Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado
A CCJ
(Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado aprovou nesta
quarta-feira (10), por 15 votos a 11, uma PEC (Proposta de Emenda à
Constituição) que permite a comercialização do plasma sanguíneo.
O texto
libera coleta, processamento e venda do plasma no Brasil por empresas privadas.
Esta parte líquida do sangue é utilizada em tratamentos, pesquisa e fabricação
de medicamentos hemoderivados.
O
Ministério da Saúde pressiona para barrar a proposta. A PEC ainda será avaliada
pelo plenário do Senado e pela Câmara.
A
possibilidade de pagar a doadores de sangue foi um dos temas de maior
divergência entre os senadores. Relatora da proposta na CCJ, a senadora
Daniella Ribeiro (PP-PB) afirma que o texto não prevê a remuneração.
Integrantes
do governo e parlamentares que se opõem à proposta, porém, avaliam que a PEC
abriria margem para esse tipo de pagamento. Isso porque o pagamento poderia ser
incluído na lei que regulamentaria o processo de coleta e uso do plasma
poderia.
O relatório
da PEC aprovado pela comissão afirma que uma lei "disporá sobre as
condições e os requisitos para a coleta, o processamento e a comercialização de
plasma humano pela iniciativa pública e pela iniciativa privada".
O texto
também diz que o plasma pode ser utilizado em laboratórios, desenvolvimento de
novas tecnologias e de produção de medicamentos "destinados a prover
preferencialmente o SUS".
Para ser
aprovada, além de passar pelas comissões, uma PEC precisa de três quintos dos
votos no Senado e na Câmara, em discussões de dois turnos.
Antes da
votação, o ministro da Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), disse
que a proposta não tem como garantir o controle sanitário dos bancos de sangue
nacional.
"É o
verdadeiro vampirismo mercadológico, autorizar que empresas privadas suguem o
sangue da população brasileira e transformem isso em produto a ser vendido, com
o discurso de que com essa venda, poderiam comprar produtos para tratar seus
pacientes privados", disse Padilha.
Hoje apenas
a estatal federal Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e
Biotecnologia) está autorizada a usar o plasma coletado no Brasil para a
produção de medicamentos.
O
Ministério da Saúde argumenta que a venda do plasma pode reduzir a oferta
nacional de hemoderivados, pois o produto feito com sangue coletado no Brasil
poderia ser vendido no exterior.
Integrantes
da equipe de Nísia Trindade ainda avaliam que acabar com a coleta voluntária
pode tornar mais escasso o sangue disponível para casos que exijam, por
exemplo, transfusões.
"Hoje
há absoluto controle de qualidade, levamos para quase zero as transmissões de
HIV e hepatite nas transfusões, e parte [do controle] se deve a não
comercializar a coleta", disse à Folha de S.Paulo, em abril, o secretário
de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães.
Os
conselhos de secretários de Saúde dos estados (Conass) e municípios (Conasems),
além da Fiocruz, também pedem a reprovação da PEC.
Apresentada
pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a PEC 10/2022 recebeu assinaturas de
outros 26 senadores de partidos da esquerda para a direita. Dois dos ministros
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subscreveram a proposta: Alexandre
Silveira (Minas e Energia) e Carlos Fávaro (Agricultura).
"Não
existe [previsão de] remuneração [a doadores de sangue e plasma] no projeto
relatado. Quem fala isso está induzindo os colegas ao erro", disse Trad
nesta quarta-feira (4).
Em voto
separado, que recebeu apoio de parte dos governistas, o senador Marcelo Castro
(MDB-PI) sugeriu liberar a participação do setor privado no processamento do
plasma, desde que autorizado pelo Ministério da Saúde e para abastecer "de
modo prioritário" o SUS. Esse texto não chegou a ser avaliado.
Criada em
2004, a Hemobrás ficou marcada por apuração da Polícia Federal sobre fraude em
licitação de obras e atrasos para finalizar a sua fábrica, localizada em Goiana
(PE).
A estatal
recolhe o plasma excedente dos hemocentros, ou seja, que não é usado em
transfusões, trata o produto e envia para o fracionamento. Essa última etapa,
que serve para isolar componentes do plasma, hoje é feita em farmacêutica na
Europa.
A PEC cita
o desperdício de bolsas de plasma como justificativa para a mudança na
Constituição. A estatal afirma que não há mais perda de plasma, pois o produto
obtido das coletas feitas no Brasil voltou a ser fracionado no exterior.
Depois
deste fracionamento, a estatal recebe os medicamentos de volta, como a
imunoglobulina, e distribui para atender parte da demanda do SUS.
A discussão
sobre a PEC ocorre no momento em que a Saúde tem dificuldade de abastecer a
rede pública com hemoderivados.
O
Ministério da Saúde afirma que a estatal entrega 30% dos hemoderivados
ofertados no SUS. O plano é produzir 80% destes produtos na Hemobrás em 2025,
ano em que o governo espera concluir a fábrica da empresa.
O novo PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) prevê investimentos de cerca de R$ 900
milhões no parque fabril da Hemobrás e na qualificação da rede de coleta de
sangue no Brasil.
Nos últimos
anos, a Saúde tem feito compras de mais de R$ 300 milhões por medicamentos não
registrados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), feitos com
plasma estrangeiro.
Esse
medicamento é utilizado no tratamento de diversas doenças, entre elas o HIV e
imunodeficiências. Desde 2018 o governo acumula compras frustradas e disputas
na Justiça e no TCU por causa da imunoglobulina.