Representantes
de quase 200 países encerraram a COP28, conferência do clima da ONU, nesta
quarta-feira (13) com a aprovação de texto que propõe que comecem a reduzir o
consumo global de combustíveis fósseis, para evitar os piores impactos das
mudanças climáticas.
O teor do
documento, inédito, sinaliza que a era do petróleo pode estar se encaminhando
para o fim, ainda que a linguagem escolhida seja mais fraca do que a necessária
para a urgência de conter as mudanças climáticas, apontam especialistas em
clima e líderes de países-ilha, os mais vulneráveis às consequências do
aquecimento do planeta. O ano de 2023 é o mais quente em 125 mil anos, como
aponta o observatório europeu Copernicus.
O acordo
firmado em Dubai (Emirados Árabes) após duas semanas de negociações, desde 30
de novembro, tinha como objetivo enviar um sinal potente aos investidores e
formuladores de políticas públicas de que o mundo agora está unido para dar fim
ao uso dos combustíveis fósseis, algo que os cientistas afirmam ser a última e
melhor esperança para evitar uma catástrofe climática.
Em fala na
plenária, a ministra Marina Silva comemorou o resultado por incluir no texto
final o objetivo de frear o aquecimento em 1,5°C acima dos níveis
pré-industriais, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris. O documento de 2015
cita a possibilidade de aquecimento até 2°C, o que representa um risco maior de
eventos climáticos extremos.
Marina
também afirmou que os países desenvolvidos precisam tomar a dianteira na
transição energética e assegurar os "meios necessários para os países em
desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação".
Nas
discussões ao longo das últimas semanas, o Brasil, que levou a maior delegação
desta COP (1.337 participantes), defendeu uma linguagem mais forte para o
compromisso sobre combustíveis fósseis.
INSATISFAÇÃO
Também na
plenária, as Ilhas Samoa criticaram o texto, destacando que não é suficiente
para garantir uma resposta à urgência de locais que correm o risco de
desaparecer e que foi aprovado sem a presença da representante do país.
O
presidente da COP28, Sultan al-Jaber, disse que as colocações de Anne
Rasmussen, negociadora-chefe de Samoa —que falou também em nome dos outros 38
países da Aliança dos Pequenos Estados Insulares—, seriam anotadas. O resultado
da plenária, porém, não foi alterado pela fala.
Nas
discussões do texto, mais de cem países fizeram lobby por uma linguagem forte,
para incluir a expressão "eliminar gradualmente" o uso de petróleo,
gás e carvão, mas encontraram oposição do grupo de produtores de petróleo
liderado pela Arábia Saudita, a Opep. O cartel argumentou que o mundo pode
reduzir as emissões sem abandonar combustíveis específicos.
Esse
desentendimento levou a cúpula a atrasar seu encerramento, previsto para
terça-feira (12). Com isso, os trabalhos dos diplomatas atravessaram a
madrugada.
Um novo
rascunho do balanço global do Acordo de Paris, principal documento desta COP,
foi publicado às 7h do horário local em Dubai (meia-noite no Brasil). Como
alternativa à menção sobre eliminação gradual ("phase out", em
inglês) dos combustíveis fósseis, o novo texto propôs a transição dos
combustíveis fósseis ("transitioning away from", no termo em inglês).
A plenária
para aprovação do texto começou por volta das 11h em Dubai (4h no Brasil).
"Nós
trabalhamos muito para garantir um futuro melhor para nosso povo e nosso
planeta. Devemos nos orgulhar de nossa conquista histórica", disse Sultan
al-Jaber, presidente da COP28, que ressaltou como a conferência foi
"inclusiva" e acolheu nomes de governos e do setor privado.
Jaber, que
também é CEO da petroleira estatal Adnoc, enfrentou ao menos duas crises
durante a COP28 em razão de conteúdos vazados. Logo antes do evento, foram
reveladas anotações que deveriam ser usadas em conversas com países, no âmbito
da conferência, para fechar contratos relacionados a petróleo.
Depois, em
gravação de conferência até então desconhecida do público, Jaber apareceu
dizendo que não há critério científico para a eliminação dos combustíveis
fósseis.
Com mais de
90 mil inscritos ao todo, maior número da história das cúpulas do clima, a COP
de Dubai foi também a recordista em lobistas do petróleo, conforme levantamento
feito por ONGs com base nos registros públicos da organização. Foram
credenciados 2.456 nomes do setor, três vezes mais do que em 2022, no Egito, o
recorde até então.
PRESSÃO DO
PETRÓLEO
A
eliminação dos fósseis esteve nos rascunhos negociados ao longo da primeira
semana da conferência e desapareceu no final de semana, logo após a Opep ter
enviado carta aos membros do seu grupo expandido, a Opep+, sugerindo que não
aceitassem menções à redução dos combustíveis fósseis, mas, no lugar,
propusessem a redução das emissões de gases-estufa.
