Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O mecânico Sandro José de Andrade, 57, viu o filho Samuel Gustavo pela
última vez há seis anos quando imagens de câmeras de segurança da vizinhança
captaram o momento em que ele passava a cerca de 50 metros da casa da família,
na Vila São José, zona sul de São Paulo. Na época com 19 anos, o filho voltava
de uma festa no Grajaú, a 3 quilômetros de distância, e nunca mais foi visto.
"Ele passou direto e caminhava com a passada rápida, sem olhar para os
lados", lembra o pai.
A única pista sobre o paradeiro de Samuel Gustavo surgiu dez meses após
o desaparecimento, quando a Polícia Civil localizou o comprador de seu celular.
O inquérito foi encerrado sem descobrir quem roubou o aparelho que ele
carregava na noite em que sumiu. Desde então, o mecânico percorre ruas do
bairro e recorre às redes sociais para tentar encontrar o filho.
A busca incessante aproximou o pai do movimento de famílias de
desaparecidos que cobra do governo federal desde 2019 a criação de um banco
nacional unificado para solucionar os casos. Previsto na Lei da Política
Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, promulgada em março de 2019, o
cadastro teve lançamento anunciado pelo Ministério da Justiça para o fim deste
ano, mas foi adiado para março de 2024.
O atraso é atribuído à desistência da empresa licitada para desenvolver
o software e, por isso, o Ministério da Justiça, afirmou que irá reabrir a
licitação nas próximas semanas para formalizar a nova contratação.
Atualmente, a busca por desaparecidos é feita a partir de boletins de
ocorrência registrados por familiares. As informações sobre a vítima são
analisadas por policiais civis, que cruzam com dados como entradas no sistema
prisional e cadáveres não reclamados no IML (Instituto Médico-Legal).
Movimentações bancárias também são avaliadas para descartar um possível caso de
sequestro relâmpago, por exemplo.
A criação do banco nacional agilizaria esse processo, segundo Vera Lucia
Ranu, fundadora da ONG Mães em Luta, porque criaria uma padronização na
elaboração dos boletins de ocorrência, com fotos e detalhes físicos da vítima,
como tatuagens. "O sistema é crucial justamente porque cruzaria
informações da polícia com órgãos municipais, estaduais e federais", diz a
fundadora da ONG que procura a filha desaparecida aos 13 anos desde 1992.
"O desaparecido continua invisível ao poder público", continua.
O banco unificado teria duas versões, uma pública para divulgar imagens
dos desaparecidos, e uma sigilosa, de acesso restrito aos órgãos de segurança.
Nesse formato, o avanço nas investigações se daria pela integração dos órgãos
estaduais, hoje feito de forma individualizada em cada caso. O delegado
responsável tem que mandar ofício às autoridades policiais das demais entidades
da federação para investigar a movimentação da vítima para outros estados.
Outro complicador para a resolução dos casos é a possibilidade de uma
mesma possa ter documentos diferentes em cada estado.
Há ainda a previsão de integração ao Banco Nacional de Perfis Genéticos,
que reúne amostras para solucionar crimes, principalmente sexuais, e encontrar
desaparecidos. Segundo o Ministério da Justiça, em uma década, até maio deste
ano, o sistema identificou 325 pessoas desaparecidas. Entre 2019 e 2021, 20 mil
casos foram registrados em todo país.
A criação de um sistema de informações de desaparecidos é prevista
também em São Paulo, via lei estadual desde 2014, mas, assim como na esfera
federal, ainda não saiu do papel.
O entrave principal, segundo a delegada Barbara Travassos, titular da
Delegacia de Pessoas Desaparecidas do DHPP (Departamento de Homicídios e de
Proteção à Pessoa), é equacionar o uso de dados sigilosos, disponíveis nos
bancos de dados da Segurança Pública e necessários à elucidação dos casos, e o
pressupostos de que o acesso ao sistema de informação será público.
A capital paulista registra, em média, 53 desaparecimentos por dia. Em
2023, até a primeira quinzena de dezembro, 18,6 mil casos foram registrados no
estado, sendo 5.400 na capital. No mesmo período, 17,3 mil boletins de
ocorrência de reencontros foram registrados, segundo o DHPP. Esses números de
desaparecimentos e reencontros não têm uma relação direta, pois incluem
resolução de casos registrados em anos anteriores.
Segundo a delegada, o perfil do desaparecido no estado são homens com
idades entre 20 a 40 anos, embora 550 crianças de até 12 anos tenham sumido no
estado neste ano. Em 2022, foram 614.
Em caso de perda do paradeiro de uma pessoa próxima, a delegada
aconselha registrar boletim de ocorrência rapidamente. "Não é preciso
esperar 24 horas", diz. "A cada ano que passa diminui a chance de
reencontro", continua.
Seis anos após o desaparecimento do filho, Andrade diz que reduziu as
expedições pela cidade e, agora, se concentra em divulgar o caso pelas redes
sociais. Também anda com um cartaz com a foto do filho no para-brisa de seu
carro.
Ele afirma que as iniciativas já atraíram a atenção de golpistas que
pedem dinheiro em troca de pistas falsas. "A gente tem esperança. Pela
dedicação, divulgação e apoio que tivemos até hoje, temos que ter uma
resposta."