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Marcelo Camargo / Agência Brasil
O governo
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articula um acordo com membros do Congresso
Nacional para limitar a R$ 6 bilhões o valor a ser aportado em 2023 no fundo
privado criado para bancar o incentivo financeiro à permanência de alunos no
ensino médio.
A trava
está sendo negociada no âmbito do projeto de lei complementar que autoriza o
repasse fora do limite de despesas vigente neste ano. O texto está na pauta do
plenário do Senado desta quarta-feira (29).
A
articulação se dá após críticas de técnicos do Executivo e economistas de fora
do governo, que viram na iniciativa um risco de contabilidade criativa por meio
da antecipação de gastos de anos futuros ou da exclusão de uma política pública
do Orçamento.
Segundo os
relatos, o governo calcula precisar de cerca de R$ 7 bilhões anuais para
custear a poupança dos alunos de ensino médio que estão em famílias
contempladas pelo Bolsa Família. Como a dotação do MEC (Ministério da Educação)
para 2024 já reserva R$ 1 bilhão, a necessidade adicional para a largada do
programa seria de R$ 6 bilhões.
Membros do
governo reconhecem a conveniência de usar o espaço disponível de R$ 10 bilhões
dentro da meta fiscal de 2023 para antecipar um gasto que, mantido em 2024,
colocaria pressão sobre o alvo de déficit zero fixado pelo ministro Fernando
Haddad (Fazenda). Mas a trava seria um compromisso de que não haverá
interferência na despesa dos anos seguintes.
Os aportes
de 2025 e 2026, também na casa dos R$ 7 bilhões em cada ano, constarão nos
respectivos Orçamentos, de acordo com interlocutores do governo. A soma
alcançaria o limite de até R$ 20 bilhões previsto na MP (medida provisória)
assinada por Lula.
O texto,
antecipado pela Folha de S.Paulo, diz que a integralização dos valores pode ser
feita com recursos do Orçamento, ações de empresas estatais federais ou
empresas nas quais a União tenha participação minoritária.
A
reportagem apurou, no entanto, que o Executivo não tem a intenção de usar ações
de empresas para integralizar cotas no fundo de apoio aos alunos do ensino
médio. O expediente já foi usado no passado para abastecer o fundo garantidor
do Fies, gerando problemas posteriores devido à baixa liquidez de alguns desses
ativos.
Segundo um
técnico, não há "nenhuma expectativa" dentro do governo de fazer o
aporte com ações, justamente pelas características do programa. Um depósito em
poupanças direcionadas a estudantes de baixa renda demandará liquidez de
recursos.
A avaliação
nos bastidores é que o dispositivo que autoriza o uso das ações de empresas foi
incluído por "questão de praxe", uma vez que ele é comum em leis que
tratam da criação de fundos de governo. Dado o ruído gerado pela iniciativa,
membros do governo não veem prejuízos na exclusão desse dispositivo, caso o
Congresso julgue mais adequado.
A edição da
MP gerou desconforto entre técnicos da área econômica, para quem o formato pode
ter impactos negativos na gestão fiscal. A visão é compartilhada por agentes do
mercado, que temem uma fragilização de regras —inclusive do novo arcabouço
fiscal, recém-aprovado e que começará a vigorar no ano que vem.
O
ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz
Partners, vê uma série de pontos questionáveis na proposta. "Acho que,
infelizmente, tem aqui um cheiro do uso da contabilidade criativa, e preocupa o
fato de se estar criando algo que possa estar em desacordo com a
Constituição", afirma.
O primeiro
problema, segundo ele, é a tentativa de tirar uma política pública do alcance
do novo arcabouço fiscal, aprovado este ano e que começará a valer a partir de
2024. Embora não haja exclusão formal da ação, a antecipação de uma parte do
aporte para o ano de 2023 tem efeito semelhante na prática.
"Há
uma clara intenção de postergar receitas que poderiam ocorrer este ano para o
ano que vem e antecipar despesas. É o subterfúgio da pedalada", critica
Kawall. "Se quero melhorar hoje, jogo pra amanhã. Se quero melhorar
amanhã, jogo para hoje. É girar o pedal da bicicleta para trás em vez de para
frente, mas não é uma boa coisa."
Outro alvo
de críticas é a possibilidade de fazer aportes no fundo por meio de ações de
empresas, operação que sequer seria registrada no Orçamento. Kawall questiona
se a manobra poderia se enquadrar na vedação do artigo 167 da Constituição
Federal, que proíbe o início de programas ou projetos fora da Lei Orçamentária.
"Como
vai fazer um programa que é por meio de um fundo, com aporte de ações, e não
aparece na despesa? Deixo registrada essa dúvida", diz.
Técnicos da
área econômica também manifestam discordâncias em relação ao texto, diante da
avaliação de que o Orçamento deve registrar todas as receitas e despesas, para
evitar uma erosão das regras fiscais.
Segundo
relatos colhidos pela reportagem, a criação do fundo privado foi discutida
inicialmente pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda. Posteriormente, o
MEC (Ministério da Educação) ingressou nos debates desse ponto específico. O
Ministério do Planejamento e Orçamento foi ouvido apenas informalmente, de
acordo com pessoas a par das tratativas.
O principal
argumento para optar pelo modelo de fundo, segundo interlocutores, é o
princípio do programa de oferecer uma poupança aos alunos de baixa renda —ainda
que haja alguma periodicidade de saques. O modelo seria diferente de um
benefício social, pago mensalmente e cuja folha poderia ser rodada dentro do
próprio Orçamento.
Manter o
programa sob a gestão direta do governo poderia ser visto como um precedente de
descentralização de benefícios sociais, o que essa ala vê como contraproducente
após o esforço feito pela unificação de programas no Bolsa Família.
Na visão do
governo, o cenário ideal é constituir o fundo ainda em 2023, para que o próximo
ano letivo já comece com a garantia do incentivo aos alunos.