Foto: Rovena Rosa / Agência
Brasil
A Arquidiocese de São Paulo
informou, por nota divulgada nesta quinta-feira (4), que “acompanha com
perplexidade” a tentativa de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) para investigar o Padre Júlio Lancellotti. Em dezembro, foi protocolado
na Câmara Municipal de São Paulo um pedido de abertura de investigação das
organizações não governamentais que atuam na região conhecida como Cracolândia,
que concentra pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas na
parte central da capital paulista.
Apesar do coordenador da
Pastoral do Povo de Rua não ser citado nominalmente no requerimento de abertura
da CPI, o vereador que fez o pedido, Rubinho Nunes (União), fez diversas
declarações, inclusive pelas redes sociais, em que afirma que Lancellotti é o
principal alvo. Nunes também declarou que pretende dirigir a investigação
contra o movimento A Craco Resiste. As informações são da Agência Brasil.
Em 2020, Nunes, então candidato
a vereador, solicitou ao Ministério Público de São Paulo a abertura de um
inquérito contra A Craco Resiste. Ele acusava a organização de favorecer o
consumo de drogas. A investigação policial aberta, no entanto, acabou arquivada
sem encontrar qualquer irregularidade. Na nota, a Arquidiocese de São Paulo
questiona a coincidência dessa nova movimentação de Nunes, que é um dos
fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), em um ano de eleições municipais.
“Perguntamo-nos por quais motivos se pretende promover uma CPI contra um
sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano
eleitoral?”, dizia a nota.
No requerimento de abertura de
CPI, o vereador afirma que a intenção é investigar ONGs que “fornecem
alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento dos
dependentes químicos que frequentam a região da Cracolândia”. Nunes justifica
ainda a necessidade de investigação das organizações da sociedade civil
alegando que "algumas delas" "recebem financiamento público
para realizar as suas atividades”.
O texto recebeu assinaturas de
mais de um terço dos 55 vereadores do Legislativo paulistano. Porém, a CPI
precisa ainda ser aprovada em plenário pela maioria da Câmara Municipal para
ser efetivamente instalada. Em reação ao pedido de Nunes, a vereadora Silvia da
Bancada Feminista (PSOL) fez um requerimento pedindo a investigação do aumento
da população em situação de rua na capital paulista e das políticas públicas de
atendimento a essas pessoas.
“É importante lembrar também que
este preocupante aumento no número da população em situação de rua na cidade de
São Paulo se deu justamente na gestão do Prefeito Ricardo Nunes, que promoveu
políticas hostis contra a população em situação de rua, como o recolhimento
forçado de barracas e itens pessoais”, diz o pedido, que contextualiza que em
cinco anos o número de pessoas que dormem nas calçadas da cidade passou de
cerca de 24 mil para 53,4 mil.
O requerimento da CPI das
Políticas para População de Rua ainda não tem o número mínimo de assinaturas
para ser protocolado. O padre Julio Lancellotti se posicionou, por meio de
nota, que as CPIs são legítimas, mas informou que não pertence “a nenhuma organização
da sociedade civil ou organização não governamental que utilize convênio com o
Poder Público Municipal”.
“A atividade da Pastoral de Rua
é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo que, por sua vez, não se
encontra vinculada, de nenhuma forma, às atividades que constituem o
requerimento aprovado para criação da CPI em questão”, afirmou Lancellotti.
A Craco Resiste, por sua vez,
informou que não é uma ONG. “Somos um projeto de militância para resistir
contra a opressão junto com as pessoas desprotegidas socialmente da região da
Cracolândia. Atuamos na frente da redução de danos, com os vínculos criados com
as atividades culturais e de lazer. E denunciamos a política de truculência e
insegurança promovida pela prefeitura e pelo governo do estado”, disse, em
nota.
O movimento também chama a
atenção para a necessidade de investigar os recursos públicos usados para a
política de internações e de repressão policial na Cracolândia. “A aposta no
modelo de internações, em que as pessoas são, na prática, submetidas a sucessivas
privações de liberdade, é apenas uma maneira de transferir recursos públicos
para entidades privadas sem resultados para a população. A maior parte das
pessoas que frequentam a Cracolândia acumula passagens por clínicas e pelas
chamadas ‘comunidades terapêuticas’”, diz o movimento, que classifica a
tentativa de abertura da CPI como uma forma de tirar o foco de discussões mais
relevantes.