Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
monitorou grupos que difundem conteúdo supremacista e neonazista para centenas
de pessoas no Telegram. O informe, produzido no dia 25 de novembro de 2022,
após o segundo turno da eleição presidencial, mostra como núcleos extremistas
embarcaram no movimento golpista para causar instabilidade institucional.
A coluna de Guilherme Amado do portal Metrópoles, parceiro do
Bahia Notícias, teve acesso à íntegra do relatório sigiloso. O documento foi
enviado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI); à Diretoria de
Inteligência Policial da Polícia Federal (PF); à Diretoria de Inteligência da
Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança
Pública; à Polícia Civil de Santa Catarina; e ao Gabinete de Transição do
Governo.
Na época do monitoramento, a Abin destacou que os
“grupos neonazistas demonstram interesse em associar narrativas supremacistas a
movimentos de contestação dos resultados eleitorais e adotam discursos que
dialogam com pautas de outros movimentos para recrutar novos adeptos e promover
ações violentas contra autoridades, instituições e agrupamentos antagônicos”.
“Os mesmos [grupos neonazistas] repercutiram
chamamentos para contestar a legitimidade dos resultados eleitorais ou buscaram
aproveitar-se das narrativas de deslegitimação para avançar teses extremistas
violentas ou para fomentar movimentos de insurreição armada”, avaliou a Abin.
Um dos exemplos colhidos pela Abin mostrava
nazistas apoiando os bloqueios que caminhoneiros fizeram em rodovias federais
após a derrota de Jair Bolsonaro. “O que está acontecendo pode mudar tudo. Precisamos
nos unir para aproveitar essa oportunidade”, disse um integrante do grupo.
“Estou pensando em fazer uma barreira na BR da minha cidade”, respondeu outro.
“Faça isso, na minha já fizemos. Ontem à noite fizemos uma reunião para
discutir a logística e bloqueamos tudo”, retrucou o primeiro, que emendou com
xingamentos ao Nordeste e ameaças de deixar a região sem alimentos.
Entre os canais monitorados, estavam grupos que
reuniam até 800 pessoas no Telegram. Os nazistas se agrupavam no aplicativo de
mensagens sob diversas bandeiras, como o movimento separatista da Região Sul e
o ódio racial.
Um dos grupos separatistas, com 688 integrantes,
apresentava manuais para fabricação de explosivos, técnicas de guerrilha e
impressão de armas de fogo em impressoras 3D. A intenção, segundo
administradores do canal, era formar um grupo armado com motivações
supremacistas.
Outro grupo, inclinado para a propagação do ódio
racial, incentivava pessoas a formarem uma “milícia digital”. Os líderes do
canal diziam que o governo Lula subjugaria “o povo branco, em especial o
sulista”, ao criar um Ministério da Igualdade Racial. Citações de figuras
históricas do nazismo e do fascismo e manifestações antissemitas também eram
publicadas no canal. À época, o conteúdo postado no grupo alcançava 813
assinantes.
A coluna verificou que parte dos grupos continua
ativa no Telegram. Em abril, a Justiça suspendeu o uso da plataforma no país,
após o aplicativo não entregar os dados completos de canais neonazistas à
Polícia Federal. A corporação investigava a relação entre os grupos do Telegram
e o ataque a um colégio em Aracruz, no Espírito Santo. A plataforma voltou a
funcionar três dias depois, também por decisão judicial.
Todas as instituições que receberam o relatório da
Abin foram questionadas sobre quais medidas foram tomadas para investigar e
combater a existência dos grupos supremacistas e neonazistas mencionados no
informe.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança
Pública (MJSP) declarou que “nenhum dos dirigentes da nova gestão do ministério
foi convidado a entrar em grupo de WhatsApp gerenciado pela ABIN para receber
relatórios” e que a pasta “não tem informações sobre materiais eventualmente
enviados para dirigentes que pertenciam ao governo passado”. A coluna questionou
sobre a qual grupo de WhatsApp o ministério se referia, mas a pasta recuou: “O
ministério não dispõe de informações referentes a grupos de WhatsApp
gerenciados pela Abin”.
A Polícia Civil de Santa Catarina informou que fez
“inúmeras operações, em Santa Catarina e em diversos estados, que resultaram na
prisão de pelo menos 19 pessoas envolvidas com movimentos supremacistas”. A
coluna questionou sobre a relação dos presos com os grupos citados no relatório
da Abin, mas não houve resposta.
O GSI, a Polícia Federal e o Telegram não enviaram
posicionamento até a publicação da reportagem. O espaço permanece aberto para
manifestações.