A diferença
permite que o setor continue explorando e queimando combustíveis fósseis,
apelando para soluções de compensação do carbono emitido. Segundo os relatórios
do painel do clima da ONU e da Agência Internacional de Energia, a conta não
fecha. Para conter o aquecimento global em até 1,5°C, é preciso evitar novos
investimentos em fontes de carvão, petróleo e gás.
Agora que o
acordo foi fechado, os países são responsáveis por cumprir os termos por meio
de políticas e investimentos. O acordo exige a "transição para longe dos
combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e
equitativa", com o objetivo de "alcançar o zero líquido [neutralidade
de carbono] até 2050, de acordo com a ciência".
Também foi
acordado que, até 2030, será triplicada globalmente a capacidade de energia
renovável e duplicada a eficiência energética.
CAMINHO ATÉ
BELÉM
"Esse
resultado da COP28, forte em sinais, mas fraco em substância, significa que o
governo brasileiro precisa assumir a liderança até 2024 e estabelecer as bases
para um acordo da COP30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e
vulneráveis do mundo e à natureza", diz Márcio Astrini,
secretário-executivo do Observatório do Clima.
A cúpula no
Brasil, em 2025, terá a missão de atualizar as metas climáticas dos países, as
chamadas NDCs. Para o trabalho em conjunto com a presidência da COP28 e da
COP29, que será realizada em 2024 em Baku, no Azerbaijão, Marina Silva contou
que foi criada uma troica para traçar o "mapa do caminho" para
limitar o aquecimento em 1,5°C.
"Ele
[governo do Brasil] pode começar cancelando sua promessa de se juntar à Opep, o
grupo que tentou e não conseguiu destruir essa cúpula. Sem uma ação real, o
resultado de Dubai não será comemorado entre as comunidades de todo o mundo que
estão sofrendo com os eventos climáticos extremos", completa Astrini,
citando o aceite do governo Lula para ingressar na Opep+, o grupo de países
parceiros do cartel do petróleo, anunciado no começo da COP28.
A decisão
sobre o fim dos combustíveis fósseis é o maior tabu das negociações climáticas
desde a criação da Convenção-Quadro de Clima da ONU, em 1992. A redução dos
fósseis, que emitem 75% dos gases causadores da crise climática, só começou a
aparecer nas decisões das COPs há dois anos, em Glasgow (Escócia).
Para
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a conclusão da COP28
representa que "vencemos o impossível fim dos combustíveis fósseis, uma
vitória retumbante sobre a diplomacia do óleo e do gás, que predominou nos
últimos 30 anos".
"Isso
significa que países que apostam na expansão contínua da produção de petróleo,
gás e carvão mineral terão que rever seus planos e indicar como e quando
completarão sua transição", diz.
Camila
Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, também
destaca que "o ganho real da COP28" foi colocar os combustíveis
fósseis no centro do debate, "responsabilidade que nenhuma das 27
conferências do clima anteriores tinham assumido".
"Também
celebramos que as partes tenham adotado a proposta dos negociadores brasileiros
de se criar um conjunto de atividades para se alcançar a meta de limitar o
aquecimento global em 1,5°C", afirma. "E como sabemos, não há como
limitar o aumento da temperatura do planeta e seguir explorando os combustíveis
fósseis nos próximos anos", diz ainda.
Além da
adesão à Opep+, o governo Lula foi criticado, em meio às discussões da COP28,
por convocar um leilão de mais de 600 poços de petróleo e gás, que será
realizado nesta quarta-feira no Rio de Janeiro. ONGs o apelidaram de "o
leilão do fim do mundo", pelo tamanho e por ofertar áreas próximas a
locais sensíveis do ponto de vista ambiental e social.
Em
entrevista coletiva após a plenária final, Marina Silva chamou de
"coincidência" a realização do leilão junto ao fim da COP e afirmou
que as instituições do governo têm autonomia em suas agendas.
A ministra
repetiu que os países desenvolvidos são os que devem liderar a transição
energética e que as nações têm obrigações comuns, mas diferenciadas nas
questões climáticas —princípio da convenção do clima que cobra mais ações e
recursos dos países ricos.
Para Andrew
Deutz, diretor-geral de política global e financiamento para a conservação na
ONG The Nature Conservancy, a COP28 será lembrada também por destravar o
funcionamento do fundo para países mais vulneráveis. O fundo será gerido por
quatro anos pelo Banco Mundial.
"Uma
série de outros compromissos significativos também surgiram nas últimas duas
semanas —desde o há muito debatido fundo para perdas e danos, que arrecadou
quase US$ 800 milhões em promessas, até um maior reconhecimento da contribuição
das florestas, dos oceanos e de outros ecossistemas para a mitigação e
adaptação às alterações climáticas, e finalmente sendo dada a devida atenção ao
papel da agricultura e dos sistemas alimentares", diz, em nota.