Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
Mesmo sem
acordo entre todas as entidades e empresas de trabalhadores por aplicativo, o
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara um projeto de lei para
regulamentar as atividades das plataformas digitais.
A proposta
a que a Folha teve acesso inclui o pagamento de contribuição ao INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social), seguro de vida de R$ 40 mil e valor mínimo por
hora, entre outros direitos trabalhistas e previdenciários.
Pela minuta
do projeto, prestadores de serviço de empresas como Uber, 99, iFood e Rappi
poderão trabalhar como autônomos ou ser contratados por meio da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho).
Há ainda
regras como abertura de postos de apoio —com estrutura sanitária e refeitórios,
por exemplo—, transparência nas avaliações, com impedimento de as plataformas
suspenderem trabalhadores, além de custeio de itens necessários para o trabalho
e oferta de equipamentos de proteção.
As empresas
deverão cadastrar e descontar a contribuição ao INSS dos trabalhadores,
conforme o tipo de contrato de trabalho. Haverá ainda contribuição
previdenciária dos aplicativos, também dependendo do tipo de contrato.
A minuta,
que ainda poderá ser alterada, proíbe o enquadramento da categoria como MEI
(Microempreendedor Individual), que tem alíquota de 5% sobre o salário mínimo.
O projeto
de lei começou a ser elaborado no final de agosto, pela coordenadoria-geral de
legislação e normas do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), do Ministério
da Previdência Social.
Procurada,
a Previdência não comentou o teor da minuta. Afirmou que integrou o grupo de
trabalho para a regulamentação das plataformas digitais e confirmou que "a
inclusão previdenciária desses profissionais é um dos temas em pauta".
"Ainda
não há um projeto fechado, nem uma data definida de quando será enviado ao
Congresso Nacional", disse a pasta, em nota.
O
Ministério do Trabalho e Emprego, por sua vez, enviou o vídeo da sessão da qual
o titular da pasta, Luiz Marinho, participou nesta segunda-feira (9), no
Senado.
A minuta traz
três opções de contrato de trabalho, uma como prestador de serviços, outra como
contribuinte individual e uma terceira com carteira assinada.
No caso de
quem optar por ser contribuinte individual, não há horários e dias de trabalho
fixos, e o desconto da contribuição ao INSS será de 11% sobre a remuneração,
conforme legislação previdenciária de 1991, que rege as regras das
contribuições até hoje. A empresa também pagará sua parte.
Para quem é
CLT, as alíquotas variam de 7,5% a 14%, e são aplicadas sobre cada faixa da
remuneração, além da contribuição empresarial de 20%. No entanto, aplicam-se as
regras da carteira assinada, com horário de entrada e saída, e dias específicos
de trabalho.
"Se
ele for contribuinte individual, ou seja, aquele que tem liberdade, que presta
serviço de modo eventual, quando ele quer, como quer, onde quer, enfim, a
contribuição vai ser 11%", afirma a advogada especialista em Previdência
Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário).
Um grupo de
trabalho debateu por 150 dias a regulamentação das atividades, mas foi
encerrado no dia 12 de setembro sem um entendimento com os trabalhadores de
entrega. Houve, porém, avanços com motoristas de aplicativos de passageiros.
"Nós
estamos praticamente acordados com o setor de aplicativos de transporte de
pessoas; as bases estão acordadas", disse o ministro do Trabalho e
Emprego, Luiz Marinho, nesta segunda, em audiência na Comissão de Direitos
Humanos do Senado.
"Com
relação aos entregadores, ainda não houve acordo, não está sendo fácil,
provavelmente nós teremos que remeter ao Congresso Nacional arbitrando o que
vai acontecer, pois as empresas estão muito duras com relação a isso",
afirmou.
Na sexta
(6), Marinho tratou sobre o impasse com o setor de duas rodas em um evento no
SindPD (sindicato de processamento de dados), em São Paulo. "Sobre quatro
rodas [caminha para entendimento]. Duas rodas não está dando acordo. Então o
governo vai arbitrar provavelmente."
Na ocasião,
o ministro criticou o que chamou de precarização do trabalho. "A sociedade
tem de refletir se deseja um garoto, uma garota, lhe entregando a comida
quentinha em minutos, se ele está sendo bem tratado, e se ele está tendo o direito
de levar essa comida para sua família. Ou não importa o bem-estar?",
disse.
"Meu
bem-estar pode estar sendo servido por trabalho na área da escravidão? Trabalho
ultraprecário? É isso que a sociedade brasileira pensa? Não acredito",
completou a uma plateia de sindicalistas, que o aplaudiu.
