Mudanças na
forma de cobrar a tarifa de transmissão, em análise no Congresso, podem alterar
o valor do bônus de outorga que a Copel deve pagar à União pela prorrogação dos
contratos de concessão de três de suas principais hidrelétricas.
O valor já foi fixado em R$ 3,7 bilhões e
até aprovado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), mas pode cair quase à
metade.
O termo que prorroga as concessões e libera
os recursos precisa ser assinado até dezembro deste ano, e o valor está sendo
considerado no Orçamento de 2024 pelo Ministério da Fazenda, dentro do esforço
para garantir receitas capazes de cumprir a meta de zerar o resultado primário.
Por meio de correspondência oficial ao MME
(Ministério de Minas e Energia), obtida pela Folha de S.Paulo, a Copel avisa
que as regras em vigor fazem parte das premissas para o cálculo da outorga das
hidrelétricas Governador Bento Munhoz da Rocha Netto (também denominada Foz do
Areia), Governador Ney Aminthas de Barros Braga e Governador José Richa
(anteriormente denominadas, respectivamente, Segredo e Salto Caxias) --e avisa
que as mudanças propostas pelo Legislativo vão elevar os custos da companhia,
reduzindo o bônus de outorga.
O Congresso discute a mudança por meio do
PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 365/2022. O texto, proposto pelo deputado
Danilo Forte (União Brasil-CE), já foi aprovado na Câmara.
Agora, o PDL está sob a relatoria do senador
Otto Alencar (PSD-BA), e previsto para ser avaliado na Comissão de Serviços de
Infraestrutura do Senado nesta terça-feira (26).
O PDL vai sustar duas resoluções normativas
da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) que tratam do cálculo da Tust
(Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão) paga por todos os usuários,
geradores, distribuidoras e consumidores livres conectados diretamente à rede
de transmissão.
"Nesse contexto, a Copel vem informar a
esse ministério que a revogação das resoluções supracitadas impõe custo extra
para a companhia, com encargos de uso do sistema de transmissão do que foi
computado para o cálculo dos bônus de outorga. Assim, caso o PDL 365/2022 seja
aprovado, os valores a serem recolhidos deverão ser revistos em menos R$ 1,2
bilhão, conforme estimativas realizadas por esta companhia", destaca a
carta.
Procurada, a Copel disse que não se
manifesta sobre a questão.
A proposta do Congresso de derrubar as
resoluções da Aneel sofre forte oposição de entidades de consumidores desde que
foi apresentada, e por diferentes razões. Primeiro porque vai elevar a tarifa
de energia dos consumidores que usam mais energia renovável, notadamente nos
estados mais pobres.
O aumento na conta de luz, segundo dados da
própria Aneel, pode chegar a 2,4% no Nordeste e a quase 1% no Norte. Em menor
escala, afetaria também consumidores de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito
Santo, Goiás e Distrito Federal.
"Acreditamos que os parlamentares não
estão devidamente informados sobre os efeitos desse PDL, e temos municiados os
parlamentares com mais dados", afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da
Frente Nacional dos Consumidores de Energia.
"As medidas propostas pelo PDL não vão
fazer diferença para os geradores eólicos e solares, como se imagina, mas vão
representar aumento na conta de luz dos consumidores dos estados mais pobres no
Norte e Nordeste."
A frente afirma ainda que o Nordeste vai
continuar elevando a sua participação na expansão das renováveis com ou sem
PDL, pois a região é naturalmente propícia a projetos eólicos e fotovoltaicos.
Neste ano, já sob a vigência das resoluções
da Aneel, dados consolidados até esta segunda-feira (25) apontam que a região
responde por 59% da expansão da matriz elétrica, sendo 3.296,8 MW (megawatts)
de usinas eólicas e 1.230,6 MW de centrais solares fotovoltaicas.
O PDL também preocupa o setor de energia
porque é visto como uma interferência indevida do Legislativo sobre uma agência
reguladora.
"A proposta de intervenção em um tema
exclusivamente técnico e regulatório, e que foi amplamente debatido com todo
setor elétrico e seus usuários, produzirá efeitos negativos no mercado de
energia, como instabilidade e insegurança jurídica", destacou a Abrace
(Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de
Consumidores Livres) em nota aos senadores.
O cerne da divergência sobre a tarifa de
transmissão é o chamado "sinal locacional", o mecanismo que, pelo
preço, indica qual é o local mais racional para instalação de novos
empreendimentos de energia, de forma a aproximar a geração do consumo.
A Aneel concluiu que, por causa do aumento
no número de projetos hidrelétricos, eólicos e solares no Norte e Nordeste, os
consumidores dessas regiões agora devem pagar menos, pois estão próximos dos
geradores. Em contrapartida, esses novos geradores demandam a construção de
mais linhas de transmissão, então, a leitura é que devem pagar mais.
O PDL inverte a lógica. Onera os geradores
do Sul e Sudeste (daí o impacto reportado pela Copel), e os consumidores dos
locais onde há mais renováveis.
A prerrogativa da Aneel para tratar do sinal
locacional consta da lei que criou a agência em 1996.
Antes de publicar as resoluções que tratam
do tema, em 2022, a agência promoveu duas longas consultas públicas, que
tiveram início em 2018. A Aneel contabilizou que foram 418 dias para que todos
os interessados apresentassem as suas contribuições.
As empresas de energia renováveis foram voto
vencido nesse longo debate e, após a publicação das resoluções, recorreram ao
Congresso na tentativa de impedir a sua efetiva aplicação.
Procurada pela reportagem, a Aneel afirmou
em nota que a correta sinalização de preços no sistema elétrico evita subsídios
cruzados, dá mais eficiência ao funcionamento do setor elétrico, beneficiando
todos os usuários no longo prazo, sejam consumidores, sejam geradores, e que a
mudança é feita de forma gradativa, ao longo de cinco anos.
Procurados pela reportagem para explicarem
qual será o posicionamento do governo, Fazenda e MME não responderam até a
publicação deste texto.