As investidas
do governo para tentar reduzir a fila de espera do INSS (Instituto Nacional do
Seguro Social) impulsionaram o volume de novas concessões de benefícios nos
últimos meses, o que pressiona os gastos federais no curto prazo.
Ainda assim, o presidente do órgão,
Alessandro Stefanutto, diz à Folha que a economia de R$ 12,5 bilhões inserida
na proposta de Orçamento de 2024 é factível. Para atingi-la, ele aposta no
investimento em tecnologia para combater fraudes, especialmente cibernéticas.
"Podemos melhorar o gasto na Previdência, mas sem loucura", diz.
De janeiro a outubro deste ano, foram
concedidos 4,86 milhões de benefícios pelo INSS. A cifra é 11,85% maior do que
em igual período do ano passado. A quantidade de indeferimentos, por sua vez,
caiu 2,89% na mesma comparação.
Como resultado, o número de beneficiários
alcançou 38,9 milhões em outubro. Desses, 33,2 milhões recebem benefícios
previdenciários, uma alta de 3,9% em relação a igual mês de 2022.
Outros 5,67 milhões são contemplados pela
assistência social, que inclui o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago
a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Nessa categoria, o total de
beneficiários subiu 10,57% em outubro ante igual mês do ano passado.
Stefanutto reconhece que a aceleração nas
concessões tende a pressionar os gastos no curto prazo. Mas ele pondera que o
represamento da fila só adia uma despesa certa, uma vez que boa parte dos
segurados têm direito efetivo a receber o benefício, mas hoje não o conseguem
num tempo razoável.
"Nós não estamos concedendo mais
benefícios. Nós estamos concedendo os benefícios no tempo que ele deveria ser
concedido", afirma.
Só neste ano, a despesa com benefícios
previdenciários saiu de R$ 864,6 bilhões aprovados no Orçamento para R$ 871,8
bilhões, segundo avaliação feita em novembro.
Já o gasto com o BPC passou de R$ 87,8
bilhões para R$ 93,7 bilhões. A diferença, somada, passa dos R$ 13 bilhões.
Embora represente um problema político e
social, o represamento da fila foi, em diferentes gestões, um conveniente
aliado para a gestão fiscal de curto prazo, uma vez que retarda o aumento nos
gastos com a Previdência.
No fim do governo Jair Bolsonaro (PL), a
aceleração das concessões gerou embates internos diante da falta de espaço no
Orçamento para honrar os benefícios. No fim de 2022, o Executivo precisou
recorrer ao TCU (Tribunal de Contas da União) para abrir um crédito
extraordinário de R$ 7,5 bilhões, fora do teto de gastos, e honrar os
pagamentos aos segurados.
Stefanutto diz que, apesar da pressão
evidente sobre as despesas, não há sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) qualquer orientação para segurar as concessões, pelo contrário. A pressão
interna é para resolver a situação.
"Quando eu não pago um benefício no
próprio mês, não resolvo [o problema], eu empurro o gasto lá para frente. É
quase uma fraude do ponto de vista contábil, fiscal. Agora, tudo leva a crer
que a gente vai colocar o gasto no seu devido mês. No começo, tem um aumento
[da despesa], mas quando o estoque estabilizar, aí vai ser o gasto real",
afirma.
Hoje, o INSS ainda tem mais de 1,6 milhão de
pedidos à espera de análise. Ele estima que o órgão ainda ficará até metade de
2024 organizando o passivo. No futuro, o presidente do órgão avalia que a
regularização pode gerar economia para os cofres públicos.
Hoje, por causa do acúmulo de tarefas, o
INSS chega a pagar por oito meses um benefício por incapacidade que deveria
durar, na verdade, 45 a 90 dias. Os gargalos na análise e, principalmente, nas
perícias médicas retardam não só a concessão dessa modalidade, mas também o
retorno do segurado ao trabalho.
"Tem estudos que demonstram que o BI
[benefício por incapacidade] inicial tem um prazo médio de duração que não
supera 90 dias. O problema é que, para alguém que fraturou o pé e está curado
com 45, 60 dias, eu acabo fazendo a perícia 7, 8 meses depois", afirma
Stefanutto.
Como o INSS precisa garantir o pagamento até
a chamada data de cessação (quando o benefício é extinto), a fatura fica maior.
"O sistema funciona mal, o cidadão sofre com isso, e o INSS gasta mais por
essa má gestão que se instalou ao longo de anos."
Uma das medidas para tentar mitigar esses
custos foi o lançamento do Atestmed, uma plataforma online que viabiliza a
concessão do benefício por incapacidade (como o auxílio-doença) por meio de
análise documental.
O segurado apresenta o pedido de benefício e
o atestado médico, que são avaliados pelos peritos, com apoio da inteligência
artificial. A perícia presencial ficaria reservada para casos em que há dúvida
ou suspeita de fraude, ou ainda quando o período concedido sob análise
documental atinge 180 dias.
A dispensa da perícia presencial acelerou as
concessões, dada a simplificação do processo, o que teve um impacto inicial
sobre as despesas. No entanto, como a medida contribui para desafogar a fila de
perícias, Stefanutto espera que a implementação do Atestmed viabilize a
cessação dos benefícios no tempo certo, sem prorrogações que geram pagamentos
indevidos.
Embora diga que são minoria, o presidente do
INSS relata a existência de casos de pessoas que se aproveitam da fila enorme
de perícias para agendar a consulta de retorno ao trabalho onde a espera é
maior, contando com os pagamentos durante esse período.
"Começamos a ter um pouco mais de
[vagas de] perícia sobrando. No 135, ligamos para as pessoas para antecipar.
Uma boa parte sabe o que fala? 'Não tem que antecipar, não'. Vai ficar
recebendo sem fazer nada. Legalmente", diz. "A maioria não é
desobediente, mas algumas acabam marcando em lugares mais esticados."
Stefanutto avalia que o risco de concessão
indevida é minimizado pelo uso de inteligência artificial.
O INSS já identificou, por exemplo, casos
como o de uma médica que tinha registros de atestados com três caligrafias
distintas, uma delas em documento de hospital no qual ela não trabalha, segundo
os dados do CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais).
"Aquela pessoa que fraudar, for pega e
já recebeu, nós vamos cobrar. Não tem como pagar? Vai para o cadastro de
inadimplente, não consegue fazer nem financiamento nas Casa Bahia. Nós vamos
ser implacáveis com o fraudador. Porque, se eu não for implacável com o
fraudador, desmoraliza o modelo", afirma.
Segundo o presidente do órgão, o uso da
tecnologia será essencial para cumprir a promessa de poupar R$ 12,5 bilhões. O
governo conta com essa economia para fechar as contas do Orçamento de 2024 e
manter espaço fiscal para demais despesas como investimentos.
"Tecnologia de segurança evita a
invasão da minha rede. A grande fraude hoje não é mais colocar uma folha no
processo, um documento falso. Isso é uma ou outra pessoa. A fraude hoje é a
cibernética. Eu tenho uma rede enorme, eles [invasores] penduram um
'chupa-cabra' que copia senhas e credenciais de um funcionário e reativam 10
mil benefícios. E põem em uma agência bancária que é deles", diz
Stefanutto.
Segundo ele, só no ano passado, o INSS teve
um prejuízo de pelo menos R$ 1 bilhão com fraudes cibernéticas.