O apoio dos brasileiros à privatização de empresas e serviços públicos deu um salto nos últimos seis meses, e a maioria da população avalia positivamente a qualidade do atendimento e dos produtos entregues pela iniciativa privada na comparação com os fornecidos pelo Estado.
A adesão da população à continuidade da venda de ativos estatais é maior nos setores em que já houve privatizações e concessões, como em rodovias, saneamento, aeroportos e energia elétrica. Mas, apesar de considerarem melhores os produtos e serviços privados, os brasileiros os acham mais caros.
Segundo pesquisa Datafolha, 38% dos brasileiros apoiam as privatizações, ante 45% que se dizem contrários. A taxa de aprovação é a maior da série do Datafolha pelo menos desde 2017, quando apenas 20% eram favoráveis ao tema. No geral, homens apoiam mais (46%) do que as mulheres (30%).
Apesar de mais brasileiros aprovarem as privatizações, não há apoio ou rejeição majoritários, revelando que a opinião sobre o assunto ainda não está cristalizada.
Em setembro do ano passado, apenas 26% se diziam a favor da transferência de empresas e serviços públicos ao setor privado, enquanto 66% eram contrários.
O aumento do apoio às privatizações pode ter relação com o fato de o Partido dos Trabalhadores, refratário ao tema, ter vencido as eleições presidenciais em 2022. Em um cenário de divisão do eleitorado, simpatizantes de Jair Bolsonaro (PL) ou de partidos à direita podem ter reforçado suas convicções ao responder à pesquisa.
Segundo o Datafolha, 70% dos apoiadores do PL são favoráveis às privatizações. Entre os simpatizantes do PT, apenas 28%.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou a retirada dos Correios, da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) e da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) da lista de privatizações de Bolsonaro. As três estatais fazem parte de um pacote com mais sete excluídas do PPI (Programas de Parceiras e Investimentos) e do PND (Programa Nacional de Desestatização).
Segundo o Datafolha, quanto mais escolarizado e rico, maior a adesão às privatizações. Mas, mesmo entre as famílias mais pobres, com renda até dois salários mínimos, o apoio não é muito discrepante da média da população —34% e 38%, respectivamente.
O Datafolha também questionou os brasileiros sobre como avaliam os produtos e serviços entregues pela iniciativa privada em relação ao atendimento feito por estatais. A maioria (54%) considera melhores os privados; 25% os acham piores; 6% consideram iguais e 15% não souberam responder.
Em termos etários, 63% dos que têm entre 16 e 34 anos consideram os produtos e serviços privados melhores do que os estatais. Para os acima de 60 anos, só 42% têm essa avaliação. Os mais jovens, no entanto, acham mais caros os produtos e serviços privados do que os mais velhos.
Em relação à qualidade do atendimento aos clientes, 61% acham melhor a fornecida pelas empresas privadas na comparação com as estatais, enquanto 22% consideram pior —outros 6% acham igual e 11% não souberam responder.
No entanto, quando questionados sobre os preços dos produtos e serviços oferecidos pelas empresas privadas na comparação com os de estatais, 67% responderam que os primeiros são mais caros, enquanto 19% consideram os públicos mais baratos. Quanto mais pobre a família, maior a percepção de que os preços privados são mais elevados.
A pesquisa Datafolha ouviu 2.028 pessoas com 16 anos ou mais em 126 municípios nos dias 29 e 30 de março, e tem margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
No levantamento, o Datafolha também questionou os entrevistados sobre o apoio à transferência para o setor privado de empresas e serviços estatais.
A adesão dos brasileiros à privatização é menor quando se trata da Petrobras (37% a favor, 53% contra; os demais são indiferentes ou não sabem) e de bancos públicos, como Banco do Brasil e Caixa Econômica federal (36% a favor, 55% contra). No caso dos Correios há um virtual empate entre os favoráveis à privatização (45%) e os contrários (46%).
Em setores em que já houve uma série de desestatizações (e grandes investimentos por parte das empresas privadas), o apoio dos brasileiros à continuidade da venda de ativos estatais tende a ser maior do que o percentual dos contrários.
No caso das rodovias, 48% dos entrevistados são a favor das privatizações; 44%, contra. Segundo associação que reúne as concessionárias no país, elas investiram, nos últimos 25 anos, cerca de R$ 240 bilhões nos 24 mil quilômetros de rodovias hoje concedidas.
De acordo com a Fundação Dom Cabral a partir de registros da Polícia Rodoviária Federal entre 2018 e 2021, o risco de acidentes em rodovia pública é quatro vezes maior do que em estradas concedidas.
No setor de aeroportos, 47% apoiam a privatização, enquanto 42% são contra. O percentual de passageiros que avaliam os aeroportos como bons/muitos bons saltou de 69%, em 2013, para 92% em 2021, segundo a Secretaria Nacional de Aviação Civil.
No saneamento básico, em que quase a metade da população não tem esgoto tratado, 49% dos brasileiros apoiam a privatização; 44% são contra.
Desde a aprovação do chamado novo marco regulatório do saneamento, em 2020, o governo federal contabiliza cerca de R$ 90 bilhões em investimentos e outorgas pagas pelas empresas privadas para prestação de serviços em 225 municípios. A pretensão é que, até 2033, 90% do esgoto no país seja coletado e tratado.
Na semana passada, o governo Lula fez alterações no marco, consideradas um retrocesso. Com as mudanças, abriu-se o caminho para que estatais estaduais operem os serviços de água e esgoto sem licitação, alterando um dos fundamentos da lei sancionada em 2020.
O Datafolha também questionou os brasileiros sobre como avaliam a privatização do sistema de telefonia, a partir da venda da Telebrás, em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Para 39%, a transferência do serviço estatal foi ótima/boa, e outros 25% consideram o resultado regular. Cerca de um quarto (27%) acha que foi ruim/péssima, e 9% não souberam avaliar.
Antes da privatização da Telebrás, o Brasil tinha 7,4 milhões de aparelhos celulares ativos, e as linhas fixas eram caras a ponto de serem declaradas no Imposto de Renda. Hoje, o país tem 259,1 milhões de linhas móveis ativas, e o custo da ligação, em relação a 1998, caiu de R$ 7 por minuto para R$ 0,44, em média.
As privatizações no Brasil começaram há mais de três décadas, com o lançamento do Programa Nacional de Desestatização. As maiores ocorreram entre 1990 e 2000, em especial no governo FHC, quando foram vendidas empresas dos setores de telefonia, siderurgia, extração mineral e bancos.
Cerca de US$ 100,3 bilhões foram arrecadados naquele período (em valores nominais). A partir de 2001, a venda de estatais diminuiu e deu lugar às concessões e às PPPs (Parcerias Público-Privadas) —evando à transferência para o setor privado de rodovias e aeroportos, entre outros ativos.
Apesar do enxugamento, o Brasil ainda tem 47 estatais sob controle do governo federal, que empregam cerca de 445 mil funcionários. Em 2021, o gasto com pessoal atingiu R$ 116,1 bilhões, com algumas remunerações mensais superando R$ 100 mil, além de participações generosas nos resultados e planos de aposentadoria e saúde muito superiores aos da iniciativa privada.