Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Um estudo
liderado por pesquisadores brasileiros da UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul) desvendou o mecanismo por trás de um marcador genético associado
ao maior risco para desenvolvimento de Alzheimer.
O artigo,
publicado no último dia 25 na revista especializada Nature Aging, descreve como
a presença de um ou dois alelos (como são chamadas as cópias de um determinado
gene) de um gene conhecido como Apoe (apolipoproteína E) aumenta o risco de
Alzheimer de três a 15 vezes.
Isso
porque, segundo a pesquisa, esse gene acelera o acúmulo das proteínas beta
amiloide e tau no cérebro, ligadas ao declínio cognitivo. O mecanismo pelo qual
esse gene leva ao maior depósito de proteínas no cérebro é pela chamada
hiperfosforilação (adição de uma molécula de fosfato na proteína).
Em um
estado normal, a proteína tau tem a função de reparar a estrutura dos
neurônios. Já na forma hiperfosforilada, ela falha na manutenção das estruturas
deles, levando à morte celular.
Além disso,
a presença de uma ou mais formas desse gene parece também acelerar o acúmulo de
placas da proteína amiloide. Segundo o estudo, esses são os principais fatores
responsáveis por provocar o dano cerebral e o declínio cognitivo associados ao
Alzheimer.
Os achados
são importantes, pois podem ajudar na detecção de pacientes com sintoma inicial
de Alzheimer, uma vez que o paciente que carrega o gene pode descobri-lo por um
exame de sangue.
O
doutorando no departamento de bioquímica da UFRGS e aluno do curso de medicina
na universidade, João Pedro Ferrari Souza, explica que 25% da população possui
uma cópia do gene, e 1%, as duas, representando, assim, mais de um quarto da
população com elevado risco para demência.
Ele faz uma
ressalva, porém, que a presença dessa cópia não equivale aos casos de Alzheimer
de origem hereditária, isto é, cujo gene ligado à condição foi passado aos
descendentes, o que representa aproximadamente 10% dos casos.
A pesquisa
foi parte do chamado período sanduíche de Souza nos Estados Unidos, quando o
pós-graduando fica um ano em uma instituição estrangeira, sob a orientação de
Eduardo Zimmer, da UFRGS, e Tharick Pascoal, da Universidade de Pittsburgh
(EUA). Participaram também pesquisadores da Universidade McGill, no Canadá, e
da Universidade de Gotemburgo, na Suécia.
No período
de dois anos, foram avaliados 94 pacientes de Alzheimer de uma grupo de estudo
chamado Triad (biomarcadores translacionais em envelhecimento e demência, em
tradução livre), da Universidade McGill, no Canadá.
Os
participantes foram submetidos a quatro análises distintas para verificar a
presença das variantes ?4 do gene Apoe (lê-se variante epsilon 4 do gene
apolipoproteína E): liquor (líquido cerebral na barreira crânio-cérebro),
sangue, exames de imagem de ressonância magnética e PET-amiloide, um tipo de
tomografia específica para placas de amiloide.
Os
cientistas viram que a presença do alelo Apoe?4 potencializa os efeitos
deletérios da proteína beta amiloide. "Ou seja, o Apoe?4 acelerava o
efeito que o amiloide tinha no acúmulo da proteína tau. Os indivíduos que
tinham um alelo tinham um risco de 3 a 4 vezes maior de desenvolver Alzheimer,
e os dois alelos, de 12 a 15 vezes, comparado com os indivíduos que não
carregavam", afirma Souza.
Segundo
ele, as novas drogas recém-aprovadas para o tratamento da fase inicial de
Alzheimer, como o donanemabe, da Eli Lilly, e o lecanemab, da empresa Biogen,
cuja ação é justamente na formação das placas amiloides, podem ser aliados à
nova descoberta.
"Nós
acreditamos que o ideal seria, nessas pessoas, combinar as terapias, isso é,
você faz um exame para determinar que tem o marcador genético, o gene Apoe?4, e
aí você pode saber qual vai ser o benefício específico do paciente com as novas
drogas", explica.
As drogas
não estão ainda disponíveis no Brasil. A Eli Lilly ainda não pediu o registro
do seu fármaco na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Até o
começo deste semestre, também não havia prazo de quando o lecanemab poderia
chegar ao país.
Por
enquanto, os medicamentos disponíveis no país para tratamento de Alzheimer são
os anticolinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) e a memantina,
voltados para a redução dos sintomas.
E, além
disso, os ensaios clínicos dos medicamentos apresentaram efeitos colaterais
importantes, embora raros, como edemas (inchaço) e hemorragias cerebrais.
Contudo,
Souza está confiante de que a descoberta de sua equipe pode, inclusive, ajudar
a pavimentar novos estudos para o desenvolvimento de drogas.
"Estes
achados ajudam na compreensão desta condição neurodegenerativa importante que,
em 2030, deve afetar mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo, com
implicações diretas para o tratamento da doença de Alzheimer", disse.