Foto: Marcos Vergueiro/Secom-MT
O mês
passado teve o mais alto índice de desmatamento para o mês de setembro já
registrado no cerrado. Foram perdidos 516,7 km² (área que equivale à de Maceió,
509 km²), superando a marca anterior, de 451,5 km², de 2018. Em relação a
setembro de 2022, o crescimento foi de 89% no bioma.
Na
amazônia, porém, a destruição da floresta foi de 590,3 km², caindo 59% na
comparação com o mesmo período do ano passado. Em 2022, durante o governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi atingido o número mais alto para
setembro, com 1.454,7 km².
Os dados
são do Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que
reúne informações para o combate ao desmate quase em tempo real, divulgados
nesta sexta-feira (6). A série histórica recente do sistema tem início em 2015
para a amazônia e em 2018 para o cerrado.
Os estados
onde o desmatamento mais avançou no cerrado foram Maranhão (155,6 km²), Bahia
(90,5 km²), Tocantins (83,6 km²) e Piauí (47,8 km²). A região, conhecida como
Matopiba, concentra a porção mais conservada do bioma -ao mesmo tempo, é
considerada uma fronteira do agronegócio e, nos anos recentes, tem sido o foco
da maior parte do desmate do cerrado.
Ao
contrário da amazônia, no cerrado o desmatamento ocorre principalmente em
propriedades privadas. Um dos motivos para isso é que, segundo o Código
Florestal, no bioma é possível desmatar até 80% da área deste tipo de imóvel
(ou até 65% em locais de transição para a floresta amazônica), enquanto na
amazônia o limite é de 20%.
O cerrado é
o segundo maior bioma brasileiro e corresponde a quase um quarto de todo o
território nacional (23,3%).
Já na
região amazônica, os números continuam a cair mesmo na temporada de seca,
quando normalmente são registrados os piores índices do ano. Desde abril, o
governo do presidente Lula (PT) tem destacado o aumento em ações de
fiscalização -como embargos, multas, apreensões e destruição de equipamentos
usados no desmate- em resposta ao crime ambiental.
Os piores
índices de desmatamento no bioma em setembro foram registrados em Pará (282,2
km²), Mato Grosso (116,5 km²) e Amazonas (94,6 km²).
O Deter
mapeia e emite alertas de desmate com o objetivo de orientar ações do Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e
outros órgãos de fiscalização. Os resultados representam um alerta precoce, mas
não são o dado fechado do desmatamento.
Os números
oficiais são de outro sistema do Inpe, o Prodes (Projeto de Monitoramento do
Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), e são divulgados duas vezes ao
ano.
Para Yuri
Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados, o novo recorde é explicado
pela insuficiência das ações governamentais no bioma. "É imprescindível
que o governo e os estados entendam que as políticas públicas usadas para
proteger a amazônia em grande parte não cabem no cerrado, porque o contexto é
muito diferente", afirma.
Entre as
singularidades da região, ele destaca que é imprescindível que haja maior
controle e critérios mais rigorosos para as autorizações de supressão de
vegetação concedidas aos produtores rurais, em especial pelas secretarias de
meio ambiente estaduais.
Além disso,
considera que a alta impunidade para crimes ambientais fomenta essas
atividades. "Você vê que, quanto mais se protege a amazônia -o que é
imprescindível-, aqueles pecuaristas ou aqueles desmatadores que eventualmente
queriam desmatar a amazônia agora vão desmatar cerrado", diz.
Em
setembro, uma operação do Ibama embargou 10 mil hectares em 11 fazendas no
sudoeste do Tocantins.
Foram
aplicadas multas totalizando R$ 19,6 milhões por irregularidades como
desmatamento ilegal, impedimento de regeneração em área embargada,
descumprimento de embargos e execução de atividades sem licenciamento.
Salmona
ressalta, ainda, o fato de o Código Florestal permitir um índice muito alto de
desmate legal no bioma.
"Não
há mais que se falar em desmatamento legal e ilegal no cerrado", opina.
"Porque, se a gente for falar de desmatamento legal, ainda vamos ver a
derrubada de cerca de 40 milhões de hectares", estima, referindo-se à área
que poderia ser derrubada segundo a legislação atual.
"As
taxas de desmatamento no cerrado não vão cair enquanto a narrativa for essa,
enquanto o empenho do governo for de simplesmente inviabilizar o desmatamento ilegal."
Atualmente,
está em consulta pública o PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle
do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado), elaborado pelo Ministério do
Meio Ambiente e Mudança do Clima. Um plano semelhante para a amazônia, o PPCDAm
foi publicado em junho pelo governo federal.
O texto
preliminar do PPCerrado é criticado por Salmona, que o considera insuficiente
por não definir prazos, responsabilidades ou investimentos e por, na sua
opinião, não ser inovador. "Acho que precisamos de mecanismos inovadores
para poder lidar com o desmatamento no cerrado. Se inovou muito para controlar
o desmatamento na Amazônia."
No caso
amazônico, os índices positivos do último mês coincidem com uma crise hídrica
na região. A falta de água, que provocou a morte de mais de uma centena de
botos e interrompeu a produção de energia em uma hidrelétrica, tem deixado
comunidades ribeirinhas isoladas pelo baixo nível dos rios.
Paulo
Moutinho, pesquisador sênior do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia), considera que essa dificuldade nos deslocamentos na região pode ter
influenciado a redução na derrubada da floresta.
"Embora
na seca seja mais fácil desmatar, porque há diminuição da umidade, facilitando
principalmente a limpeza das áreas derrubadas com fogo, boa parte do transporte
de madeira retirada por desmatamento, seja ele legal ou ilegal, é feita através
dos rios, que estão com níveis bastante baixos", explica.
Apesar
disso, ele atribui a melhora nos números principalmente às ações de
fiscalização implementadas pelo governo federal, aliadas a campanhas contra o
garimpo ilegal e outros ilícitos ambientais.
"É
importante ter em mente que esses dados do Deter, que serão consolidados no
final do período através do Prodes, precisam ser consistentes", afirma.
"Porque historicamente nós temos uma evolução de sobe e desce das taxas de
desmatamento."
A previsão
para os próximos meses é de menos chuva do que o normal na região Norte.
"É
fundamental que entendamos que a floresta em pé mantém um clima equilibrado. Os
efeitos das secas trazidas pela mudança global do clima, que aumenta a potência
de eventos como os que estamos vendo este ano, de El Ninõ e aquecimento do
Atlântico Norte, serão mais potencializados quanto mais desmatamento houver na
amazônia. E as taxas, apesar das quedas, ainda são altas se comparadas ao
período de 2005 a 2012", destaca. No Brasil, o desmatamento é a principal
fonte das emissões de carbono.
Moutinho
aponta, ainda, que é importante avaliar quais medidas serão implementadas para
a manutenção da proteção à floresta, uma vez que o desmatamento esteja sob
controle e em queda sucessiva, para criar alternativas de prosperidade
econômica e distribuição de renda.