros e vão
negar o pedido do governo.
O governo recebeu informações de que, em reuniões com representantes do
mercado financeiro no final do ano passado, ministros do TCU sinalizaram que o
dispositivo da LDO seria ilegal, contrapondo-se às regras do novo arcabouço.
O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, já anunciou a criação de um
painel de acompanhamento do cumprimento da nova regra fiscal.
Na equipe de Haddad, o esforço é para segurar a nova pressão pela
mudança da meta até o fechamento de um acordo em torno da MP (medida
provisória) de reoneração da folha de pagamento para 17 setores.
Sem mexer na meta, o governo também não poderá usar um espaço adicional
de R$ 15 bilhões que poderá se abrir ainda em 2024, graças a uma regra que
permite ao Executivo expandir o limite caso a arrecadação prevista para o ano
tenha uma expansão ainda mais significativa em relação a 2023.
Mas o menor crescimento do limite de despesas em ano eleitoral é o ponto
visto com maior preocupação, não só por razões políticas, mas também porque
ficará ainda mais desafiador acomodar despesas de custeio e investimentos em
meio à expansão mais veloz de gastos obrigatórios, como benefícios
previdenciários e os pisos de Saúde e Educação.
O novo arcabouço fiscal vincula o crescimento das despesas à dinâmica da
arrecadação. O limite de gastos é corrigido pela inflação mais uma variação
real, equivalente a 70% da alta real das receitas.
Quando há estouro da meta em um ano, essa proporção cai a 50% no segundo
ano subsequente --por isso, o descumprimento em 2024 gera o redutor apenas em
2026.
O mecanismo foi pensado com esse formato porque, no momento da aferição
do resultado das contas públicas de um exercício, a proposta de Orçamento do
ano imediatamente seguinte já foi entregue ao Congresso, dificultando a
discussão sobre o corte nas despesas.
As estimativas internas do governo que apontam o espaço fiscal menor em
R$ 16,2 bilhões podem sofrer variações, uma vez que foram calculadas em cima de
hipóteses para a arrecadação nos próximos anos.
Elas consideram que o limite de despesas terá, em 2025, crescimento real
de 2,5%, máximo permitido pela regra do arcabouço. Em 2026, se não houvesse a
penalidade dos gatilhos, a expansão também seria de 2,5%. Com o redutor, a
variação real cairia a 1,8%.
Analistas do mercado financeiro apontam cenário semelhante. O economista
Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, vê uma redução de R$ 16,3 bilhões no
espaço fiscal de 2026, caso o estouro da meta neste ano deflagre o acionamento
dos gatilhos.
Segundo ele, um redutor nessa magnitude teria potencial para
inviabilizar a execução do Novo PAC, justamente uma das vitrines eleitorais do
governo petista.
O economista ressalta que os números são sensíveis às hipóteses
adotadas, mas servem para ilustrar o que está em jogo na discussão das metas
fiscais.
"É um fator de peso, 2026 é um ano eleitoral, e também começa a ter
uma restrição significativa do arcabouço por causa do aumento das despesas
obrigatórias", afirma Sbardelotto.
Ele destaca que o esforço empreendido pelo governo para elevar a
arrecadação acaba tendo como efeito de segunda ordem um agravamento dessa
situação, uma vez que os pisos de Saúde e Educação são vinculados às receitas
-ou seja, eles também terão crescimento mais significativo nos próximos
exercícios.
"Com esse gatilho de reduzir [a alta das despesas] de 70% para 50%,
haverá uma restrição [ainda] mais forte."
Crítico contumaz da meta de déficit zero, o deputado Lindbergh Farias
(PT-RJ) avalia que as estimativas da fatia de Orçamento que pode desaparecer em
2026, caso a meta atual seja mantida, indicam uma "crise contratada"
para abril, logo após a publicação do primeiro decreto de contingenciamento.
"Lula vive falando em aumentar as vagas nos institutos federais.
[Com o gatilho acionado] ele não vai poder fazer isso", diz.
"Continuo advogando pela mudança da meta. Não é evitar só o
contingenciamento, é evitar os gatilhos de contenção."