Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
A renda média dos trabalhadores
10% mais pobres no Brasil não era suficiente para comprar meia cesta básica em
uma cidade como São Paulo em 2022. É o número mais baixo na série histórica,
com dados a partir de 2012.
Enquanto isso, o rendimento do
trabalho dos 10% mais ricos permitia adquirir quase 14 cestas, em média.
Considerando a renda média de
todos os trabalhadores (R$ 2.659), essa relação foi de 3,49 cestas em 2022.
Trata-se de outra mínima da série iniciada em 2012. A máxima foi de 5,15 em
2014.
As conclusões são de um levantamento
elaborado pelo economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, com base em dados
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Dieese
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
"A primeira mensagem dos
resultados é sobre aquilo que a gente conhece: o Brasil é um país pobre e muito
desigual, um dos mais desiguais do mundo", afirma Imaizumi.
O levantamento usa estatísticas
do IBGE sobre a renda média obtida pelos brasileiros com o trabalho ao longo do
ano passado. O indicador desconsidera o rendimento recebido a partir de outras
fontes, como os benefícios sociais, que têm impacto entre as camadas mais
pobres da população.
Os dados de renda nacionais são
cruzados no levantamento com o preço da cesta básica pesquisada pelo Dieese a
cada mês na cidade de São Paulo. Em uma média de 2022, o custo de compra desses
alimentos ficou em R$ 762 na capital paulista.
Entre os 10% mais pobres, a
renda média do trabalho foi de R$ 365 no ano passado. Assim, poderia comprar o
equivalente a apenas 0,48 cesta básica em São Paulo. É a primeira vez que essa
relação fica um pouco abaixo de 0,5 na série histórica, com dados a partir de
2012.
No caso dos 10% mais ricos, o
rendimento médio do trabalho foi de R$ 10.497 no Brasil em 2022. O valor seria
suficiente para adquirir 13,77 cestas básicas à época em São Paulo. Também é o
menor resultado da série.
Conforme o levantamento, o
máximo que os 10% mais pobres conseguiram comprar com a renda do trabalho foi o
equivalente a 0,7 cesta básica. Isso ocorreu em 2014. Entre os 10% mais ricos,
o recorde foi de 21,16 cestas básicas, também em 2014.
Imaizumi avalia que, nos últimos
anos, os alimentos subiram de preço devido a uma combinação de fatores. A lista
incluiu o desarranjo das cadeias produtivas na pandemia, o impacto da Guerra da
Ucrânia sobre as cotações de commodities agrícolas e os problemas climáticos no
Brasil.
Com a escalada dos preços, o
poder de consumo dos trabalhadores encolheu. "Tudo isso contribuiu para um
poder de compra menor. Obviamente, o cenário é muito mais delicado para os mais
pobres", diz o economista.
Outras comparações do
levantamento também ilustram as diferenças no poder de consumo dos
trabalhadores.
Em 2022, a renda do trabalho dos
5% mais pobres (R$ 227) comprava somente 0,3 cesta básica. Já o rendimento da
parcela 1% mais rica (R$ 29.198) conseguia adquirir 38,31 cestas.
CENÁRIO PARA 2023
Segundo Imaizumi, o quadro é
mais positivo para os consumidores em 2023. Em parte, isso ocorre porque os
preços dos alimentos dão sinais de alívio em um cenário de oferta maior de
produtos. Neste ano, o Brasil vive os reflexos do aumento da safra agrícola,
cujas projeções indicam recorde.
Os preços da alimentação no
domicílio acumularam queda (deflação) de 0,62% em 12 meses até agosto, conforme
o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), divulgado pelo IBGE.
Como mostrou a Folha de S. Paulo, é a primeira vez que esse segmento mostra
redução no acumulado desde maio de 2018.
"A notícia positiva para
2023 é que a gente está observando queda no nível de preços, mas nada comparado
ao que tínhamos antes da pandemia", pondera Imaizumi.
"Em 2023, a gente tem
aumento real do salário mínimo, uma certa recomposição do mercado de trabalho,
manutenção de benefícios sociais [...]. Tudo isso tem contribuído para um
cenário um pouco mais positivo", acrescenta.
Segundo o Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), a inflação das famílias mais pobres acumulou alta
de 3,7% em 12 meses até agosto. O avanço dos preços foi menor do que o
verificado entre as mais ricas (5,89%).
Os cálculos do Ipea levam em
consideração os dados do IPCA e as diferenças na composição das cestas de
consumo em cada faixa de renda.
Em termos proporcionais, os
alimentos absorvem uma fatia maior do orçamento dos mais pobres. O alívio dos
preços da comida em 2023 é apontado como um dos motivos para a alta menor da
inflação para essa camada da população.
A Reforma Tributária em
discussão no país prevê a criação de uma cesta básica nacional. Atualmente, a
relação de produtos varia de acordo com o tratamento tributário concedido em
cada estado.
Em seu levantamento, o Dieese
pesquisa 12 ou 13 alimentos básicos, dependendo da capital. A lista é baseada
no decreto de 1938 que instituiu a ideia de cesta básica no Brasil.
Como a Folha de S. Paulo
mostrou, a definição de uma lista nacional de produtos é vista por
especialistas como um desafio na reforma. Isso porque diferentes setores podem
pressionar em busca do tratamento tributário especial para suas mercadorias.
Além disso, há diferenças regionais na dieta dos brasileiros.