Foto: Alessandro Paiva/ FreeImages
Os roubos e
furtos de cabos de telecomunicação cresceram no Brasil e atingiram patamar
recorde nos seis primeiros meses de 2023. As dinâmicas associadas a esse tipo
de crime têm mudado e hoje envolvem também os próprios funcionários das
empresas de telefonia.
De janeiro
a junho, quase 2,9 mil km de fiação foram furtados no país, o equivalente a 16
km por dia.
O volume é
suficiente para cobrir a distância entre as cidades de São Paulo e Belém, no
Pará, e supera em 23,5% as ocorrências registradas no mesmo período do ano
passado, quando empresas do setor contabilizaram perda de 2,3 mil km de cabos.
Os dados
foram reunidos pela Conexis Brasil Digital, entidade que representa as
principais operadoras de telefonia e internet do país.
Ao longo do
ano passado, segundo a entidade, o furto de fiação afetou 7 milhões de pessoas
em todo o território nacional, com a queda de serviços de telefonia, internet e
TV por assinatura.
"Além
do prejuízo imediato, que é a perda do serviço, a empresa tem que fazer novo investimento
para recuperar a rede, quando poderia usar esse recurso para levar conexão a
outras localidades", afirma Daniela Martins, diretora de relações
institucionais e governamentais da Conexis.
Mais de um
quinto das ocorrências mapeadas pela entidade foram registradas em São Paulo,
estado que concentra a maior fatia do mercado consumidor e onde esse crime teve
aumento acima da média. De janeiro a junho, 664 km de fios foram furtados,
crescimento de 35% na comparação com o mesmo período de 2022.
Em seguida
vem o Paraná, onde empresas de telecomunicações registraram perda de 591 km de
fiação no primeiro semestre deste ano.
Terceira
colocada no ranking, a Bahia é o estado brasileiro em que esse tipo de crime
mais cresceu de um ano para o outro —foram contabilizados 296 km de cabos
furtados no primeiro semestre, alta de 188,5%.
O cobre é
um dos principais materiais utilizados em fiações para serviços de
telecomunicações e movimenta a ação de criminosos pelo alto valor de mercado.
Atualmente, o quilo do metal é cotado em aproximadamente R$ 40, conforme a
bolsa de metais de Londres.
Segundo o
delegado Paulo Eduardo Pereira Barbosa, do Deic (Departamento Estadual de
Investigações Criminais), as dinâmicas associadas ao furto de fios têm mudado
no estado de São Paulo.
"Normalmente
é atribuído a pessoas em condição de vulnerabilidade, que cometem esses crimes
para alimentar o vício em drogas. Mas têm crescido os casos em que há
envolvimento dos próprios funcionários das empresas de telefonia", afirma.
Desde
fevereiro, a divisão comandada por Barbosa na Polícia Civil prendeu 56 pessoas
em flagrante pelo furto de fios de cobre. Desses, ele diz, 29 eram funcionários
de empresas de telecomunicações ou terceirizados.
"Eles
detêm informação privilegiada, sabem onde estão os fios que têm maior valor
comercial", afirma o delegado, que atribui o aumento nos casos de furto à
atuação dessas quadrilhas. "Esses caras usam carro da empresa, com três ou
quatro pessoas, e puxam 300 metros de fio tranquilamente", acrescenta
Barbosa.
No fim de
setembro, uma falsa equipe de manutenção de equipamentos de telefonia foi presa
em flagrante na zona sul de São Paulo com 118 metros de cobre roubado, material
avaliado em R$ 36,8 mil. Os criminosos estavam uniformizados e tinham até um
veículo com logomarca de empresa do ramo para disfarçar a atividade ilícita.
Cinco pessoas foram presas.
Atualmente,
a 3ª Divisão de Investigações sobre Crimes Contra o Patrimônio investiga cerca
de dez metalúrgicas por receptação do material. As empresas são responsáveis
por processar o cobre obtido ilegalmente e reinserir o metal no mercado
regular.
Sobre os
funcionários envolvidos em furto e desvio de fios, a Conexis afirma que
"as operadoras reafirmam seu compromisso em colaborar com as autoridades
competentes para combater e prevenir o roubo e furto de cabos de
telecomunicações".
A entidade
diz ainda que as empresas estão empenhadas no combate a essas ações, "o
que inclui a cooperação com as forças de segurança e os órgãos reguladores e
ações educadoras com colaboradores e clientes para identificar atividades
suspeitas".
O furto de
fios, que cresce sobretudo em grandes centros urbanos, não impacta unicamente
os serviços de telecomunicações.
Somente até
abril, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) registrou 2.223 falhas em
semáforos da capital paulista em decorrência desse crime, a maioria no centro.
O montante equivale, em média, a 18 panes por dia, que prejudicam ainda mais o
trânsito na cidade. Segundo a empresa, há casos em que são necessárias mais de
12 horas de trabalho para a reposição dos cabos e o restabelecimento do
serviço.
Serviços
como transporte sobre trilhos, iluminação das ruas e distribuição de energia
elétrica também estão sujeitos a interrupções devido aos furtos e roubos de
fios.
Segundo a
concessionária Enel São Paulo, de 2018 a 2022 esse tipo de ocorrência teve um
salto superior a 1.000% e segue em alta neste ano: até julho, a empresa
contabilizou mais de 9.000 furtos de fios em sua rede aérea na Grande São Paulo,
número que supera em quase 30% os casos registrados no mesmo período de 2022. A
empresa atende a aproximadamente 8 milhões clientes na capital e em outros 23
municípios da região metropolitana.
O
agravamento das estatísticas motivou a abertura de uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) na Câmara Municipal de São Paulo. Segundo o vereador
Coronel Salles (PSD), relator da comissão, a legislação municipal dificulta a
fiscalização de ferros-velhos, que ainda estão entre os principais receptadores
do metal.
"Até o
fim de outubro vamos apresentar duas proposições de alteração legislativa. A
primeira é para que não se permita mais a abertura de novos ferros-velhos na
região do centro expandido da capital", afirma o vereador.
"A
outra é que, ao se constatar atividade ilícita nessas empresas de reciclagem,
os comércios tenham o alvará de funcionamento suspenso por até 90 dias, para
que a atividade seja regularizada", acrescenta.
Por meio de
nota, a Prefeitura de São Paulo disse que, para inibir as ações criminosas,
adota medidas como a elevação de controladores semafóricos e concretagem e
solda de tampas das caixas de passagem da fiação.
De acordo
com a administração municipal, a concessionária responsável pela iluminação pública
da cidade "está substituindo a fiação de cabos semafóricos na cidade de
cobre por alumínio nos pontos de maior recorrência de furtos, uma vez que o
material tem menor valor de revenda no mercado paralelo".
Em relação
à fiscalização de ferros-velhos, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que o
trabalho é feito pelas subprefeituras, que verificam documentação e podem
lacrar estabelecimentos caso alguma licença esteja em desacordo com a
legislação vigente.