A rápida
diminuição das áreas de gelo marinho na Antártida, principalmente na porção
ocidental do continente, colocam em risco ao menos duas espécies de pinguins,
cujo ciclo de vida depende das plataformas congeladas da região.
Uma série de estudos recentes mostra que a
situação não está nada auspiciosa para a maior e mais famosa ave do grupo, o
pinguim-imperador (Aptenodytes forsteri), e traz sinais preocupantes também
para o pinguim-de-adélia (Pygoscelis adeliae). A primeira espécie costuma criar
seus filhotes justamente em cima do gelo marinho antártico. Já a segunda usa os
trechos congelados para a fase anual de troca de penas, essencial para manter
sua capacidade de suportar os piores meses do inverno.
Apesar da associação quase imediata entre a
Antártida e os pinguins no imaginário das pessoas, o fato é que a maioria das
cerca de 20 espécies do grupo não vive em território antártico. Além do
pinguim-imperador e do pinguim-de-adélia, que estão presentes na região
continental da Antártida propriamente dita, mais três espécies têm colônias na
extremidade norte da penÃnsula Antártica, a lÃngua de terra que se estende rumo
à América do Sul. Os pinguins da penÃnsula costumam fazer seus ninhos no solo,
e não no gelo.
No caso dos pinguins-imperadores, um estudo
coordenado por Peter Fretwell, do Serviço Antártico Britânico, revelou que 2022
foi catastrófico para as colônias da espécie que vivem na região do mar de
Bellingshausen, no lado ocidental da penÃnsula. Com base em imagens de satélite
de alta resolução, que permitem ver manchas amarronzadas (basicamente, fezes de
pinguim) em contraste com a brancura do gelo e da neve, Fretwell e seus colegas
estimam que, das cinco colônias da área, quatro perderam todos os seus filhotes
por conta da diminuição acelerada do gelo marinho.
O risco é tão grande porque a fase de
criação dos bebês pinguins se dá no gelo marinho que está "ancorado"
em terra firme (em tese, não são pedaços de gelo que flutuam soltos no oceano,
portanto). Segundo o estudo, publicado na revista especializada Communications
Earth & Environment, os casais da espécie costumam ocupar essas extensões
de gelo de abril a janeiro. As fêmeas botam seus ovos entre maio e junho e os
filhotes nascem após 65 dias de incubação.
O problema é que os bebês só ganham suas
penas de adulto, impermeáveis e essenciais para que eles consigam não afundar
n’água, entre dezembro e janeiro. No entanto, em 2022, nas colônias que
sumiram, as extensões de gelo marinho onde ficavam os ninhos já tinham
derretido em novembro -muito provavelmente, portanto, os filhotes acabaram
afundando e seus pais tiveram de abandonar a área.
"Jamais tÃnhamos visto
pinguins-imperadores perderem a estação reprodutiva nessa escala num único ano.
A perda de gelo marinho nessa região durante o verão antártico fez com que a
sobrevivência dos filhotes que perderam seus ninhos seja muito improvável",
declarou Fretwell. "As evidências atuais sugerem que eventos de perda
extrema de gelo marinho como esse vão se tornar mais frequentes e afetarão
áreas mais amplas no futuro."
De fato, segundo comunicado do Serviço
Antártico Britânico, a região foi palco, desde 2016, das quatro menores
extensões de gelo marinho ao longo dos últimos 45 anos de registros por
satélite.
Em outro estudo, coordenado por Annie
Schmidt, da ONG americana Point Blue Conservation Science, cientistas
monitoraram cerca de 200 pinguins-de-adélia que vivem na região do mar de Ross,
na Antártida continental, além de usar dados de satélite sobre o gelo marinho
na região.
Os resultados, que saÃram no periódico
especializado PNAS, indicam que os trechos de gelo marinho usados pelas aves
para sua troca de penas têm diminuÃdo no mar de Ross desde os anos 1980, com
uma aceleração desse processo nos últimos cinco anos.
Além disso, existe uma correlação clara
entre a concentração do gelo e a capacidade de retorno das aves para suas
colônias após a troca de penas. A cada redução de 10% nas áreas de gelo
marinho, há uma queda entre 2,4% e 4,8% no número de pinguins que conseguem
voltar às colônias reprodutivas.
Como se não bastassem essas ameaças, há
ainda os efeitos indiretos ligados ao krill, pequeno crustáceo semelhante a um
camarão que é um dos principais pratos do cardápio dos pinguins. O krill também
usa o gelo marinho para se alimentar e se proteger, o que significa que o
derretimento pode tornar a dieta dos pinguins bem menos farta. Impactos sobre o
crustáceo podem afetar até as espécies da penÃnsula Antártica que não dependem
diretamente do gelo marinho para sua reprodução ou troca de penas.