O governo federal, através da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) — ligada ao Ministério da Gestão —, revisou a sua própria decisão anterior e suspendeu os efeitos da transferência de titularidade autorizada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), que negociava cerca de 20% da ilha de Boipeba, na região Baixo Sul do estado, a grupos empresariais para a construção de um grande empreendimento imobiliário.
A SPU também determina que a empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA e o empresário Marcelo Pradez de Faria Stallone não realizem qualquer obra no terreno até que seja apurado se empreendimento atende à legislação patrimonial e que seja publicada a Portaria de Declaração de Interesse do Serviço Público com a delimitação do perímetro do território tradicional da comunidade de Cova da Onça.
A decisão da SPU atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) do dia 14 de março. Os procuradores entendem que a autorização para a transferência de titularidade e construção do empreendimento pode retirar direitos de comunidades tradicionais que ocupam a ilha de Boipeba.
Especialista em demandas da SPU, o advogado Rodrigo Cantalino foi consultado sobre a decisão e afirmou que é necessário buscar uma conciliação.
"É preciso que seja garantida a segurança jurídica para que a decisão não afaste investimentos para o País, e também assegure a subsistência das comunidades tradicionais. A Consultoria Jurídica da União tem precedentes que não cabe à SPU se imiscuir nos aspectos ambientais", declarou Cantalino.
O CASO
O Inema autorizou, no último dia 7 de março, emissão de licença para um empreendimento imobiliário de cerca de 1.651 hectares (16.510.000m²), que o grupo econômico Mangaba Cultivo de Coco pretende instalar na Fazenda Castelhanos, antiga Fazenda Cova da Onça, em área que equivale a quase 20% da Ilha de Boipeba.
Conforme o MPF, o projeto inicial prevê 69 lotes para residências fixas e de veraneio, duas pousadas com 3.500 m² cada, além de mais 82 casas, parque de lazer, píer e infraestrutura náutica, aeródromo e área para implantação de um campo de golfe de 3.700.000 m².
O MPF sinaliza, ainda, que o projeto viola as diretrizes e recomendações do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental Tinharé-Boipeba. Além disso, a entidade afirma que o projeto atinge diretamente ecossistemas costeiros de extrema vulnerabilidade, como manguezais e faixas de praia, prevê consumo de água desproporcional na ilha, remoção de vegetação de Mata Atlântica, pavimentação do solo, cercamento de terras e caminhos tradicionais, destruição de roças e a desconfiguração do modo de vida tradicional de centenas de famílias de pescadores, catadores e catadoras de mangaba e marisqueiras das comunidades de Cova da Onça, Moreré e Monte Alegre.
Para os procuradores, a concessão da licença representa ilegalidade de caráter fundiário. A ilegalidade, de acordo com o MPF, é porque as terras de Boipeba, onde se pretende implantar o megaempreendimento, são públicas, da União, e, por lei, devem ser prioritariamente destinadas aos usos ambientais e tradicionais das comunidades.
Em 2019, o Ministério Público Federal já havia emitido a Recomendação 01/2019 pedindo a interrupção do processo de licenciamento do empreendimento imobiliário Ponta dos Castelhanos, na Ilha de Boipeba.
Na mesma oportunidade, o MPF também recomendou à SPU que conclua a regularização fundiária das comunidades tradicionais e fiscalize possível desvirtuamento da ocupação do imóvel da União, inscrito sob regime precário de ocupação.