A maioria dos cursos de medicina abertos no Brasil nos últimos cinco anos não atendem requisitos considerados essenciais para oferecer uma boa formação aos futuros médicos. Essa é a conclusão do Conselho Federal de Medicina (CFM), que identificou a entrada em funcionamento de 75 escolas médicas desde abril de 2018, mês em que foi lançada portaria do Ministério da Educação (nº 328/2018) para suspender abertura de novos editais com essa finalidade.

 

Com isso, a quantidade de faculdades de medicina em atividade no País passou de 314 para os atuais 389, entre abril de 2018 e abril de 2023, quando a norma do Governo deixou de vigorar. Segundo o CFM, as novas escolas foram abertas em 70 municípios brasileiros. Quase metade dos cursos estão em cidades onde não há Equipes de Saúde da Família suficientes para absorver os estudantes; 87% não oferecem pelo menos cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no município sede de curso; e 90% dos municípios não possuem um hospital de ensino.

 

Todos esses são pré-requisitos que eram exigidos pelo Governo para autorizar a entrada em funcionamento de novos cursos até 2015 e considerados fundamentais pelos especialistas em ensino médico e pelas entidades de representação da categoria para que o processo de ensino aprendizagem fosse realizado com sucesso. Sem essa infraestrutura básica, aumentam as chances de que os futuros médicos não desenvolvam plenamente seus conhecimentos, habilidades e atitudes, o que pode comprometer sua atuação em diagnósticos e tratamentos, deixando a população exposta a riscos.

 

“Infelizmente, a moratória não foi suficiente para interromper o crescimento desgovernado de escolas médicas no Brasil, que hoje tem uma quantidade superior, por exemplo, à oferta de escolas médicas na China (164) e Estados Unidos (196), países com população maior que a brasileira”, comenta o presidente da autarquia, José Hiran Gallo.

 

O funcionamento destes cursos, explica o presidente do CFM, foi autorizado em processos que tiveram início antes da moratória e se arrastaram ao longo dos anos. Em alguns casos, no entanto, o funcionamento do curso foi viabilizado por meio de medida judicial. “Hoje temos escolas sem infraestrutura para campo de prática na rede de saúde local ou insumos e materiais de laboratório”, diz.

 

Dos cursos criados no Brasil após a vigência da moratória, apenas cinco são públicos (estadual e federal) e outros 70 são particulares. Mais de 6 mil vagas foram abertas no período, 96% delas na rede privada de ensino. Nos últimos dez anos, foram abertas mais de 15,5 mil novas vagas em cursos de medicina, passando de 25.321 (2013) para 40.306 (2023).

 

A taxa de crescimento de vagas públicas nesse período foi de 43%, enquanto as vagas privadas aumentaram em 70%. Essa corrida de mercado tem preocupado o CFM, que defende a exigência de critérios de qualidade no processo de abertura de novas escolas e vagas. “Nossa preocupação é com a qualidade dos novos cursos de medicina. Muitos deles não possuem corpo docente qualificado e não oferecem estrutura adequada aos alunos”, pondera o presidente do CFM.

 

Com pouco mais de 130 mil habitantes, Ji-Paraná, em Rondônia, é um exemplo da força do mercado. A cidade recebeu três escolas médicas no período de vigência da moratória. Juntas, as escolas instaladas na localidade comportam 106 alunos de primeiro ano, que ao longo do processo de aprendizagem, conhecido por internato, disputarão espaço em uma infraestrutura que não atende aos requisitos mínimos para o exercício de atividades práticas.

 

Atualmente, Ji-Paraná não possui nenhum hospital de ensino ou unidade de apoio ao ensino instalado em seu território. Além disso, possui apenas 179 leitos disponíveis na rede pública da cidade. “Com campos de prática escassos e sobrepostos entre níveis e categorias profissionais, a educação médica pode nitidamente perder a qualidade de formação mínima necessária para formação dos médicos que integrarão o futuro sistema de saúde brasileiro”, critica Júlio Braga, coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM.

 

As escolas estão distribuídas em 250 cidades brasileiras e a maioria (65%) se concentra nas regiões Sudeste e Nordeste do País. Os estados de São Paulo e Minas Gerais concentram um terço das instituições. São 74 escolas distribuídas em SP, sendo que 13 destas estão na capital paulista. São oferecidas mais de nove mil vagas no estado, 90% sob administração privada. Já em Minas Gerais estão disponíveis 48 escolas com 4,8 mil vagas de primeiro ano, 70% delas privadas.