As entidades que
representam bancos, diversos segmentos de cartões e varejistas levarão para a
mesa de discussão com o Banco Central nesta terça-feira (7), às 17h, novos
estudos e propostas sobre o rotativo do cartão de crédito e o parcelamento de
compras sem juros.
De um lado, os bancos querem a limitação do número de
parcelas sem juros para no máximo seis. De outro, empresas independentes de
maquininhas refutam a necessidade de um redesenho da modalidade, alegando que o
parcelamento não é causa dos altos juros.
A reunião faz parte das tratativas do setor em busca de
uma solução dentro dos 90 dias dados pelo Congresso Nacional para resolver o
impasse por meio de autorregulação. Se as entidades não chegarem a um acordo
com aval do CMN (Conselho Monetário Nacional) nesse prazo, será aplicável o
teto que limita a dívida ao dobro do montante original.
A Abipag (Associação Brasileira de Instituições de
Pagamentos) encaminhou ao BC uma apresentação que sintetiza dois estudos
elaborados por especialistas com o objetivo de desconstruir os argumentos
usados pelos bancos de que há uma relação de causa e efeito do parcelado sem
juros na inadimplência, e, consequentemente, nas altas taxas cobradas no
rotativo.
O professor Claudio Ribeiro de Lucinda, da FEA-USP
(Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo), apontou em uma das análises que o uso do parcelamento de compras sem
juros diminui em cerca de 4% a chance de o consumidor cair no rotativo do
cartão e em 7% a possibilidade de estar inadimplente uma vez usando o rotativo.
"Se houve um aumento de risco na concessão de cartão
de crédito recentemente, ele parece estar mais relacionado à expansão do limite
concedido e da quantidade de cartões disponíveis por pessoa, em especial para
usuários de menor renda e em um momento de deterioração do ambiente
macroeconômico do país, do que com a modalidade escolhida pelo usuário do
cartão de crédito no momento da compra", disse.
Já Leonardo Rezende, professor associado da PUC-Rio
(Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), analisou o impacto
competitivo do parcelado sem juros sobre o rotativo do cartão de crédito. No
estudo, ele negou que haja subsídio cruzado entre as modalidades e disse que
não há justificativa econômica para a limitação do parcelamento sem juros.
"O sucesso do parcelado sem juros incomoda os grandes
bancos justamente porque traz competição para o mercado de compras a prazo com
cartão de crédito", afirmou.
"Intervir para limitar o tamanho desse mercado seria
contraproducente, uma vez que seria uma ação na direção oposta à de toda a
agenda de estímulo à competição empreendida pelo próprio Bacen", disse.
Nessa mesma linha de argumentação, a Abranet (Associação
Brasileira de Internet), que representa parte das empresas de maquininhas de
cartão, vai reforçar a defesa de que o parcelamento de compras sem juros não
tem relação direta com a inadimplência e com as altas taxas do rotativo de
cartão de crédito.
A entidade também pretende defender que os bancos podem
ajustar suas próprias políticas referentes ao parcelado sem juros, sem que o BC
seja obrigado a tabelar ou limitar a modalidade.
A ideia é destacar alguns pontos da carta aberta divulgada
pela Abranet, na qual informou ao BC que não concorda com a proposta de limitar
as compras parceladas sem juros.
Em outubro, representantes do setor se reuniram pela
primeira vez após a aprovação do projeto de lei pelo Congresso para reduzir os
juros do rotativo. A proposta inicial apresentada pelo Banco Central na ocasião
previu que, em um primeiro momento, as compras sem juros poderiam ser feitas
em, no máximo, 12 vezes. A autoridade monetária não descartou a possibilidade
de haver reduções adicionais no limite máximo de pagamento.
Segundo relatos de participantes da reunião, houve uma
exposição inicial do diretor de Organização do Sistema Financeiro e de
Resolução da autoridade monetária, Renato Gomes.
Ele sugeriu uma redução escalonada para o parcelamento sem
juros. Como mostrou a Folha de S.Paulo, os bancos já avaliavam propor um corte
gradual. Tanto a proposta de Gomes como a dos bancos faziam referência a um
limite de seis vezes.
A taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas
físicas na modalidade, em agosto, ficou em 445,7% ao ano.
No encontro desta terça, foram incluídos novos atores na
discussão, como o representante da Câmara Brasileira de Economia Digital. O
presidente da entidade, Leonardo Palhares, vê com preocupação a tentativa de
limitar o parcelamento sem juros.
"A manutenção do parcelamento sem juros é fundamental
para a manutenção do crescimento do comércio eletrônico e do varejo
tradicional, em um período ainda de recuperação após anos de pandemia. Não há
espaço para retrocessos", disse ele, em nota.
Entre os varejistas, a ideia é discutir uma saída em cima
das propostas que serão apresentadas tanto pelos bancos quanto pelas entidades
que representam cartões.
Um dos envolvidos na negociação disse ter baixa
expectativa quanto ao avanço das negociações nesse momento por acreditar que
não haverá concordância entre as partes. Outro se mostrou mais otimista por
considerar que o melhor caminho é buscar uma solução de mercado.
Procurada, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos)
disse, em nota, seguir engajada nas discussões, ao lado das demais entidades
que representam a indústria de cartões, para "contribuir na construção de
avanços estruturais na dinâmica do produto".
"A Febraban continua aprofundando os estudos para
debater com o BC e as entidades os caminhos que entendemos necessários",
afirmou.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Rodrigo Maia, atual
presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), disse
que dificilmente haverá solução para o problema sem que todos os atores do
setor mostrem seus posicionamentos com transparência e tentem chegar a um ponto
de equilíbrio.
"As pessoas têm que sentar à mesa com menos emoção,
com menos coração, com menos fígado, com mais razão. Em uma negociação, todo
mundo pode ceder um pouco", afirmou.
Segundo o ex-presidente da Câmara dos Deputados, pela
conta dos bancos, a proposta inicial de limitar o parcelado sem juros a 12
vezes, em um primeiro momento, impacta muito pouco. "No total, 96% está
abaixo disso. Por outro lado, a inadimplência começa a partir da quarta
parcela", disse.
"Arbitrar uma equação é uma decisão dos atores e,
principalmente, do órgão regulador. Cabe ao papel constitucional do Banco
Central", afirmou.