Foto: Roberta Aline / MDS
Pesquisa Datafolha sobre as
chamadas bets mostra que 17% dos beneficiários do Bolsa Família —o programa de
transferência de renda do governo federal destinado a pessoas de baixa renda—
disseram apostar ou já ter feito apostas esportivas online.
Desse percentual, similar ao da
população em geral (15%), quase um terço relata gastar ou ter gasto mais de R$
100 por mês nos sites.
Seis em cada dez apostadores
beneficiários do programa de transferência de renda dizem apostar mais de R$ 50
por mês —entre os que não recebem a bolsa, a proporção é de 4 a cada 10.
A Folha de S.Paulo mostrou que o
fenômeno das apostas online é disseminado pelo país, tendo maior adesão entre
os jovens e homens.
Em dezembro, o Bolsa Família
repassou uma média de R$ 680,61 a mais de 21 milhões de famílias.
A pesquisa foi realizada em 5 de
dezembro de 2023. Foram 2.004 entrevistas presenciais em 135 municípios, com
pessoas de 16 anos ou mais de todas as regiões. A margem de erro é de 2 pontos
percentuais para baixo para cima, com um nível e confiança de 95%.
A oferta de sites de apostas
esportivas é liberada no Brasil desde 2018, após lei aprovada durante o governo
Michel Temer (MDB), mas o tema não foi regulamentado pelo Executivo como
deveria.
A partir disso, propagandas de
bets passaram a dominar a grade da TV aberta, sobretudo em jogos de futebol. As
redes sociais também foram inundadas de anúncios de jogos de apostas,
viralizados pela atuação de influenciadores famosos.
O governo de Jair Bolsonaro (PL)
teve quatro anos para regulamentar o mercado, mas não o fez. Assim, o número de
casas de apostas voltadas ao público brasileiro explodiu sem que houvesse
regras claras para atuação neste setor, tampouco órgãos fiscalizadores e
controladores específicos para a atividade.
O governo Lula (PT) passou a
trabalhar na regulamentação desde o ano passado. Já foi aprovada nova lei para
definir taxação e funcionamento dessas empresas, que também deverão se
credenciar para atuar no Brasil —atualmente, as empresas que oferecem apostas
online no país têm sede no exterior.
A regulamentação total deve ser
finalizada ainda no primeiro semestre. A legislação trata dos jogos da chamada
quota fixa, em que se sabe quanto pode ganhar com a aposta (a partir de
resultados de jogo de futebol, por exemplo).
Durante a tramitação do projeto
de lei das apostas esportivas na Câmara, os deputados incluíram nessa
categoria, além das apostas esportivas, também os jogos online, onde entram
cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual. Estima-se que até 80% da
movimentação do setor venha desse tipo de atividade.
Críticos temem que isso possa
disseminar uma série de sites que oferecem games populares de apostas que
trabalham à margem dessa lógica, com promessas de prêmios exorbitantes ou
algoritmos fraudulentos.
Atualmente já há investigações
sobre casos deste tipo, e deve ficar a cargo da Fazenda determinar quais tipos
de jogos podem ou não operar.
Faz nove meses que o motoboy
Dalton da Silva Gomes, 28, começou a jogar pelo celular. Entre uma entrega e
outra, joga em um site em que aposta enquanto um aviãozinho decola —tem de
parar de apostar antes que ele exploda.
"Quanto mais a gente que
vai entrando, mas vai ficando envolvido. Você ganha R$ 300 de uma vez, mas aí
vai perdendo de dez em dez até zerar tudo", diz ele, que trabalha em
Brasília e até o ano passado era beneficiário do Bolsa Família.
"Comecei a jogar para
acalmar outras ansiedades e vícios, mas estou querendo parar. Já perdi R$
400,00 só este ano", diz. Dinheiro que faz falta em sua renda mensal,
equivalente a menos de dois salários mínimos.
Também vivendo de entregas de
moto na capital federal, Wanderson Junior, 24, conta que fez apostas seduzido
pela publicidade e o acesso fácil.
"Comecei a jogar depois que
vi anúncios no Instagram que diziam 'mude sua vida', esses anúncios bem
sensacionalistas. Aí cai na lábia", diz ele, que diz ter parado de jogar
há um mês. Antes disso, perdeu R$ 100,00, relata. "Sorte que botei o
dinheiro que estava sobrando, e não me atrapalhou muito".
Os dados do Datafolha mostram
que a prevalência de jogadores é disseminada independentemente da ocupação.
Enquanto a média de pessoas que já apostaram ou continuam apostando é de 15% da
população, entre os desempregados é de 16%, percentual igual ao registrado
entre quem se declarou autônomo, como Dalton e Wanderson.
Aos segregar os dados do
Datafolha por região, o alcance dos sites de apostas se mantém praticamente
estável, com uma variação maior no Nordeste: 18% da população dessa região diz
já ter feito apostas ou continuar a realizar.
O médico e pesquisador Daniel
Spritzer, do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas, no Rio Grande do Sul,
diz que o alto alcance dos sites de apostas se deve à facilidade de se jogar
pelo celular, ao boom de publicidade e, sobretudo, por envolver universos com
muitos apaixonados sem necessariamente haver associação direta com jogos de
azar.
"Em termos de apostas, dois
elementos mudaram radicalmente o cenário: porque eles conseguem pegar um
público que gosta de videogame e jogos, que é muito grande, e o público que
gosta de esporte, que é também gigantesco", diz Spritzer, que é pesquisador
da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Médicos e grupos de apoio a
viciados em jogos já relatam que o perfil de quem procura ajuda tem sido de
pessoas cada vez mais jovens. Quase um terço (30%) dos jovens de 16 a 24 anos
afirma que já apostou. A proporção é o dobro da média geral.
Uma lei aprovada após envio de
uma medida provisória por parte do governo Lula (PT) traz itens relacionados a
jogo responsável, preocupação com publicidade somente a menores e destinação de
recursos para o SUS (Sistema Único de Saúde) para medidas de prevenção,
controle e mitigação de danos sociais advindos da prática de jogos.
O procurador do Ministério
Público Federal Alfredo Falcão diz que as empresas autorizadas a explorar as
apostas deverão atender os termos da legislação, como fazer propagandas
adequadas sem a promessa de ganhos impossíveis. "É importante que a tutela
do consumidor esteja presente na regulamentação das apostas desportivas",
afirma.
O presidente do Instituto
Brasileiro de Jogo Responsável, Andre Gelfi, afirmou ser fundamental que
autoridades criem um padrão de conduta para a indústria na regulamentação.
"Não faz sentido que
indústria aborde sem qualquer rigor um público vulnerável. O Brasil é um país
desigual e cabe ao setor tomar esse tipo de precaução quando oferta produtos
que podem gerar consequências indesejadas."