Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil
Atualizar
as vacinas contra Covid para serem mais adaptadas às novas variantes pode ser
mais eficaz na proteção contra o vírus do que utilizar doses bivalentes, que
combinam a cepa ancestral e novas variantes.
Além disso,
os níveis de anticorpos produzidos a cada nova imunização e presentes na
corrente sanguínea decaem após alguns meses, enquanto a resposta imune
fornecida por células de defesa pode ser mais duradoura. É o que mostra artigo
publicado nesta quinta-feira (12) na revista científica Science.
No caso das
vacinas bivalentes contra a Covid, o fenômeno de reação cruzada indica uma
proteção alta contra partes do vírus compartilhadas pela variante de Wuhan e as
linhagens em circulação, descendentes da ômicron, mas não conseguem oferecer
muita proteção humoral (de anticorpos) contra as novas cepas.
Por isso,
acabam sendo menos eficazes do que as vacinas monovalentes adaptadas,
argumentam no artigo Florian Krammer, virologista da Escola de Medicina Icahn
do Hospital Mount Sinai, em Nova York, e Ali Ellebedy, professor de patologia e
imunologia da Universidade de Washington.
Apesar
disso, os autores afirmam que ainda é cedo para saber quais as formas do vírus
que devem ser escolhidas para as atualizações e com qual frequência as novas
doses devem ser produzidas -se a cada seis meses ou um ano.
No artigo,
Krammer e Ellebedy afirmam que as vacinas contra Covid fabricadas no início da
pandemia foram importantes para garantir a imunização de um grande número de
pessoas, impedindo assim o espalhamento do vírus e, principalmente, os quadros
graves e óbitos de Covid.
Porém,
conforme o vírus foi se modificando, as novas formas conseguiam escapar da
proteção conferida pelos anticorpos se apresentassem alterações significativas
na sua estrutura.
Ao entrar
em contato com o vírus na vida real, o organismo já possui uma memória
imunológica para reconhecer aquele alvo e produzir os anticorpos, reduzindo a
infecção.
Só que as
vacinas feitas lá atrás usavam o antígeno da variante de Wuhan, e o Sars-CoV-2
ainda está em evolução, ganhando novas mutações a cada replicação na população.
Algumas das formas que apresentaram esse chamado escape imune foram a beta
(detectada em 2020 na África do Sul), delta (em abril, na Índia) e a ômicron
(novembro de 2021).
Diferentemente
da gripe, cuja cepa dominante já é conhecida e definida pela OMS (Organização
Mundial da Saúde) no ano anterior da nova estação, dando assim possibilidade de
modificar as vacinas, é difícil prever qual será a variante dominante da Covid.
A resposta
imune gerada por vacinas formuladas com as cepas antigas é, assim, menos eficaz
em reconhecer esses novos epítopos (parte do vírus que sofre modificação),
tornando a estratégia de reforço com doses desatualizadas menos interessante a
longo prazo.
"As
vacinas bivalentes foram importantes para aumentar a resposta imune e fornecer
proteção extra. Infelizmente, o vírus já evoluiu o suficiente desde o
lançamento do reforço bivalente. Agora, estamos em um momento melhor [...], e
as vacinas monovalentes atualizadas são próximas do vírus atualmente dominante
(XBB.1.5)", disse Krammer, do Hospital Mount Sinai, em NY, em entrevista
por email à Folha de S.Paulo.
Olhando
para o futuro, usar vacinas que sejam mais eficientes contra as cepas em
circulação parece ser uma opção mais viável do que a atualização anual, afirma
o virologista. "Na minha opinião, uma solução melhor ao problema seria que
as vacinas incluam linhagens distintas que focam na resposta imune em áreas do
vírus conservadas entre as diferentes variantes."
Em
setembro, a agência reguladora americana FDA, responsável por licenciar
produtos alimentícios e medicamentos, deu aval para a utilização das vacinas
monovalentes das farmacêuticas Moderna e Pfizer atualizadas contra a
subvariante XBB.1.5, descoberta no final do ano passado e considerada altamente
transmissível.
A
autorização veio após a análise de um estudo apresentado pelas próprias
empresas mostrando que as novas versões geram uma resposta imune elevada contra
as formas em circulação.
A EMA
(Agência Europeia de Medicamentos) também recomendou a utilização de vacinas
adaptadas contra as cepas mais transmissíveis e que vêm provocando aumento de
casos de Covid no mundo. Já a OMS indicou que a vacinação contra Covid deve ser
anual, com as doses de reforço já reformuladas para novas variantes que
surgirem.
Tecnologias
de vacinas como o RNA mensageiro (mRNA), cuja descoberta levou a bioquímica
húngara Katalin Karikó e o médico Drew Weissman a serem laureados com o prêmio
Nobel de fisiologia ou medicina deste ano, permitem essa adaptação com
facilidade, uma vez que é preciso apenas "trocar" o código do
material genético nas fórmulas responsável por ler e produzir a proteína S ou
Spike (espícula, gancho utilizado pelo vírus para entrar nas células) do
Sars-CoV-2.
Outras
plataformas, como as vacinas de proteínas recombinantes (como a Novavax, que
também já tem uma versão atualizada contra a XBB.1.5), também podem ser
facilmente adaptadas.
Os autores
advertem que doses anuais de reforços podem ser difíceis de se estabelecer a
nível global, e a desigualdade vacinal vai sempre levar ao aparecimento de
novas variantes, com a possibilidade de surtos serem registrados aqui e ali.
Pessoas com
comorbidades ou com um risco elevado de adoecimento por Covid podem ser
priorizadas para receber essas fórmulas atualizadas, já que seriam mais
suscetíveis às novas variantes mais evasivas.
Além disso,
o desenvolvimento de vacinas em spray nasal, capazes de barrar o vírus já na
porta de entrada no organismo, podem ser interessantes para gerar uma maior
proteção na população.