A ideia da
pasta é apresentar a proposta em duas semanas. Antes, o ministério pretende
levar o texto para conhecimento de Lula. "Eu pedi primeiro que a gente
escreva [o projeto]", disse Marinho na sexta.
VALOR
MÍNIMO A SER PAGO
Pelas
negociações, o valor mínimo a ser pago pela hora trabalhada poderá ser de R$ 17
para os motoristas de motocicleta ou bicicleta, setor chamado de duas rodas, e
R$ 30 para os motoristas que transportam passageiros, o setor de quatro rodas.
O valor não
está expresso na minuta. A Folha, porém, confirmou com três fontes a par das
negociações.
A ideia é
que haja uma remuneração mínima de R$ 1.320 no mês, que é o salário mínimo
atual. Para isso, a jornada de trabalho seria de 176 horas levando em conta a
hora do salário mínimo, de R$ 7,50.
O problema
é que os entregadores que trabalham de moto ou bicicleta exigem o pagamento da
chamada hora logada, enquanto empresas defendem a hora trabalhada.
O
presidente da Amabr (associação dos motofretistas de aplicativos e autônomos do
Brasil), Edgar Francisco da Silva, o Gringo, afirmou que, para ele, foram 150
dias de negociação sem resultados. Gringo representa parte dos trabalhadores do
setor de duas rodas.
"Os
assuntos que a gente tratou foram remuneração, saúde, segurança, transparência
e Previdência. Nada avançou", disse Gringo. Segundo ele, o PL ficará a
critério do governo. "Estamos esperando o governo pôr este PL para fora
para ver o que é bom e o que é ruim para nós. Os R$ 17 são inaceitáveis",
disse.
"Este
valor de R$ 17 por hora trabalhada não é aceito pelos trabalhadores, o certo é
hora logada. Esses R$ 17 que estão sendo citados é uma proposta ridícula. No
iFood, por exemplo, o entregador já ganha mais de R$ 23 a hora", afirmou.
VEJA AS
REGRAS PROPOSTAS PELO GOVERNO
A lei a ser
apresentada ao Congresso "regulamenta as formas de trabalho prestado por
meio de aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede, estabelece
mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos para a melhoria das
condições de exercício das atividades", diz minuta do projeto.
DEFINIÇÃO
DO REGIME JURÍDICO DAS EMPRESAS
Serão dois
tipos: empresa prestadora de serviços que opera por plataforma digital, que
administra e disponibiliza a oferta de serviços por aplicativos ou outras
plataformas de comunicação em rede; e empresa de anúncio de serviços que opera
por plataforma digital.
COMO DEVE
SER O CONTRATO DE TRABALHO
O contrato
de trabalho terá as seguintes cláusulas obrigatórias: a definição das condições
da prestação do serviço; a definição da política/forma de remuneração; a
definição das políticas/regras de pontuação, bloqueio e desligamento do
trabalhador que presta serviço por meio de aplicativos ou plataformas digitais
e a forma de avaliação dos serviços prestados.
ESPAÇO DE
APOIO
A empresa
deverá disponibilizar acesso a espaços de apoio para os prestadores, com
instalações sanitárias e lavatório, ambiente para refeições, água potável,
descanso e conexão à internet, em número proporcional ao fluxo de prestadores a
serem atendidos. Elas poderão, inclusive, compartilhar o mesmo espaço entre si,
ofertando a seus prestadores de serviços.
SEGURO DE
VIDA E INDENIZAÇÕES
O seguro de
vida deverá ser de 30 vezes o piso do INSS, que é o salário mínimo nacional,
hoje em R$ 1.320, o que dá R$ 39,6 mil. Além disso, as empresas devem indenizar
alguns custos. Os percentuais são de até 60% ou até 40%, dependendo do tipo de
custo, mas a minuta não define os tipos. Há ainda cláusula que prevê
fornecimento de equipamentos de segurança.
PAGAMENTO
DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E DESCONTO DE INSS
As empresas
poderão ter três tipos de contrato com os trabalhadores: como prestador de
serviço, contribuinte individual por conta própria e trabalhador contratado por
CLT.
Haverá o
desconto da contribuição ao INSS por parte da empresa para o qual o trabalhador
presta o serviço e também o pagamento de percentual da contribuição
previdenciária do empregadores.
Para quem
for contratado por CLT, é necessário cumprir horário, mas serão garantidos
direitos como 13º, férias, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e
horário de intervalo, entre outros.